O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega à Casa Civil para reavivar um governo inerme, impedir que a presidente Dilma Rousseff seja abatida pelo processo de impeachment e, para obter as duas coisas, "reanimar" a economia. Ao obter foro privilegiado, estará fora do alcance direto do juiz Sergio Moro, mas não das investigações e suas eventuais consequências. Grampos revelando conversas entre a presidente Dilma e Lula ontem à noite provocaram manifestações de rua e colocaram um ponto de interrogação sobre a permanência no ex-presidente no cargo.
A manobra desesperada da presidente ao trazer Lula à Casa Civil pode ter vindo tarde demais. Perto da extrema-unção, ao governo só lhe ocorreu este lance arriscado. O contexto no qual Lula volta a subir a rampa do Planalto é outro, muito mais hostil e delicado do que o de quando dela desceu há pouco mais de cinco anos. A sucessão de desafios é grande demais, mesmo para um político de extrema habilidade e carisma.
Assolado por suspeitas e com um governo, pelo qual é em parte responsável, agonizando a céu aberto, Lula pode não ser mais o mesmo. Como líder do PT, em momento já péssimo para o governo, deixou que o partido atirasse em público nas escolhas da presidente, (como no ministro da Fazenda, Joaquim Levy), e criticasse sua política econômica, que sabia que não era sequer do agrado de Dilma. Com isso, ajudou a isolá-la ainda mais, ao sinalizar a uma aturdida e rebelada base de apoio no Congresso que nem o partido do governo, afinal, apoiava o governo, eximindo o minguante número de políticos dispostos a seguir a orientação do Planalto de fazê-lo.
Após abater Levy, sob coro puxado por Lula, o PT em pouco tempo imobilizou também seu substituto, Nelson Barbosa, mais próximo ao partido, quando ele procura uma forma, moderada e ineficiente, de enfrentar o déficit público. Lula e o PT sinalizaram que o ajuste fiscal em um ambiente recessivo é contraproducente e que a economia precisa de estímulos para sair dessa armadilha.
Ao insuportável "fogo amigo" contra Dilma se somaram as revelações da Lava-Jato, a ausência de qualquer estratégia para romper a paralisia do governo e o desprezo do Congresso, que já buscava uma agenda própria, independente do Planalto. Agora caberá a Lula, a partir de relações desgastadas e de absoluta fragilidade política do governo, a missão de remontar a enorme base partidária de apoio que costurou para sustentar Dilma.
Mas, ao contrário do que viveu em seus dois governos, Lula terá de enfrentar o menor interesse político de seus aliados. No passado, eles se renderam lucrativamente a um líder e um partido no auge de seu prestígio. Agora, veem a oportunidade de encerrar o ciclo do PT no poder. Da mesma forma, Lula comandou dois mandatos vitoriosos na economia e hoje se depara com estagnação, dois anos de recessão e nenhum sinal de reação à vista.
O ex-presidente volta a Brasília cortejando uma "guinada à esquerda" - que pode ou não ser para valer. Lula no palanque é uma coisa, no governo é inteiramente outra. O fracasso da política econômica de Dilma foi retumbante a ponto de poder tornar rápido um resgate da credibilidade, se for feita a coisa certa. Um caminho é o ex-presidente seguir a orientação que deu no início de seu governo - atacar de frente o déficit público, abrir espaço para reformas, não abrir a guarda na política monetária e garantir relevo a políticas sociais.
Para começar a sair da enrascada em que a presidente Dilma se meteu, a guinada terá novamente de ser "à direita". Há propostas ortodoxas sensatas levantadas, com ou sem convicção, pelo PSDB e PMDB, que podem ser pontos de partida para reconstruir apoio político no Congresso. Insistir no uso do crédito via bancos públicos, alimentar a ideia de investir as reservas internacionais, abrir cofres depauperados para socorrer Estados tornará ainda mais lamentável o estado da economia.
O ex-presidente pode ter perdido a bússola e repetir os erros de Dilma. Para fazer diferença, além de melhorar com sua experiência a articulação política, é preciso indicar com clareza esforço sério para consertar a economia. Mesmo assim, é difícil. À diferença do passado, PMDB e partidos do ex-consórcio governista consideram que algum sucesso na empreitada lulista abrirá espaço para mais um governo do PT - e Lula é candidato declarado. Isso limita o apoio que receberá e delineia o alcance das medidas que poderá tomar. Sua margem de ação não é grande, ao contrário das chances de fracasso.
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