- Valor Econômico
• O ciclo vicioso de juros e dívida continua a crescer e a confiança sólida para retomar o investimento não deverá acontecer
Com o título acima, Sargent e Wallace publicaram em 1981 um artigo que se tornou referência sobre o tema: coordenação entre política monetária e fiscal, no Federal Reserve Bank of Minneapolis Quarterly Review. Volto mais uma vez ao tema por que julgo bastante relevante para a atual conjuntura brasileira e pode esclarecer aspectos da controvérsia recente sobre a questão na imprensa. Alguns economistas creem que descobriram "mecanismos drasticamente novos" que reverteriam as velhas proposições da teoria econômica tradicional. Neste artigo vamos nos ater às teorias tradicionais, só assim podemos esclarecer num próximo artigo o que é dramaticamente novo.
Num trabalho simples e de lógica aritmética irrefutável Sargent e Wallace mostram que nem sempre a política monetária ativa, e consequente elevação da taxa de juros, resulta em declínio da taxa de inflação. Ao contrário, se a política fiscal for incorreta, podemos ter uma situação de dominância fiscal, a taxa de inflação poderá se acelerar ou tornar-se explosiva. Em outras palavras, para o bom funcionamento e dominância da política monetária no controle da inflação, a situação fiscal tem que estar sob controle, no sentido de que a trajetória de crescimento da dívida pública não seja explosiva, com a geração de superávit primário necessário.
Se a geração de superávit primário não for suficiente para conter o crescimento da dívida, a elevação da taxa de juros provocará uma expansão maior da dívida pública e, em consequência, financiamento do déficit com emissão de moeda e inflação. Lembremos que o paper acima foi publicado em 1981.
A grande controvérsia está em como esta expansão monetária se torna inflação. Para os monetaristas, como os dois autores acima, a inflação é determinada pela teoria quantitativa da moeda, isto é, a taxa de inflação é consequência imediata da expansão da quantidade de moeda. Para os keynesianos, a expansão monetária traria como consequência a redução na taxa de juros e isto aumentaria a demanda agregada acima do produto potencial, que via Curva de Phillips (relação entre inflação e desemprego), a taxa de inflação se aceleraria.
Portanto, diferentemente dos monetaristas, os keynesianos mostram que a taxa de juros é instrumento de política relevante e tem efeitos indiretos sobre a inflação. Da mesma forma, para os keynesianos, a política fiscal pode ter efeitos sobre a inflação, pois afeta a demanda agregada e portanto pode afetar a inflação. Só o teste empírico pode confirmar ou não as teorias acima. Há ampla evidência empírica a favor dos keynesianos, por isso os bancos centrais utilizam estes modelos, particularmente, na versão modernizada dos Novos Keynesianos.
Por que este debate interessa na atual conjuntura brasileira? Todos concordamos que a crise brasileira é, antes de mais nada, fiscal. Claramente a situação fiscal brasileira vem se deteriorando desde o final do ano 2011. Até esta última data, a receita tributária vinha crescendo, em termos reais, em torno de 7% ao ano. Desde 2012, a receita está em ritmo decrescente, e com redução real a partir de 2015. Enquanto isso, a despesa não apresentou a mesma trajetória, ao contrário, as indexações e vinculações reais determinaram uma trajetória sempre crescente, revelando uma rigidez estrutural.
Este quadro gerou uma grave crise de confiança que resultou numa forte queda na taxa de investimento, aumento de desemprego e uma crise financeira de endividamento das empresas e das famílias provocando queda nos investimentos e queda no consumo.
A troca de governo, a aprovação pelo Congresso Nacional de medidas de fixação de teto nos gastos públicos, a apresentação do projeto de reforma na previdência social, a promessa de reformas trabalhista e tributária e a redução da taxa de juros pelo Banco Central melhoraram o ambiente, mas não o suficiente para reverter o quadro econômico. Atingimos o fundo do poço, mas não a recuperação econômica firme. A taxa de crescimento da economia neste primeiro semestre pode até se tornar positiva, mas graças ao desempenho da agricultura. A taxa de desemprego deverá continuar aumentando neste ano.
É preciso lembrar que o teto de gastos, na melhor das hipóteses, poderá ter efeitos a longo prazo, enquanto a situação fiscal dos Estados está se agravando e o déficit público e a dívida pública continuam crescendo. Dado o nível elevadíssimo da taxa de juros, a dívida pública tem uma dinâmica que independe das reformas prometidas. A sua dinâmica depende da velocidade do ajuste fiscal e da queda na taxa de juros. O ritmo de queda nas taxas de juros dependerá do ritmo de ajuste fiscal, e não do teto de gastos fiscais a longo prazo. E sem queda drástica nas taxas de juros, a questão fiscal terá que esperar o longo prazo.
Desta forma, a coordenação entre política monetária e fiscal está no centro da questão de recompor de forma mais firme a confiança do mercado no governo e recuperação da taxa de investimento e do nível de emprego. O ciclo vicioso juros/dívida continua crescendo, assim a confiança sólida para retomar o investimento não deverá acontecer. A reforma fiscal tem que mostrar resultados efetivos para ter efeitos e este é um pré-requisito para reduzir juros.
Mas reduzir realmente as taxas de juros para níveis civilizados sem uma reforma monetária, isso não ocorrerá. A taxa de juros deveria ser menor do que os retornos esperados pelos investimentos em capital físico, para a economia deslanchar.
• Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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