Em tempos normais, a controvérsia em torno da escolha de um juiz para a Suprema Corte dos EUA seria limitada à regulação de temas sensíveis como as liberdades individuais, o direito ao aborto e a situação dos imigrantes —o que já não seria pouco. Não vivemos, entretanto, tempos normais.
Prenuncia-se, com efeito, um exame extremamente conturbado da indicação de Neil Gorsuch para substituir o conservador Antonin Scalia na mais alta instância da Justiça americana. E não apenas porque seu nome foi indicado por Donald Trump.
Na oposição, os democratas entendem que essa cadeira na corte lhes foi surrupiada. Scalia morreu um ano atrás, mas os republicanos, majoritários no Senado, recusaram-se a considerar o indicado de Barack Obama. A desforra agora prometida deverá acirrar ainda mais a polarização no Legislativo e na sociedade do país.
Beligerância partidária à parte, cumpre observar que há uma agenda conservadora perfeitamente legítima, goste-se ou não dela, e, afinal, vitoriosa nas urnas. Com isso, a escolha de Gorsuch —descrito como jurista independente, de sólida formação e erudição— está em plena conformidade.
Trata-se, como Scalia, de um originalista, que defende uma leitura inflexível da Constituição americana tal como foi escrita, a partir de 1787, sem margem para considerar a intenção dos legisladores ou as consequências práticas das decisões judiciais.
Sua confirmação pelo Senado criará uma apertada maioria conservadora —de 5 num total de 9 membros— na Suprema Corte, onde um relativo equilíbrio ideológico tem perdurado ao longo dos anos graças à saudável alternância no poder presidencial.
Donald Trump, lamentavelmente, milita contra a normalidade. Suas primeiras atitudes no governo têm sido embaladas em lances de retórica eleitoral, açodamento, revanchismo e prepotência, rompendo com sólidas tradições políticas e administrativas.
Em casos mais dramáticos, como o da ampla proibição, por meio de decreto, à entrada de estrangeiros de sete nações de maioria muçulmana, o republicano caminhou perigosamente no limite da legalidade. A medida, aliás, caminha para a esfera judicial.
Nos poucos dias em que está no poder, Trump já deixou evidente que pretende testar os limites das instituições americanas, notadamente a Justiça e o Congresso.
Espera-se que ambos estejam à altura da imensa tarefa que terão pela frente, a de moderar os ímpetos do atual presidente e resguardar os EUA como uma democracia referencial para todo o mundo.
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