sábado, 2 de novembro de 2019

Henrique Geaquinto Herkenhoff* - Crime organizado e estratégia

- O Estado de S. Paulo

Há muito tempo as organizações criminosas brasileiras adotam claramente táticas de guerrilha

À primeira vista, quanto mais criminosos presos – ou, de preferência, mortos – pela polícia, melhor, mas é exatamente o oposto: tanto criminosos quanto insurgentes têm amigos e parentes; a cada adversário morto, surgem muitos outros (The Operators, de Michael Hastings, ou sua versão cinematográfica, War Machine).

Insurgentes se encontram imersos em uma população com diferentes posicionamentos: colaboradora, simpatizante, neutra ou tendente a apoiar as forças legalistas, o establishment. Tanto as forças legalistas quanto as insurgentes devem se esforçar por angariar o máximo de apoio e, principalmente não empurrá-la para os braços dos adversários. Essas pessoas tendem a aceitar como natural a morte de insurgentes em um combate limpo, especialmente se foi deles a iniciativa, mas reprovam as que parecerem injustificadas e, principalmente, as de inocentes.

Operações desastradas, com muitas vítimas civis, têm efeito oposto ao desejado. A proporção em que a população apoia à insurreição é um contrabalanço entre e os custos e riscos dessa adesão e a raiva que sente pela violência mal calculada. Por isso, as forças regulares devem empregar principalmente operações “stick”, bastante pontuais, apoiadas por inteligência prévia, com o mínimo possível de danos colaterais, combinadas com “operações cenoura”, oferecendo assistência médica, alimentação e infraestrutura para a população.

Estudos com simulações matemáticas http://jasss.soc.surrey.ac.uk/20/4/11.html deixam claro que a oferta de serviços sociais, ainda que escassa, pode ser de muita valia no apoio a ações “cirúrgicas” contra os insurgentes, mas não é capaz, por mais generosa que seja, de compensar atuações brutais.

Portanto, embora aparentemente isso contrarie o bom senso, a melhor maneira de combater facções criminosas não é matar ou prender aleatoriamente o maior número possível de seus integrantes, mas anular um pequeno porém matematicamente escolhido grupo cujas ligações (não necessariamente sua importância na hierarquia) sejam essenciais ao funcionamento da organização, pois elas se estruturam exatamente como estudado pela Ciência de Redes. Você pode desarticular uma facção suprimindo apenas 2% dela(https://appliednetsci.springeropen.com/articles/10.1007/s41109-018-0092-1), , desde que criteriosamente escolhidos, ao passo que abatê-los a esmo só a fará crescer e se fortalecer.

Há doutrina militar já bastante consolidada para a contrainsurgência, contraterrorismo e antiguerrrilha; elas podem e devem ser adaptadas para o enfrentamento das facções criminosas. A insistência nas ações diretas pode agradar a uma parcela da população, que se regozija em acompanhar execuções pela imprensa, mas foram elas as responsáveis por criar esse clima de guerra civil em grande parte do território brasileiro.

*Henrique Geaquinto Herkenhoff é professor do mestrado em Segurança Pública da UVV. Foi Secretário de Segurança do Espírito Santo, Desembargador Federal (TRF/3) e Procurador e Procurador Regional da República*

Um comentário:

Fernando Carvalho disse...

Falou um monte de bobagens visando manter o povo brasileiro dividido em ricos e favelados. Mas não tocou nas milícias que são bandidos ligados ao poder. Quanto às outras facções criminosas já são mais de 80. É só se reunir num comitê central e marcar a data da revolução. Avisar aos favelados "E aí gente vamos descer os morros e pegar o que vêm nos sendo roubados há 500 anos".