- O Tempo (MG)
Um espectro ronda a América Latina – o espectro da incerteza. O Chile, país que tem os melhores indicadores do continente, explodiu nas ruas. A Venezuela vive sua crônica e dilacerante crise. Na Bolívia, a oposição reclama da manipulação dos resultados eleitorais. O Peru experimenta forte impasse entre o Presidente e o Congresso da República. No Equador, manifestantes invadem o parlamento e o país vive em estado de exceção em função dos protestos contra o fim dos subsídios aos combustíveis.
Na Argentina, os peronistas voltam ao poder, após a fracassada tentativa de ajuste de Macri e escolhem insistir na já derrotada estratégia de congelamento de preços e aumento voluntarista de salários. No Brasil, estamos brincando com fogo numa combinação explosiva entre desigualdade extrema, baixo crescimento, desemprego e instabilidade política e institucional alimentada diariamente. Fora daqui, como aqui, no Líbano e em Hong Kong, a população demonstra que na era das redes sociais tem pouca paciência com as elites, partidos e suas lideranças políticas.
Mas o grande alerta vem do Chile. Já são mais de vinte mortes nas ruas. A semelhança do Brasil em 2013, ninguém previu a explosão social. Aqui, a fagulha foi o aumento das passagens de ônibus, lá a passagem do metrô. Não importa. Da fagulha, nos dois casos, os países viveram o incêndio da insatisfação social generalizada.
O Chile tem 25 mil dólares de renda per capita, o Brasil 15,6 mil. No PISA – Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes – o Chile tem o primeiro lugar da AL, ocupando a 43ª. posição entre 72 países, o Brasil amarga o 63º. lugar. A expectativa de vida dos chilenos é de 79,52 anos, a nossa é de 75,71. A produtividade do trabalhador chileno é 73% maior do que a dos brasileiros. No Ranking da competitividade, o Chile está em 33º. lugar entre 137 países, o Brasil ocupa a 80ª. posição.
A extrema pobreza no Chile atinge 8,6% da população, no Brasil, 11,2%. No Chile, a riqueza é altamente concentrada, sendo que a fatia 1% mais rica fica com 23,7% da renda. Aqui é pior, 28,3%. A carga tributária no Chile é de 20,4% do PIB, no Brasil beira os 33%. O endividamento público chileno bate nos 23,5% do PIB, em terras brasileiras temos 80%. Vamos crescer, em 2019, provavelmente, 1%. A previsão do crescimento chileno antes da crise era de 3,3%. O desemprego no Chile está na faixa de 7,3%, no Brasil temos o índice preocupante de 12,3%. Além disso, apontou o IBGE, metade dos brasileiros vive com até 413 reais por mês. Nossos maiores sistemas públicos, o previdenciário e o tributário, são concentradores de renda.
Ao me desculpar por tantos números, necessários em tempos de tanta retórica vazia e radicalização extrema a exigir fatos e evidências, pergunto: quais são as lições que vêm do Chile?
A realidade demonstra de forma gritante que não basta crescimento econômico, liberalização e responsabilidade fiscal, é preciso colocar no centro da agenda nacional as pessoas. No Chile, os protestos são contra a previdência deles e seus efeitos desumanos, a concentração inaceitável de renda e as dificuldades de acesso à saúde e à educação. O Chile é o país com os melhores indicadores, mas isto não impediu a explosão social.
No Brasil pergunto: acordaremos a tempo?
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