terça-feira, 30 de junho de 2020

Ação no STF põe em questão a segurança jurídica – Editorial | O Globo

Reclamação de empresa contra exorbitância de poder do TCU pode barrar atuação abusiva do Estado

Um dos polos da crise política, por ser alvo do bolsonarismo, o Supremo Tribunal Federal (STF) continua a cumprir sua agenda de trabalho, e amanhã deve retomar o julgamento de um processo que de forma indireta tem relação com o perigo que representa a falta de respeito à Constituição e aos preceitos legais como um todo. O risco representado pela ideologia de extrema direita do presidente e seguidores, que tende a desrespeitar a convivência harmoniosa entre os poderes, mesmo sendo eles independentes, tem o mesmo sentido de quando o Estado, por meio de qualquer de seus entes, invade espaço privado e comete algum tipo de violência — financeira, ética, política, tributária etc.

Pode não chamar atenção o enunciado do processo que a empresa PPI – Projeto de Plantas Industriais Ltda. move contra o Tribunal de Contas da União (TCU), mas o que se encontra em questão é o respeito aos espaços institucionais, o mesmo que acontece no choque do Executivo federal contra o Judiciário, em uma outra escala. O motivo do desentendimento é que o TCU, ao averiguar um contrato de prestação de serviço à Petrobras por um consórcio formado pela Odebrecht e a UTC Engenharia, com a participação da PPI, determinou o bloqueio cautelar de bens pessoais de acionistas desta empresa. Exorbitou de suas funções.

No primeiro dia de julgamento, quinta-feira passada, o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, se colocou contra o que fez o TCU ao praticar o que se chama de “desconsideração da personalidade jurídica da empresa”, para alcançar patrimônios pessoais. É dessa forma que agentes públicos agem quando pessoas físicas misturam seus bens com o patrimônio de empresas, geralmente para dificuldade de investigação e penalizações. Mas não pode ser o TCU a tomar esta decisão. Em seu voto, Marco Aurélio relaciona o que estabelece a Constituição para o TCU com a lei 8.443, de 1992, que fixa as atribuições do tribunal, que não é parte do Judiciário, mas um órgão auxiliar do Legislativo, já um fator de limitação do seu raio de alcance.

É parte da cultura do Estado brasileiro o expansionismo. Mesmo dentro da máquina pública há choques quando a lei não fixa de forma clara o campo de atuação de cada organismo.

O ministro entende que a Constituição, “ao estabelecer competências, visa assegurar o equilíbrio entre os órgãos públicos, garantia do cidadão”. Uma ampliação dos poderes do TCU, ou qualquer outro segmento do Estado, iria contra a “harmonia preconizada pelo constituinte” (de 1987/88). O tribunal até pode concluir que, como proteção dos interesses do Erário, bens pessoais devam ser bloqueados, mas, registra o relator do processo, seguindo-se o roteiro legal: por meio do Ministério Público e deste para a Justiça.

Outro ponto de contato entre a crise institucional e este processo é que, ao se referirem à segurança política e jurídica, ambos têm a ver com a capacidade de o país atrair os investimentos pesados de que necessita para sair desta crise. Não se investirá no Brasil sem essas garantias.

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