FMI prevê queda de 9,9% do PIB argentino
A nuvem de gafanhotos que atacou a produção agrícola da região nordeste da Argentina completa em tom bíblico as pragas que assolam o país: estagnação econômica, inflação elevada e incapacidade de pagar a dívida externa há décadas. A um conjunto explosivo de desafios, quase impossível de administrar em tempos normais, se somou a pandemia do novo coronavírus.
A pandemia agudizou todos os já graves problemas argentinos. Embora em números absolutos o impacto da covid-19 seja relativamente reduzido na Argentina, com 52,5 mil casos e 1,5 mil mortes até agora, o governo argentino resolveu voltar a endurecer as regras de quarentena desde ontem. Buenos Aires retornará à fase 1 do programa de combate à covid-19, e as restrições ficarão em vigor por 15 dias para tentar frear a elevação do número de casos.
O efeito na economia está sendo profundo. O PIB teve queda de 5,4% no primeiro trimestre frente ao mesmo período de 2019. O índice que mede atividades econômicas caiu 26,4% em abril, a maior queda de toda a série histórica. No primeiro quadrimestre, há redução de 11% sobre o mesmo período de 2019. A construção civil foi um dos segmentos mais atingidos e registrou contração de 86,4% ante o mesmo mês do ano passado. As exportações despencaram 13,4% e os investimentos 9,7% (dados do trimestre). Na comparação com o último trimestre de 2019, a queda do PIB foi de 4,8% e o desemprego subiu de 8,9% para 10,4%.
Ainda assim, os números não captam todo o impacto da quarentena, que começou no fim de março. Por isso, as previsões para o ano são bastante negativas. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) projeta perdas de 750 mil a 852,5 mil postos de trabalho, se a queda do PIB ficar entre 8,25% e 10% como prevê a OCDE. Os números são semelhantes às estimativas locais.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) trabalha com uma contração de 9,9% no ano, superior à queda de 5,7% esperada antes, como resultado da ampliação da quarentena, queda da demanda dos produtos argentinos e dos preços de suas matérias-primas. Outros países da América Latina terão desempenho pior, como o Peru, com queda de 13,9%, e o México, com 10,5%. O Brasil cairá pouco menos, 9,1%, nas projeções do Fundo.
Outro fator importante para contaminar os prognósticos é a incerteza a respeito da reestruturação da dívida externa argentina. Buenos Aires deixou de pagar os juros sobre três emissões de bônus soberanos que venceram no fim de maio e teve o rating rebaixado pela Fitch para default restrito. Além disso, lida com a renegociação de aproximadamente US$ 65 bilhões em dívida externa que está nas mãos de investidores privados. Diante do impasse em um acordo com os credores para definir um abatimento da dívida, as negociações foram prorrogadas pela quinta vez, agora para 24 de julho. Enquanto a Casa Rosada quer pagar 49,7 centavos por dólar, os credores falam em pelo menos 55 centavos por dólar. Nessa frente, os problemas vêm desde 2001, quando a Argentina deixou de pagar US$ 95 bilhões em títulos soberanos.
Para complicar, o escasso apoio do empresariado argentino ao governo de Alberto Fernández vem diminuindo ainda mais, diante do que a imprensa argentina chama de crescente influência kirchnerista nas decisões. A boa vontade do setor econômico pareceu evaporar no início do mês quando o governo anunciou a intenção de expropriar a tradicional trading argentina Vicentin, fundada em 1929, uma das principais processadoras de soja e exportadoras do país, a pretexto das dificuldades econômicas da empresa. A aquisição precisa ser aprovada pelo Congresso, mas há o receio de intervenção em outras empresas.
Outra ação do governo que caiu mal foi a limitação de compra de dólares para a importação para estimular a produção nacional. Os importadores protestaram argumentando que 80% das compras são de matérias-primas e componentes na produção local. O limite fixado para junho acabou sendo multiplicado por quatro.
Além disso, as promessas de reformas feitas por Fernández na campanha eleitoral ficaram em suspenso com a atenção voltada ao enfrentamento da pandemia do coronavírus. Fazem parte da lista a reforma judiciária, a tributária, a lei da interrupção da gravidez, a dos combustíveis e a criação do Conselho Econômico e Social. A nuvem de gafanhotos é um problema passageiro, a decadência da economia argentina, não.
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