segunda-feira, 29 de junho de 2020

Mathias Alencastro* - Ecologia é o grande ausente do debate progressista no Brasil

- Folha de S. Paulo

Discussões para fazer emergir Frente Ampla deixaram de lado a urgência climática

A ecologia está em todo lado. Os partidos verdes triunfaram nas eleições municipais deste domingo (28) na França, ganhando força em cidades disputadas pelo partido de Emmanuel Macron.

Prestes a anunciar uma nova leva de ministros, o presidente francês deve inaugurar a última fase do seu mandato com uma virada ecológica.

Seguindo o caminho de Áustria e Irlanda, que formaram as primeiras coalizões europeias entre verdes, centristas e conservadores, a Alemanha olha para o ambientalista Robert Habeck como ator-chave no processo de sucessão de Angela Merkel.

Os ecologistas são vistos em todo o lado como o antídoto à ascensão do populismo.

Nos Estados Unidos, Joseph Biden abraçou a bandeira da luta contra a mudança climática para mobilizar o eleitorado mais jovem e progressista.

O Green New Deal, até ontem uma utopia da popular Alexandria Ocasio-Cortez, virou um dos pilares do programa do Partido Democrata. Pela primeira vez na história, é possível imaginar governos comandados por ecologistas nas principais potências do Atlântico Norte já no próximo ciclo eleitoral.

A ecologia está em todo lado, menos no Brasil. As discussões políticas durante o confinamento, que tanto contribuem para fazer emergir a Frente Ampla, deixaram praticamente de lado a urgência climática.

Notícias como o superaquecimento do Ártico passaram batidas nas frenéticas redes sociais das lideranças progressistas.

Se praticamente todos os intervenientes concordam sobre a importância do regresso do Estado, poucos mencionam a necessidade de um programa de reorganização industrial e financeira adaptado ao desafio ecológico, tema central da nova economia política dos países desenvolvidos.

Questões estratégicas e tradições políticas ajudam a entender esse fenômeno. Conferir protagonismo à luta contra o aquecimento global pode afastar do jogo das alianças a turma mais conservadora do agronegócio, locomotiva da economia brasileira na era pós-pandemia.

Talvez por essa razão, progressistas concentram seus ataques em temas consensuais como o desmatamento descontrolado e a abominável gestão de Ricardo Salles.

Todavia, tem de se reconhecer que o campo progressista nunca iniciou a sua metamorfose.

Ostensivamente ignorada nas presidenciais de 2018, a agenda da mudança climática ainda procura o seu lugar na matriz dos principais partidos brasileiros.

Com a exceção honrosa de Marina Silva, raros são os políticos nacionais que associam a sua imagem à causa. Uma curiosidade, se considerarmos o número de velhos lobos da política mundial que, seguindo os passos de Al Gore, relançaram suas carreiras graças a redescobertas oportunas da militância ecologista.

A pressão internacional deve mudar esse quadro. Para reconstruir a credibilidade do Brasil no exterior e evitar constrangimentos como a suspensão do acordo União Europeia-Mercosul, a Frente Ampla não se pode contentar em interromper o desgaste provocado pelo governo Bolsonaro.

A construção da monstruosidade da barragem hidroelétrica de Belo Monte, orgulhosamente inaugurada por Dilma Rousseff em um dos seus últimos atos como presidente, jamais teria resistido ao escrutínio da nova geração de ativistas.

Não existe alternativa: a ação climática deve formar o tripé da nova plataforma progressista, junto ao combate ao racismo estrutural e à instituição da renda básica universal.

*Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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