Desde prisão de Queiroz, Bolsonaro age com moderação —por essa e outras razões
À luz do retrospecto de Jair Bolsonaro, em especial durante a pandemia, é digna de nota a marca de dez dias sem prestigiar atos golpistas, incitar o descumprimento de quarentenas ou atacar instituições, imprensa e desafetos políticos.
A última manifestação de animosidade, mesmo assim morna, se deu em 18 de junho, quando o presidente criticou a prisão do amigo Fabrício Queiroz. Houve ainda, no dia seguinte, uma discreta queixa em rede social contra a “maior parte da mídia”, que não estaria noticiando a contento ações de seu governo no combate à Covid-19.
Já àquela altura tornava-se visível a opção de Bolsonaro por uma conduta mais comedida, que incluiu até certos gestos conciliatórios.
Demitiu-se do MEC o desastroso Abraham Weintraub, que dirigira ofensas e ameaças ao Supremo Tribunal Federal; em seguida, ministros da área jurídica do Executivo foram destacados para uma conversa com o magistrado Alexandre de Moraes, do STF, que está à frente de inquéritos espinhosos para o bolsonarismo.
Na quinta-feira (25), o presidente nomeou para a Educação um economista de perfil moderado, discursou sobre entendimento e harmonia entre Poderes e homenageou as vítimas do coronavírus.
Até pela coincidência de eventos, a explicação mais plausível para tal comportamento é preocupação com os desdobramentos do caso Queiroz —que envolve diretamente o filho Flávio Bolsonaro. Há mais a considerar, porém.
A nova pesquisa do Datafolha deixou evidente a reação da opinião pública ao populismo autoritário do chefe de Estado. Não será por acaso o apoio recorde de 75% à democracia, nem que a preferência por políticas públicas receitadas por especialistas tenha saltado de 13%, apurados em 2014, para 42%.
A aproximação pragmática do Planalto com parlamentares do centrão também contribui para esvaziar radicalismos. Num exemplo, o titular do recriado Ministério das Comunicações enalteceu, em sua posse, o papel da imprensa.
Não menos importante, as agressões de Bolsonaro e seus apoiadores extremistas mereceram reação altiva do Judiciário e do Legislativo, enquanto os militares da ativa se mantiveram fora do debate político —em boa hora, aliás, o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, anunciou sua transferência para a reserva.
Impossível prever se a compostura do presidente, que certamente não se baseia em novas convicções, terá vida longa —muito menos se resultará num governo melhor.
De todo modo, trata-se no mínimo de um respiro para o país, que neste momento precisa concentrar energias na superação de uma emergência sanitária e de uma recessão devastadora. Que a trégua seja aproveitada enquanto dure.
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