Portugal dá lições sobre democracia
Correio Braziliense
As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa
Na última quinta-feira, os portugueses deram uma grande demonstração do quanto estão dispostos a manter a democracia que reconquistaram há 50 anos. As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa. Foram 48 anos de um regime que perseguia, prendia e matava seus opositores, mantinha a maior parcela da sociedade na pobreza quase absoluta e protegia uns poucos privilegiados. Esses tempos cruéis continuam vivos na memória de muita gente, mas, nem por isso, Portugal está livre de retrocessos.
Nas eleições realizadas em março último, 1,1 milhão de portugueses votaram no partido de extrema-direita Chega, garantindo 50 assentos à legenda na Assembleia da República. Esse grupo de parlamentares, muito barulhento nas redes sociais, dissemina discursos de ódio, incentiva o racismo e a xenofobia e propaga a imagem de um país que não existiu sob a ditadura de António Salazar. Não se acanha em dizer, publicamente, que se orgulha do período colonialista e da escravidão. Ao longo de quase quatro séculos, Portugal traficou mais de 6 milhões de africanos. O domínio sobre países da África, como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, só foi rompido nos anos de 1970, quando a ditadura salazarista foi derrubada.
Foi essa ameaça latente que levou tanta gente a deixar o conforto do lar para gritar contra o fascismo e os saudosistas da ditadura. Crianças, jovens, idosos, todos carregando um cravo no peito, se uniram para dizer, em alto e bom som, que a luta dos capitães, daqueles que foram mortos e dos desaparecidos que as famílias nunca puderam enterrar, não está perdida. Pelo contrário, se precisar, há um exército de cidadãos dispostos a enfrentar os movimentos antidemocráticos, que, com um discurso fácil, questionam as liberdades, a igualdade de gêneros e as conquistas das comunidades LGBTQIA e ainda pregam contra os imigrantes. Justamente em Portugal, cujo histórico foi de emigração, com homens e mulheres em busca de melhores condições de vida mundo afora.
As ruas de Portugal explicitaram que a luta em defesa da democracia é constante. Que não se deve nunca descuidar desse regime que é imperfeito, mas é o único que permite que todos, independentemente das condições sociais, da cor da pele, do nível cultural, tenham voz. O Brasil, por sinal, tem muito a aprender com os portugueses. Infelizmente, os brasileiros, em boa parte, estão perdendo a noção do quanto a democracia permitiu avanços importantes no país. É assustador constatar que um grupo de cidadãos ainda acredita que a ditadura é o melhor regime para se viver. E dizem isso às claras, carregando bandeiras e vestidos de verde e amarelo, misturando religião e alienação. Um perigo, como se viu no 8 de janeiro de 2023.
A Revolução dos Cravos se deu sem o derramamento de sangue. E foi com alegria, muita música e solidariedade que, 50 anos depois, os portugueses celebraram a data que consideram a mais importante da história milenar do país. Como disse a aposentada Idina Morais, 74 anos, todos, independentemente da idade, jamais podem permitir a volta da ditadura, daqueles tempos horríveis. Essas palavras devem ser ouvidas, sobretudo, pelos mais jovens, que, em número significativo, parecem desconhecer essa terrível parte da história. Foram eles os maiores apoiadores da ultradireita nas recentes eleições. E são eles que também dão suporte aos extremistas na Alemanha, na Itália, na França, na Hungria, no Brasil.
A democracia merece respeito. As imagens dos portugueses na Avenida da Liberdade, em Lisboa, nesta semana são um respiro e um alento nesses tempos sombrios em que o individualismo se sobrepõe ao coletivo, a desunião afasta a paz, o diferente se torna uma afronta, o desrespeito atropela a gentileza. Ainda há tempo de se mudar a rota. E que Portugal, com seus lindos cravos vermelhos, seja um libelo a favor das liberdades e um antídoto contra a intolerância.
O
Globo
Na
presidência do grupo, Brasil deve encarar financiamento a países pobres como
missão
Na
presidência rotativa do G20, o Brasil se incumbiu da missão de mobilizar o
bloco com afinco para combater as mudanças climáticas. A necessidade mais
premente é aumentar a contribuição financeira dos países ricos para que os mais
pobres possam estruturar seus projetos de redução das emissões de gases de
efeito estufa. É um campo em que, até agora, há mais discursos que recursos.
“É a discussão mais importante do ano”, afirma o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil nas COPs — as conferências de clima das Nações Unidas. O debate sobre o aporte financeiro a esses investimentos será um dos destaques da COP29, prevista para novembro em Baku, no Azerbaijão.
Em
2009, os países ricos prometeram contribuir com US$ 100 bilhões por ano para
ajudar os mais pobres a executar projetos para reduzir suas emissões de carbono
na atmosfera. Tal ajuda deveria ter sido concedida entre 2020 e 2025. Passados
mais de três anos do prazo inicial, a promessa ainda não foi cumprida. De
acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
a transferência de US$ 100 bilhões só foi confirmada em 2022.
Mas,
mesmo que a promessa tenha sido cumprida em 2022 e no ano passado, os US$ 100
bilhões anuais são insuficientes para zerar as emissões dos países pobres. Deve
ser apenas um primeiro passo. Corrêa do Lago entende que a solução para o
problema do clima só acontecerá se fizer parte dos objetivos de todos os
investimentos de empresas e Estados. A questão deve ser considerada na
formulação de todos os projetos de investimento, em qualquer área da economia.
As
estimativas de custo são da ordem de trilhões de dólares. Pelos cálculos da
Agência Internacional de Energia (AIE),
apenas para a produção de energia limpa é preciso aumentar os investimentos de
US$ 1,8 trilhão para US$ 4,5 trilhões a cada ano. Se, como defende Corrêa do
Lago, todos os investimentos levarem em consideração a necessidade de corte nas
emissões, pode-se chegar a algo entre US$ 9 trilhões e US$ 10 trilhões anuais.
Outra
discussão importante e difícil de travar é a origem desses recursos. A proposta
que reúne mais adeptos, por ser a mais óbvia e racional, é taxar as fontes de
emissão de carbono, entre as quais se destacam as empresas de petróleo e
similares. Elas próprias têm projetos para a transição energética e continuarão
a produzir petróleo, porque existirá demanda por ele durante muito tempo. Mas
não será politicamente fácil taxar as fontes de emissão, embora o comunicado
final da COP28, realizada em Dubai, tenha pela primeira vez mencionado
explicitamente a transição para além dos combustíveis fósseis.
O
Brasil criou no G20 uma força-tarefa para a Mobilização Global contra a Mudança
do Clima. Um de seus objetivos é facilitar o financiamento privado aos planos
de transição ecológica. Corrêa do Lago copreside essa força-tarefa, com
representantes dos ministérios da Fazenda, do Meio Ambiente e do Banco Central.
Está mais do que na hora de tratar como prioridade a definição das estruturas
de financiamento da transição para uma economia baseada em energia limpa.
Sequestro
de computadores exige políticas robustas de segurança digital
O
Globo
Menos
de um mês depois de operação contra maior grupo especializado em ‘ransomware’,
ele voltou a ameaçar
No
início do ano, numa operação incomum, a polícia federal de 40 países —
incluindo três das mais célebres corporações policiais do planeta: o FBI
americano, a Agência Nacional de Combate ao Crime do Reino Unido e a Europol da
União Europeia — uniu esforços numa ação coordenada contra o Lockbit,
considerado o maior grupo mundial especializado em sequestrar computadores para
pedir resgate (modalidade de crime conhecida como ransomware). Acusado de ser
responsável pelo ataque digital a mais de 1.700 organizações privadas ou
públicas só nos Estados Unidos, o Lockbit já obteve, segundo o FBI, US$ 120
milhões em resgates, sem correr nenhum dos riscos associados a crimes como
sequestros ou assalto a bancos.
Entre
as vítimas dos criminosos estão a americana Boeing — cujos dados sigilosos
foram vazados depois da recusa em pagar o resgate —, os Correios britânicos e
até o Banco Comercial e Industrial da China (ICBC), numa invasão que perturbou
os mercados financeiros e resultou no pagamento de um resgate de valor estimado
em milhões de dólares. Em geral, o dinheiro é transferido em criptomoedas, de
modo a não deixar rastros. Só depois as informações criptografadas e bloqueadas
são liberadas nos computadores.
Protegido
pelo anonimato, o Lockbit voltou, segundo relatos, a atacar menos de um mês
depois da megaoperação policial. Em março, um de seus principais
representantes, preso desde 2022 noutra operação, foi sentenciado a quatro anos
de prisão e multa de US$ 860 mil no Canadá. Outros grupos também continuam a
ameaçar o mundo todo, e o Brasil não está a salvo.
Em
2022, uma pesquisa feita pela empresa de cibersegurança Sophos constatou que
quase 70% das empresas brasileiras de médio porte haviam sido vítimas de
ataques de ransomware. O Brasil foi o sexto país do mundo com mais ataques do
tipo. A maioria das vítimas (85%) confirmou ter sofrido perdas financeiras para
voltar a operar. Quatro revelaram ter pagado resgate entre US$1 milhão e US$ 5
milhões. As empresas ainda arcaram em média com mais US$ 1,9 milhão pelo custo
da inatividade.
Como
brasileiros estão entre os que mais aceitam pagar resgate, o país é ainda mais
visado. Por isso as empresas brasileiras precisam cuidar melhor da própria
segurança digital. É essencial implantar uma cultura robusta de zelo por
informações sigilosas ou sensíveis. Dispor de uma boa equipe técnica, cuidar da
atualização dos sistemas, manter backups em dia e, sobretudo, treinar
funcionários para que não cliquem em links ou anexos suspeitos e adotem
precauções ao usar a internet são as medidas mais óbvias. É também o mínimo a
fazer. Qualquer descuido pode cobrar um preço altíssimo.
É preciso preservar a reforma dos impostos
Folha de S. Paulo
Parlamentares devem ter em mente que estão
diante de oportunidade rara para o país e evitar distorções na regulamentação
Com o envio do primeiro projeto de
lei complementar do Executivo para regulamentar a reforma dos impostos sobre
o consumo, o país tem a chance de estabelecer um sistema moderno com amplo
potencial para fortalecer o crescimento da economia.
A reforma cria uma tributação sobre bens e
serviços dividida
entre a CBS, de atribuição federal, e o IBS, a ser repartido entre estados e
municípios. Haverá também um imposto seletivo sobre itens danosos à
saúde e ao meio ambiente. Deixarão de existir os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS
e ISS.
Segundo estimativa do governo, a alíquota
conjunta de CBS e IBS deve ficar em torno de 26,5%, mas o patamar final
dependerá das exceções que forem incluídas ao longo da tramitação, desde sempre
o principal campo de batalha dos grupos de interesse.
Fora da regra geral há exceções para setores,
com cobrança reduzida. No caso da cesta básica, propõe-se isenção para 15
itens, lista que certamente deve crescer nas negociações congressuais.
Críticos da reforma argumentam que a alíquota
será uma das maiores do mundo —o que é verdade.
Qualquer análise isenta constatará, no entanto, que os brasileiros já figuram
entre os maiores pagadores de impostos sobre consumo do planeta —apenas não
sabem disso porque o regime atual é opaco.
Mais simples e transparente, o novo sistema a
ser regulamentado também apresenta a vantagem da cobrança no destino dos
produtos.
Não procedem os argumentos de perda de
autonomia federativa, já que governadores poderão optar por elevar ou reduzir
alíquotas gerais. Não poderão, porém, fazê-lo de modo seletivo, para dar fim à
atual mixórdia de benefícios locais que alimenta a guerra fiscal por
investimentos entre os estados.
A criação do
regime de cashback, que devolve impostos pagos para famílias de
baixa renda, mostra-se uma alternativa mais racional às isenções tributárias.
Agora terá início a fase mais complexa no
Congresso, em que cada setor tentará classificar seu produto como prioritário
e, portanto, mais favorecido. O desafio será evitar que tais interesses e
pressões desfigurem a reforma.
Além do projeto principal, haverá outros
textos a serem examinados, como a regulamentação dos fundos que direcionarão
recursos para compensar entes regionais e do comitê gestor dos novos impostos,
objeto de controvérsia entre governadores e a União.
As forças políticas devem ter em mente que
estão diante de uma oportunidade rara para dar impulso ao desenvolvimento do
país. Quanto mais cederem a lobbies empresariais e federativos, menor será a
eficácia da reforma.
Dilema universitário
Folha de S. Paulo
Instituições dos EUA devem proteger a livre
expressão e coibir antissemitismo
Universidades de elite americanas estão num
impasse desde o ataque do Hamas a Israel.
De um lado, está a liberdade de expressão; do outro, o combate ao racismo.
Isso porque há relatos de que, nos protestos
de apoio ao povo palestino realizados recentemente em algumas instituições de
ensino, proliferam discursos antissemitas —apesar da presença de alunos judeus
nas manifestações.
Na Universidade Columbia
(Nova York), por exemplo, as aulas
presenciais foram suspensas para garantir segurança. Já
militantes dizem que os ataques racistas são casos isolados perpetrados por
pessoas externas ao movimento.
A lei americana, de fato, protege um conceito
amplo de liberdade de expressão, que inclui até mesmo a permissão para
passeatas nazistas. Mas universidades também seguem normas éticas de conduta.
Nos último anos, tais normas tornaram-se mais
rígidas com a ascensão do identitarismo, que imputa discurso de ódio muitas
vezes de modo indiscriminado.
Segundo a Fire (Foundation for Individual
Rights and Expression), que monitora a liberdade de expressão no meio acadêmico
dos EUA, entre 2000 e 2022, foram registradas 1.080 tentativas de punir
professores a partir de suas falas, das quais 65% resultaram em penalidades. De
2020 a 2022, foram 509.
Ademais, as
instituições têm sido pressionadas pelo Congresso e por
investidores para coibir firmemente o preconceito contra judeus.
Assim, tornou-se inevitável que as
universidades decidissem conter o antissemitismo, em detrimento da liberdade de
expressão.
Estima-se em
250 o número de detenções, inclusive de professores, realizadas nos
últimos dias em instituições de ensino pelo país.
É temerário que a força policial seja
acionada para reprimir protestos em universidades, ambiente por excelência do
pensamento crítico e livre. Do mesmo modo, a academia precisa rechaçar qualquer
forma de racismo.
O ideal, claro, seria que as manifestações legítimas de apoio aos palestinos não fossem contaminadas pelo antissemitismo. Por ora, entretanto, as universidades vivem um dilema de difícil solução.
Está faltando pudor
O Estado de S. Paulo
É louvável que ministros do STF discutam
questões brasileiras. Bem menos evidente é a razão pela qual o fizeram em
Londres, num hotel caríssimo e com tudo pago por uma empresa privada
É louvável que ministros do STF discutam
questões brasileiras. Menos evidente é a razão pela qual o fizeram em Londres,
em hotel caríssimo, tudo pago por empresa privada.
Junto com a balança e a venda, a toga preta
simboliza a uniformidade, a isonomia, a sobriedade da Justiça. Todo servidor
deve seguir os princípios da administração pública – impessoalidade,
moralidade, publicidade, eficiência, legalidade –, mas, se aos juízes cabe um
figurino, é porque devem não só segui-lo, mas representá-lo. Não basta ser
íntegro, é preciso parecer.
Mas as aparências às vezes enganam. É
louvável que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se reúnam em fóruns
para discutir questões jurídicas do País. É mais difícil entender, no entanto,
os motivos pelos quais esses ministros precisaram sobrevoar o Atlântico para
fazê-lo num caríssimo hotel de Londres, com tudo pago por um organizador
privado.
Entre os dias 24 e 26, celebrou-se no Hotel
Peninsula, na capital britânica o “1.º Fórum Jurídico Brasil de Ideias”,
organizado por um certo “Grupo Voto”, que, no seu dizer, “trabalha na
interlocução entre o setor público e o privado através de relacionamento,
comunicação e conexões de poder”.
“Relacionamento” e “conexões de poder” não
faltaram – lá estavam, debatendo conceitos jurídicos com empresários, três
ministros da Suprema Corte (Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes),
além de membros do Superior Tribunal de Justiça, o procurador-geral da
República, o ministro da Justiça, o advogado-geral da União, o diretor-geral da
Polícia Federal, senadores e deputados. Já a “comunicação” deixou a desejar. A
imprensa foi barrada na porta.
Segundo os organizadores, o “Brasil de
Ideias” é uma “missão internacional, perpetuando o espaço democrático e
promovendo um diálogo construtivo em prol do avanço do Brasil”. Mas não é dado
aos brasileiros conhecer o teor desse “diálogo construtivo”, travado a léguas
do Brasil, entre o mais alto escalão do Judiciário com empresários que
certamente estão longe de serem observadores desinteressados. Além do
palavrório sobre democracia, as passagens aéreas, os jantares de quase R$ 2 mil
e as diárias de mais de R$ 8 mil foram bancados por uma empresa de tecnologia
digital.
Nem todo país tolera essa extravagância. Há
pouco, causou escândalo nos EUA a revelação de que um juiz da Suprema Corte
aceitara férias luxuosas e outros mimos de um bilionário. A Corte se viu
constrangida a editar um código de ética postulando, entre outras coisas, que
juízes devem “evitar a impropriedade e a aparência de impropriedade”, “apenas
exercer atividades extrajudiciais compatíveis com as obrigações do cargo” e
“abster-se da atividade política”. Por aqui, não houve constrangimento nenhum,
mesmo que regras como estas existam há tempos.
Recentemente, um ministro do STF viajou em
“missão internacional” aos torneios de Roland Garros e da Champions League com
as despesas pagas por um advogado. Outro obtém todos os anos patrocínios de
empresas públicas e privadas – algumas com processos no STF – para um meeting
em Lisboa. Raro exemplo de discrição no Supremo, a ex-ministra Rosa Weber até
tentou aprovar regras disciplinando a participação de juízes em eventos e
palestras pagas, mas foi voto vencido.
O Código de Ética da Magistratura determina
que juízes evitem “comportamento que possa refletir favoritismo”, e o Código de
Processo Civil, a suspeição do juiz “amigo íntimo” ou “inimigo” das partes. Mas
os ministros julgam casos em que amigos são partes ou familiares são advogados.
Um ministro se jactou a uma plateia estudantil de ter “derrotado o
bolsonarismo”. Outro conduz inquéritos secretos há anos, mas basta um holofote
ou microfone para desandar a condenar os investigados como “golpistas” e “extremistas”.
Muitos anunciam veredictos fora dos autos, às vezes antes mesmo da abertura do
processo.
A Lei da Magistratura exige que juízes ajam
com “independência” e tenham “conduta irrepreensível na vida pública e
particular”. Para vários integrantes das Cortes superiores, contudo, tais
conceitos parecem relativos, razão pela qual não é raro vê-los em eventos
empresariais dentro e fora do País ou em coquetéis homenageando políticos nas
mansões de advogados em Brasília.
Mas não há necessidade de lei nem de código
de ética quando há pudor.
Fracasso essencial
O Estado de S. Paulo
Um dos maiores exportadores de alimentos do
mundo continua a submeter milhões de cidadãos à incerteza do que comer, como
mostra o IBGE. E o governo do PT ainda vê razão para celebrar
O IBGE informou que, em 2023, mais de 20
milhões de brasileiros viviam em domicílios que tinham dificuldade de acesso
adequado à comida. Entre eles, 8,7 milhões moravam em domicílios com
insegurança alimentar grave – a forma como a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios e a boa literatura sobre o tema definem a situação de fome. Foi o
primeiro dado sobre insegurança alimentar produzido pelo IBGE em cinco anos e,
ao contrário do que sugere a constrangedora comemoração de auxiliares do
presidente Lula da Silva, a fotografia estampada é vergonhosa: embora tenha
exibido alguns números melhores quando comparados ao período 2017/2018, o País
está pior do que estava dez anos atrás. Em 2013, eram 7,2 milhões de
brasileiros vivendo em domicílios com grau de insegurança alimentar grave.
Ou seja, um dos maiores exportadores de
alimentos do planeta, capaz de abastecer toda a sua população e alimentar
centenas de milhões mundo afora, continua a submeter milhões de seus cidadãos à
incerteza do que comer. Apesar de toda a bazófia lulopetista, não só não
avançamos, como nos degradamos. A nova pesquisa mostrou que 27,6% das casas no
País – onde moram mais de 64 milhões de pessoas – vivem com algum tipo de
insegurança alimentar, porcentual menor do que os 36,7% de 2017/2018, mas
superior aos 22,6% de 2013. A pesquisa classifica domicílios de acordo com a
vulnerabilidade no acesso aos alimentos, tanto em quantidade suficiente como em
qualidade adequada. Faz também a distinção entre adultos e crianças – ou seja,
é insegurança alimentar “moderada” quando há redução da quantidade ou ruptura
dos padrões de alimentação entre os adultos e “grave” quando atinge as crianças
que residem no domicílio.
É inadmissível um país que aspira a ser
respeitado pela comunidade internacional como potência econômica, geopolítica e
ambiental permitir que haja entre seus cidadãos, um que seja, gente passando
fome ou vivendo em insegurança alimentar. Além da tragédia humanitária óbvia,
esse é um problema que macula a imagem do Brasil como nação digna. Mas há quem
enxergue nos números divulgados agora um sinal de pujança, um bendito fruto
assegurado pelo demiurgo Lula da Silva. “Os resultados são consequência direta
do comando de Lula no seu discurso de posse. Um Brasil em que cada mulher,
homem e criança possam tomar café, almoçar e jantar. (...) Um amplo conjunto de
políticas (...) junto com a retomada do crescimento da economia”, vibrou
Wellington Dias, ministro de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e
Combate à Fome, sem corar.
Tanto Dias quanto outros bajuladores se
apressaram em comparar os números do IBGE a uma pesquisa divulgada em 2022, que
apontou inacreditáveis 33 milhões de pessoas passando fome. Com padrões e
metodologias distintos, a comparação junta alhos com bugalhos para converter o
vergonhoso número trazido pelo IBGE em triunfo do lulopetismo. Não é. Ao
contrário: basta recordar que as oscilações percebidas de 2013 para cá são
fruto, em parte, dos dissabores produzidos por governos do PT, incluindo mais
de dois anos de mandato da presidente Dilma Rousseff, cuja irresponsabilidade
na condução da economia deixou sequelas graves por longos anos.
Em muitos países, os níveis de insegurança
alimentar grave, moderada ou leve se dão pela indisponibilidade da oferta de
alimentos, agravada pela pandemia de covid-19 e pelas mudanças climáticas. O
problema brasileiro é de outra ordem: deriva, sobretudo, da renda baixa e
incerta, da ausência de oportunidades de emprego, da falta de capacitação para
os empregos existentes e das limitações de acesso a recursos produtivos. O que
os artífices lulopetistas não conseguem compreender é que, ao trabalhar contra a
responsabilidade fiscal e o controle rigoroso da inflação em favor da gastança
estatal a título de “colocar o pobre no Orçamento”, eles penalizam justamente
aqueles que estão em situação de miséria e insegurança alimentar, perpetuando
esse círculo vicioso que tanto envergonha o Brasil.
Câmeras pela cidadania
O Estado de S. Paulo
O trágico caso do Porsche confirma que as
câmeras são fundamentais para melhorar a polícia
Uma sindicância da Polícia Militar (PM) de
São Paulo concluiu que “houve falha de procedimento dos policiais” na condução
do infame caso em que um empresário, provavelmente embriagado, bateu seu carro,
um Porsche, em outro veículo – acidente que resultou na morte do motorista
atingido, no dia 31 de março passado.
A sindicância decerto foi tremendamente
facilitada pelas imagens captadas pelas câmeras nos uniformes dos policiais que
atuaram no caso. Graças a esse registro, a própria PM e a sociedade puderam
testemunhar os múltiplos erros cometidos pelos policiais.
Está claro que esses agentes precisam passar
por um processo de requalificação profissional. E está claro também que, se não
fossem as câmeras, dificilmente haveria como atestar a inépcia dos PMs – mais
uma prova, como se ainda fosse necessária, de que as câmeras são essenciais
para aprimorar o trabalho da polícia, e não para proteger bandidos, como
alardeiam seus detratores.
Ademais, as câmeras foram essenciais para
registrar o que parece ser a tentativa da mãe do empresário de enganar os
policiais para tirá-lo da cena do crime sem que se comprovasse seu evidente
estado de embriaguez. Certamente, esses registros serão usados como prova.
O caso contra o empresário e provavelmente
contra a mãe dele seguirá seu curso, mas o relevante aqui é que o País inteiro
viu pelas imagens as grosseiras falhas procedimentais dos agentes, que gritavam
tão alto quanto os brados da mãe do empresário ao apressar o filho para que
deixassem o local depois que um dos policiais diz claramente no vídeo que eles
poderiam ir embora.
Ignorando conduta padrão em ocorrências do
tipo, segundo a PM, os policiais militares liberaram o empresário sem aferir
seu grau de alcoolemia por meio do “teste do bafômetro”. Consta que a guarnição
nem sequer tinha o equipamento para realizar o teste. Mas, mesmo assim,
conforme a jurisprudência, a mera constatação de “notórios sinais de
embriaguez” do condutor pela autoridade policial bastaria para a aplicação de
sanções administrativas – o que decerto pode influenciar decisões também na
esfera judicial. Não há registro do resultado dessa avaliação visual, se é que
houve.
A Polícia Civil, por sua vez, concluiu o
inquérito que apurou as circunstâncias do acidente. O laudo pericial indicou
que o empresário dirigia seu carro esportivo a 156 km/h quando colidiu com o
veículo da vítima, nada menos que uma velocidade três vezes acima do máximo
permitido naquela via.
Por essa conduta irresponsável – o mínimo que
pode ser dito diante do que foi apurado pela Polícia Civil até agora –, o
condutor foi indiciado por suspeita de homicídio doloso (dolo eventual), lesão
corporal e fuga de local de acidente, além de ter sua prisão pedida à Justiça
pela terceira vez. Já a mãe dele foi indiciada como coautora do crime de fuga
por ter informado aos policiais que levaria o filho a um hospital no qual
jamais dera entrada, de acordo com o inquérito.
Tudo isso poderia ter outro desfecho, o da impunidade, tão comum em casos como esses. Felizmente, as câmeras nos uniformes da polícia não permitiram.
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