Folha de S. Paulo
'Se o presidente é fraco, o Congresso toma o
freio nos dentes?'
Lula acusou Bolsonaro de ser um "bobo da corte que não manda em ninguém e nem
controla o Orçamento". Agora a acusação atinge ele próprio. E não só vem
de inimigos. Isto é paradoxal à luz da experiência histórica. O Poder Executivo
entre nós já foi rotulado por Ernest Hambloch, de "His Majesty, the
president of Brazil" (1936), em livro que leva este título. Que ainda
rematou que o Congresso brasileiro é "destituído de poderes vis-à-vis o
Executivo" e o Supremo é "invariavelmente flácido, dependendo
demasiado do Executivo que o nomeia".
Após a adoção da representação proporcional, Hermes Lima (1954) chamou a
atenção que o Executivo só se torna hegemônico se controlar a base congressual:
"Se o presidente é dotado de forte personalidade e seu partido conta com
maioria no Congresso, o Executivo, já poderoso pelo seu caráter unipessoal,
impõe de forma avassaladora sua vontade. Se o presidente é fraco, o Congresso
toma o freio nos dentes".
Muita coisa mudou desde então. A Constituição
de 1988 ampliou os poderes constitucionais do Executivo, mas fortaleceu também
os demais poderes. No entanto, o partido do presidente, no entanto, tem obtido
tipicamente 15% das cadeiras, o que impõe a necessidade de
coalizões, cujo gerenciamento torna-se crítico para a estabilidade da base
parlamentar.
O compartilhamento do poder via ministérios é o elemento central neste
processo, juntamente com a distribuição de emendas orçamentárias. Mas outros
fatores importam, como a popularidade presidencial, o comportamento da
economia, a situação fiscal.
Na última década, temos assistido a uma mudança no equilíbrio do tipo
"presidente forte" vigente. As emendas do orçamento impositivo e o
financiamento bilionário de campanha conferiram maior autonomia ao Poder
Legislativo. Mas um outro ator —esquecido nas análises de relações Executivo/Legislativo— tem cumprido papel crucial: o
Judiciário.
De "invariavelmente flácido" à hiperprotagonista, a trajetória
recente do Supremo reflete sua vasta jurisdição criminal e também a tarefa de
contenção de Bolsonaro, quando se aliou aos setores majoritários do Congresso.
Com Lula, o STF alia-se ao Executivo em nome da governabilidade democrática,
como já ocorreu sob FHC. Mas agora o Congresso "toma o freio nos
dentes": o presidente se enfraquece pela sua retórica e estratégia
econômica (leia-se, ataques ao Bacen e a interferência nas estatais).
Instala-se um jogo judicializado de atribuição da culpa pelo abandono da meta
fiscal e a disputa de narrativa se dá entre emendas orçamentárias (Congresso)
vs desenvolvimentismo anacrônico (governo)? E o Congresso pede o crédito
pela reforma tributária e previdenciária, marco do saneamento.
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