Valor Econômico
Com incertezas em relação às contas públicas, o resultado será um equilíbrio com uma Selic mais alta e crescimento mais fraco
Com um terço do ano já transcorrido, o
cenário para a economia brasileira mudou bastante em relação ao que se
vislumbrava no fim de 2023. Se o desempenho da atividade econômica foi marcado
por surpresas positivas, levando as projeções para o crescimento do PIB para a
casa de 2%, o ambiente externo piorou e as incertezas em relação às contas
públicas se ampliaram.
A perspectiva de que haverá apenas um corte dos juros americanos e os golpes na credibilidade do novo arcabouço fiscal causaram uma mudança importante no câmbio e na taxa de juros de longo prazo, descontada a inflação - o dólar é negociado acima de R$ 5,10 e a taxa dos títulos do Tesouro atrelados ao IPCA se aproxima de 6,2%.
Esse novo quadro tende a diminuir o espaço
para a redução da Selic, afetando a expectativa de expansão da economia
especialmente a partir de 2025. O Itaú Unibanco elevou a estimativa de
crescimento para 2024 de 2% para 2,3%, ao mesmo tempo em que reduziu a de 2025
de 2% para 1,8%.
Anunciada em meados do mês, a mudança na meta
do resultado primário (exclui gastos com juros) do governo central do ano que
vem evidenciou a fragilidade do novo regime fiscal, menos de quatro meses após
a sua entrada em vigor. Para 2025, o alvo passou de um superávit de 0,5% do PIB
para zero e, para 2026, de um saldo positivo de 1% para 0,25% do PIB. Como é
permitido abater gastos com precatórios (sentenças judiciais) de R$ 39,9
bilhões no ano que vem e R$ 46,5 bilhões no ano seguinte para efeitos de cumprimento
da meta, o número efetivo tende a ficar no vermelho nos dois próximos anos. Em
resumo, a volta ao terreno positivo do resultado do governo central que não
inclui despesas com juros ficará para a próxima gestão.
“O governo atual não entregará superávit até
o seu final. Como vender isso como um ajuste que promove credibilidade e
previsibilidade?”, perguntam, em relatório, o economista Livio Ribeiro, sócio
da BRCG Consultoria e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), e o analista Matheus Ribeiro, da BRCG.
Para eles, há alguns pontos positivos no Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO) de 2025, como a maior transparência na avaliação das
despesas. A revisão de gastos é divulgada de forma detalhada e transparente,
dizem os analistas da BRCG, notando que há uma economia estimada em R$ 9
bilhões por ano até 2028 com os benefícios previdenciários e o Programa de
Garantia de Atividade Agropecuária (ProAgro).
“O problema é que esses pontos são amplamente
ultrapassados por questões mais negativas”, afirmam eles. “Não há consolidação
fiscal neste governo. Deixar o ajuste para o próximo presidente é dizer que não
haverá compromisso na atual gestão.” Os dois também apontam a exaustão da
agenda de aumento de receitas. “O grosso das medidas já foi feito, e os
resultados estão aquém do que o governo esperava.” Outro ponto é que há uma
sensível piora do cenário fiscal de curto prazo. “Para efeitos do arcabouço, um
déficit primário de até 0,6% do PIB em 2025 e de 0,4% do PIB em 2026 ainda
cumprem a meta”, afirmam eles, numa referência ao fato de que gastos com
precatórios não são considerados para se atingir o alvo.
Além disso, dizem, é improvável o acionamento
dos gatilhos que reduziriam o ritmo de crescimento das despesas, um mecanismo
embutido nas regras do arcabouço em caso de não cumprimento das metas. Com
alvos mais frouxos, eles tendem a não ser acionados. Por fim, os analistas
dizem que as premissas e projeções seguem irreais em prazos mais longos. “Como
a dívida se estabiliza em 2028? É matematicamente impossível, dadas as
premissas utilizadas.” No cenário divulgado pela equipe econômica, a dívida
bruta, que fechou 2023 em 74,4% do PIB, sobe para 76,6% do PIB neste ano,
atinge a máxima de 79,7% do PIB em 2027 e cai ligeiramente para 79,6% do PIB em
2028, entrando em trajetória de queda. Para a BRCG, o indicador já avança para
77,3% do PIB neste ano e alcança 83,9% do PIB em 2026.
“O governo confessa, com todas as letras, que
há uma insuficiência fiscal estrutural. E que isso ficará desse jeito”, diz a
consultoria. Esse cenário, claro, tem efeito sobre as expectativas. “Sem
consolidação fiscal e com evidente pressão por mais gastos, há impactos diretos
no prêmio cobrado para reter ativos brasileiros.” As implicações práticas são
imediatas. O país precisa ficar mais barato, o que significa um câmbio mais
desvalorizado - o dólar, nesse quadro, passou a ser negociado acima de R$ 5, chegando
a fechar R$ 5,26 no dia seguinte ao da mudança das metas fiscais. Na
sexta-feira, encerrou cotado a R$ 5,1163.
Além disso, é necessário remunerar melhor o
risco, dizem os analistas da BRCG. Isso explica o aumento do CDS (espécie de
seguro contra calotes), uma medida de risco país, e a elevação dos juros de
mercado. Desde o fim de fevereiro, o CDS de cinco anos subiu de 125 para 154
pontos, enquanto os juros dos títulos do Tesouro atrelados à inflação que
vencem em 2045 e 2050 aumentaram da casa de 5,8% para perto de 6,2%.
É verdade que a piora dos preços dos ativos
brasileiros ocorre em boa parte por causa da mudança no cenário externo. A
expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) vai demorar
mais para começar a reduzir os juros e cortar bem menos as taxas neste ano
tornou o cenário mais hostil a países emergentes.
No entanto, como o ambiente externo é uma
variável obviamente fora de controle, o que o governo brasileiro pode fazer é
reduzir as incertezas domésticas, justamente o oposto do que foi feito com a
mudança das metas fiscais. Com a proximidade do esgotamento da estratégia de
ajuste fiscal pelo lado das receitas, é o momento de concentrar esforços na
contenção de gastos. Sem isso, o câmbio ficará mais desvalorizado e o risco
país e os juros de longo prazo, mais elevados. O resultado será um equilíbrio
com uma Selic mais alta e crescimento mais fraco. Com um quadro externo mais
complicado, a tolerância com erros na política fiscal diminui.
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