segunda-feira, 29 de abril de 2024

Sergio Lamucci - Cenário externo mais adverso reduz espaço para erros fiscais

Valor Econômico

Com incertezas em relação às contas públicas, o resultado será um equilíbrio com uma Selic mais alta e crescimento mais fraco

Com um terço do ano já transcorrido, o cenário para a economia brasileira mudou bastante em relação ao que se vislumbrava no fim de 2023. Se o desempenho da atividade econômica foi marcado por surpresas positivas, levando as projeções para o crescimento do PIB para a casa de 2%, o ambiente externo piorou e as incertezas em relação às contas públicas se ampliaram.

A perspectiva de que haverá apenas um corte dos juros americanos e os golpes na credibilidade do novo arcabouço fiscal causaram uma mudança importante no câmbio e na taxa de juros de longo prazo, descontada a inflação - o dólar é negociado acima de R$ 5,10 e a taxa dos títulos do Tesouro atrelados ao IPCA se aproxima de 6,2%.

Esse novo quadro tende a diminuir o espaço para a redução da Selic, afetando a expectativa de expansão da economia especialmente a partir de 2025. O Itaú Unibanco elevou a estimativa de crescimento para 2024 de 2% para 2,3%, ao mesmo tempo em que reduziu a de 2025 de 2% para 1,8%.

Anunciada em meados do mês, a mudança na meta do resultado primário (exclui gastos com juros) do governo central do ano que vem evidenciou a fragilidade do novo regime fiscal, menos de quatro meses após a sua entrada em vigor. Para 2025, o alvo passou de um superávit de 0,5% do PIB para zero e, para 2026, de um saldo positivo de 1% para 0,25% do PIB. Como é permitido abater gastos com precatórios (sentenças judiciais) de R$ 39,9 bilhões no ano que vem e R$ 46,5 bilhões no ano seguinte para efeitos de cumprimento da meta, o número efetivo tende a ficar no vermelho nos dois próximos anos. Em resumo, a volta ao terreno positivo do resultado do governo central que não inclui despesas com juros ficará para a próxima gestão.

“O governo atual não entregará superávit até o seu final. Como vender isso como um ajuste que promove credibilidade e previsibilidade?”, perguntam, em relatório, o economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), e o analista Matheus Ribeiro, da BRCG. Para eles, há alguns pontos positivos no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, como a maior transparência na avaliação das despesas. A revisão de gastos é divulgada de forma detalhada e transparente, dizem os analistas da BRCG, notando que há uma economia estimada em R$ 9 bilhões por ano até 2028 com os benefícios previdenciários e o Programa de Garantia de Atividade Agropecuária (ProAgro).

“O problema é que esses pontos são amplamente ultrapassados por questões mais negativas”, afirmam eles. “Não há consolidação fiscal neste governo. Deixar o ajuste para o próximo presidente é dizer que não haverá compromisso na atual gestão.” Os dois também apontam a exaustão da agenda de aumento de receitas. “O grosso das medidas já foi feito, e os resultados estão aquém do que o governo esperava.” Outro ponto é que há uma sensível piora do cenário fiscal de curto prazo. “Para efeitos do arcabouço, um déficit primário de até 0,6% do PIB em 2025 e de 0,4% do PIB em 2026 ainda cumprem a meta”, afirmam eles, numa referência ao fato de que gastos com precatórios não são considerados para se atingir o alvo.

Além disso, dizem, é improvável o acionamento dos gatilhos que reduziriam o ritmo de crescimento das despesas, um mecanismo embutido nas regras do arcabouço em caso de não cumprimento das metas. Com alvos mais frouxos, eles tendem a não ser acionados. Por fim, os analistas dizem que as premissas e projeções seguem irreais em prazos mais longos. “Como a dívida se estabiliza em 2028? É matematicamente impossível, dadas as premissas utilizadas.” No cenário divulgado pela equipe econômica, a dívida bruta, que fechou 2023 em 74,4% do PIB, sobe para 76,6% do PIB neste ano, atinge a máxima de 79,7% do PIB em 2027 e cai ligeiramente para 79,6% do PIB em 2028, entrando em trajetória de queda. Para a BRCG, o indicador já avança para 77,3% do PIB neste ano e alcança 83,9% do PIB em 2026.

“O governo confessa, com todas as letras, que há uma insuficiência fiscal estrutural. E que isso ficará desse jeito”, diz a consultoria. Esse cenário, claro, tem efeito sobre as expectativas. “Sem consolidação fiscal e com evidente pressão por mais gastos, há impactos diretos no prêmio cobrado para reter ativos brasileiros.” As implicações práticas são imediatas. O país precisa ficar mais barato, o que significa um câmbio mais desvalorizado - o dólar, nesse quadro, passou a ser negociado acima de R$ 5, chegando a fechar R$ 5,26 no dia seguinte ao da mudança das metas fiscais. Na sexta-feira, encerrou cotado a R$ 5,1163.

Além disso, é necessário remunerar melhor o risco, dizem os analistas da BRCG. Isso explica o aumento do CDS (espécie de seguro contra calotes), uma medida de risco país, e a elevação dos juros de mercado. Desde o fim de fevereiro, o CDS de cinco anos subiu de 125 para 154 pontos, enquanto os juros dos títulos do Tesouro atrelados à inflação que vencem em 2045 e 2050 aumentaram da casa de 5,8% para perto de 6,2%.

É verdade que a piora dos preços dos ativos brasileiros ocorre em boa parte por causa da mudança no cenário externo. A expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) vai demorar mais para começar a reduzir os juros e cortar bem menos as taxas neste ano tornou o cenário mais hostil a países emergentes.

No entanto, como o ambiente externo é uma variável obviamente fora de controle, o que o governo brasileiro pode fazer é reduzir as incertezas domésticas, justamente o oposto do que foi feito com a mudança das metas fiscais. Com a proximidade do esgotamento da estratégia de ajuste fiscal pelo lado das receitas, é o momento de concentrar esforços na contenção de gastos. Sem isso, o câmbio ficará mais desvalorizado e o risco país e os juros de longo prazo, mais elevados. O resultado será um equilíbrio com uma Selic mais alta e crescimento mais fraco. Com um quadro externo mais complicado, a tolerância com erros na política fiscal diminui.

 

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