Previdência volta a ameaçar o Tesouro
Folha de S. Paulo
Com envelhecimento e mudanças no trabalho,
será preciso de novo consertar distorções do sistema para conter o déficit
Apenas cinco anos após a mais recente reforma
da Previdência, a perspectiva é de dificuldades
crescentes para o financiamento das aposentadorias e pensões, a
principal despesa do Orçamento federal.
As alterações de 2019 poupariam cerca de R$ 1
trilhão em uma década e permitiriam estabilizar o gasto do INSS em torno de
8,2% do PIB em 2040 —acima dos 7,92% estimados para este ano, mas quase quatro
pontos percentuais a menos do que seria gasto sem a reforma.
Ressalte-se que a estimativa para 2040 subiu a 8,45% do PIB no projeto de lei orçamentária de 2025. No entanto fatores como o envelhecimento da população e decisões do governo e do Congresso indicam que o quadro será bem mais desafiador do que o indicado por essas projeções.
Uma das questões essenciais é a vinculação do
piso das aposentadorias ao salário mínimo. A política do atual governo de
correção do mínimo acima da inflação amplia as despesas do INSS —quase R$ 400
milhões anuais a mais para cada real adicional no mínimo.
Mais correto seria desvincular os benefícios
previdenciários do piso salarial, mantendo mecanismos que garantam o poder de
compra a longo prazo. Porém tal proposta ainda é um tabu no país.
O governo pretende economizar R$ 28,6 bilhões
em quatro anos com revisão de benefícios e digitalização de processos, mas
especialistas projetam gastos adicionais até maiores em razão, entre outras
medidas, da aceleração na concessão de novas aposentadorias e pensões —que
também deriva da informatização, como no caso da perícia médica remota.
Quanto às receitas, no Brasil e na maior
parte dos países a principal fonte do sistema é a cobrança sobre a folha de
pagamento.
Pouco se fala de sua precarização, causada
por mudanças no mundo do trabalho como redução de contratos formais em favor de
micro e pequenas empresas, cujas contribuições são menores —outro erro de
política pública infelizmente popular no mundo político nacional.
Outra decisão ruim é a redução das
contribuições previdenciárias de prefeituras menores.
O correto seria incentivar contribuições de
empresas e de trabalhadores autônomos, e não aprofundar a assimetria ante a já
alta cobrança imposta sobre a folha de pagamento nos moldes da CLT. O Brasil
cobra 28,5%, somando a parcela da empresa e do trabalhador, um patamar próximo
à media de nações europeias.
Sem estruturar o financiamento da Previdência
e outros gastos importantes, como saúde e educação, governo nenhum no país
conseguirá estabilizar as contas públicas e afastar definitivamente o risco de
instabilidade econômica.
Quinquênio da vergonha
Folha de S. Paulo
Lira busca se afastar de proposta escandalosa
e acertará se barrar tramitação
Em tempos de mais poderes e protagonismo
político do Congresso, por vezes se pode contar com a falta de sintonia entre
a Câmara dos
Deputados e o Senado para
que não prosperem algumas das piores iniciativas gestadas em cada uma das Casas
legislativas.
Assim se deu, por exemplo, com o caudaloso
pacote de mudanças eleitorais aprovado às pressas pelos deputados no ano
passado, que até hoje não foi apreciado pelos senadores e não vigorará nos
pleitos municipais deste 2024. Algo semelhante deveria ocorrer agora com a
infame PEC do Quinquênio.
Patrocinada pelo presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), a
proposta inscreve na Constituição um privilégio
descabido para juízes e integrantes do Ministério Público —acréscimos
de 5% aos salários a cada cinco anos, até o limite de 35%, não sujeitos ao teto
para os vencimentos do funcionalismo, de R$ 44.058,22 mensais.
O texto se tornou ainda mais escandaloso ao
ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, que
estendeu a prebenda a defensores públicos, membros da advocacia nos três níveis
de governo e delegados da Polícia
Federal. O custo da farra foi estimado em mais de R$ 80 bilhões ao
longo de três anos.
Do outro lado do Congresso, ao menos, o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tratou de se
distanciar da pauta-bomba. "Não foi a Câmara que pautou o Quinquênio. Cada
um que pauta as suas coisas, que responda por elas", disse na quinta (25)
à Globonews.
Declarou ainda ser difícil prever se a
proposta avançará na Câmara. Ele merecerá elogios se de fato barrar sua
tramitação.
A mera "desidratação" do texto, com
a retirada das categorias incluídas pela CCJ, como se cogita, não é o bastante.
A criação de um novo penduricalho para categorias da elite do funcionalismo,
ainda mais na Constituição, é inaceitável.
Se o Legislativo entende que juízes e
procuradores devem ter remuneração maior, que regulamente o teto salarial,
calcule os custos, indique de onde sairão os recursos —e, claro, explique por
que o sistema de
Justiça mais caro do mundo merece tal prioridade.
Recuperação da cobertura vacinal deve ser
celebrada
O Globo
Houve melhora dos índices em 13 das 16
principais vacinas, de acordo com o Ministério da Saúde
O Brasil durante muito tempo manteve um
programa de vacinação visto como referência no mundo todo. Há sete anos, porém,
os índices de imunização começaram a cair ou a estacionar em níveis
preocupantes, insuficientes para manter o patamar de imunidade coletiva
necessário para deter a circulação de vírus e outros patógenos. A situação se
agravou com o governo Jair Bolsonaro, que promoveu, durante a pandemia de
Covid-19, uma campanha de desinformação cujo alvo eram as vacinas.
Doenças antes controladas voltaram a ameaçar
a população. Foi o caso do sarampo, que tornou a provocar mortes pouco tempo
depois de as autoridades sanitárias internacionais certificarem sua erradicação
em todo o território brasileiro. Felizmente a ameaça crescente começa a ser
paulatinamente revertida, depois que o Programa Nacional de Imunizações (PNI)
passou a ser devidamente apoiado em Brasília. Há pouco tempo o próprio sarampo
voltou a ser dado como erradicado.
O Ministério da Saúde constatou, no ano
passado, recuperação
da cobertura vacinal para 13 dos 16 principais imunizantes do calendário
infantil. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
destacou queda no número de crianças desprotegidas contra a poliomielite. Em
2022, de 2,56 milhões de nascidos, 243 mil não receberam a primeira dose
da vacina contra
a pólio. No ano passado, de 2,42 milhões, apenas 152,5 mil, ou 37% a menos. A
cobertura, que mal chegava a 77% em 2022, alcançou 84,6%, mais perto da meta,
de pelo menos 95%.
Além da pólio, houve melhora nas vacinas
contra rotavírus, hepatite A, febre amarela, meningite, tríplice viral (contra
sarampo, rubéola e caxumba), tríplice bacteriana (difteria, tétano e
coqueluche) e na pentavalente (que, além dessas três doenças, protege também
contra hepatite B e a bactéria H. influenzae tipo b). Dos 13 imunizantes cuja
cobertura aumentou, o que apresentou maior crescimento foi a tríplice
bacteriana, de 67,4% para 76,7%. É verdade que os patamares ainda não atingiram
a cobertura almejada, mesmo assim o progresso deve ser celebrado.
Para chegar a esses resultados, houve
conjugação de mais recursos e trabalho junto à rede de vacinação. Os R$ 6,5
bilhões gastos no ano passado na compra de vacinas deverão aumentar para R$
10,9 bilhões neste ano, com o repasse de R$ 150 milhões a estados e municípios,
para apoiar programas de comunicação específicos ao público local.
Um dos percalços a superar é a Covid-19.
Continua baixa a vacinação entre crianças e adolescentes. Em fevereiro, segundo
o Ministério da Saúde, a cobertura completa (três doses) de crianças e
adolescentes de 3 a 11 anos estava em apenas 9,9%. Nas crianças e adolescentes
de até 14 anos, ela era de 11,4%, próximo dos 14,9% dos adultos. As doses estão
em falta por falhas do Ministério da Saúde na compra, e a procura despencou
depois que passou o momento crítico da pandemia.
Não há segredo para manter a população
vacinada. São necessárias campanhas periódicas de esclarecimento, somadas ao
trabalho constante junto à rede escolar e à gestão competente para garantir a
oferta dos imunizantes. A recuperação da cobertura vacinal da população merece
ser comemorada. Mas basta um deslize das autoridades para a volta de doenças e
mortes evitáveis. É preciso vigilância constante.
Investigações no Rio são lenientes quando
suspeito de crime é policial
O Globo
De 69 denunciados por homicídio entre 2016 e
2018, apenas um foi condenado, revela levantamento
São admiráveis os policiais que arriscam a
vida na guerra contra organizações criminosas, muitas vezes se tornando vítimas
do confronto. Mas estar na linha de frente do combate à violência não
pode ser salvo-conduto para agir à margem da lei. Como qualquer cidadão,
policiais acusados de execuções sumárias, abusos ou erros graves — por vezes
resultando na morte de inocentes — precisam responder por seus atos.
Por isso surpreende o baixo índice de punição
em casos do tipo. Levantamento do GLOBO a partir de dados do Ministério Público
fornecidos com base na Lei de Acesso à Informação mostrou que, de 69
policiais denunciados à Justiça do Rio entre 2016 e 2018 por homicídio em
serviço (com a morte de 46 pessoas), apenas um foi condenado até hoje. Trata-se
de um subtenente (hoje reformado), acusado de disparar o tiro de fuzil que, em
2014, matou o jovem Alex Sander da Silva Ramos, de 18 anos. O rapaz voltava de
uma festa com um amigo na garupa da moto quando foi abordado por policiais. As
investigações derrubaram a versão de que agentes haviam revidado a um ataque.
Dos outros 68 denunciados, 50 (72%) acabaram
inocentados pelos juízes sem que os casos tenham sido levados a júri popular.
Para 19, os magistrados entenderam não haver provas suficientes; quatro foram
absolvidos pelos jurados; três morreram antes da sentença; um não virou réu
porque a denúncia não foi aceita; e dez aguardam a tramitação dos processos.
Não se pode condenar ninguém sem provas, mas
a leniência dos investigadores para reunir evidências desses crimes favorece
quem os cometeu. Na maior parte dos casos arquivados, as investigações se
limitaram ao básico, como depoimentos dos agentes e laudo cadavérico das
vítimas. Algumas apurações passaram mais de uma década hibernando nos
escaninhos da polícia. “Os inquéritos são capengas: há indícios de execução,
mas não existe punição porque não se avançou na produção de provas”, disse ao
GLOBO o perito aposentado Cássio Thyone Rosa.
Entre os casos na Justiça está o da
adolescente Maria Eduarda da Conceição, de 13 anos, que comoveu o país em 2017.
Ela foi morta quando participava de uma aula de educação física. Dois PMs são
acusados de atirar em dois suspeitos já dominados na ação que culminou na morte
da menina. Em 2020, a Justiça condenou o estado a pagar indenização de R$ 1
milhão por danos morais à família de Maria Eduarda. Mas não há reparação
financeira que conforte o sofrimento dos parentes.
Não se pode ignorar que grandes extensões do estado do Rio estão sob controle de quadrilhas de traficantes e milicianos que precisam ser enfrentadas. Mas incursões, abordagens, ações de policiamento ostensivo têm de acontecer dentro dos limites estritos da lei, sempre com a preocupação de minimizar danos às comunidades e evitar a morte de inocentes. Denúncias de excessos nas operações devem ser investigadas com rigor e sem corporativismo. Deixar de punir policiais que não honram a farda não fará da corporação fluminense uma polícia melhor.
Precisamos falar de Defesa
O Estado de S. Paulo
Gasto militar aumenta em todos os
continentes, batendo recordes históricos. O mundo está mais perigoso, e para
ser fiel à sua tradição pacífica o Brasil precisará de uma melhor Defesa
Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa
da Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), em 2023 o mundo bateu um
recorde histórico de despesas militares: US$ 2,4 trilhões, quase 7% a mais do
que em 2022, a maior elevação desde 2009. Pela primeira vez em 15 anos, as
despesas cresceram em todos os continentes.
A alta foi turbinada pela guerra na Ucrânia.
A Rússia aumentou seus gastos em 24%; a Ucrânia, em 51%. As despesas cresceram
na maioria dos membros europeus da Otan e seguem crescendo na China – 75% em 10
anos –, desencadeando uma corrida armamentista nos vizinhos. Os conflitos no
Oriente Médio abasteceram em 2023 o crescimento mais agudo da última década:
9%. Na América Central e Caribe, a repressão militar ao crime organizado
provocou 54% de aumento em 10 anos.
Em fóruns internacionais, o presidente Lula
da Silva costuma lamentar que o mundo, em vez de matar a fome de milhões de
pessoas, gasta trilhões de dólares para “alimentar a máquina de guerra”. É
mesmo lamentável. Num mundo ideal não existiriam armas nem guerras.
Mas o fato é que o mundo real está cada vez
mais perigoso. O Brasil não pode se furtar a essa realidade e também precisa
alimentar sua máquina de guerra.
O País tem vantagens comparativas. Com
técnica e habilidade diplomática, consolidou suas fronteiras pacificamente. A
América do Sul está distante das grandes zonas de conflito. O Brasil tem uma
reputação na busca de soluções pacíficas de controvérsias e apoio ao
multilateralismo. Em meio às rotas de colisão de grandes blocos, é do interesse
nacional manter uma autonomia estratégica. Mas esse soft power precisa estar
respaldado por um hard power.
O problema é que o dividendo da paz, ao invés
de ser otimizado com inteligência, deu azo à complacência. As defesas nacionais
estão defasadas. Neste ano, por exemplo, está programada a revisão quadrienal
da Política Nacional e da Estratégia Nacional de Defesa, mas este não é um tema
de atenção nos centros de poder e nas mídias.
O máximo que se tem debatido é sobre a
proposta de emenda constitucional (PEC) para fixar um piso de 2% do PIB para
gastos em Defesa. Mas, como já dissemos neste espaço, a PEC da Defesa é uma
solução equivocada para um problema real. O engessamento do Orçamento já é
excessivo, minando a capacidade do País de discutir politicamente suas
prioridades e a consequente alocação de recursos para realizá-las.
Ainda assim, as preocupações que motivam os
autores da PEC são legítimas. O porcentual de 2% é um padrão internacional. Mas
nos últimos 30 anos os gastos do Brasil com Defesa caíram de 1,8% do PIB para
1,2%. Reverter essa trajetória é crucial num momento em que o mundo não só está
se armando mais, mas combatendo com tecnologias disruptivas.
Prioritário é rever a qualidade do gasto: 85%
são para salários e benefícios, e só 5% para investimentos. Entre os 29 países
da Otan, só 9 gastam mais de 50% com pessoal, e só 3 gastam menos de 20% com
investimentos. Nas três fronteiras da inovação militar – cibernética, nuclear e
espacial –, o Brasil parou no tempo. A base industrial de Defesa é pequena para
as necessidades nacionais e dependente de importações – o que, ao contrário das
cadeias de valor em geral, no caso da Defesa representa um risco estratégico
grave.
Se não há perigo iminente de ataque de outro
país, em áreas críticas como a proteção das fronteiras da costa e da Região
Amazônica, especialmente contra organizações criminosas transnacionais, o País
precisa de contingentes especializados e qualificados, equipados com arsenais
de fácil deslocamento e intervenções ágeis. Quanto a eventuais ameaças de
grandes potências, o País não tem condições de se defender sozinho, e
dependeria de cooperação internacional. Mas nos últimos governos a diplomacia
foi errática, ideológica e frequentemente contrária aos interesses nacionais.
Anseios pela paz e estabilidade existem desde
que existe a humanidade e o esforço pela “paz perpétua” sonhada por Immanuel
Kant é um imperativo político. Mas a dura realidade é que, desde a Antiguidade,
a máxima dos romanos jamais foi desmentida: se quer a paz, prepare-se para a
guerra.
Petróleo como combustível da sustentabilidade
O Estado de S. Paulo
Para desenvolver as potencialidades da
‘economia verde’ e combinar prosperidade social com preservação ambiental,
Brasil precisará de muito dinheiro. O petróleo pode ser a sua fonte
Estima-se que o óleo e o gás ainda
representarão em 2050 cerca de 1/3 da matriz energética global. Mesmo no
cenário mais agressivo – e improvável – de descarbonização, os combustíveis
fósseis ainda responderiam por 15% dessa matriz. A Empresa de Pesquisa
Energética alerta que, se o Brasil deixar de explorar suas reservas potenciais,
pode perder R$ 5 trilhões entre 2031 e 2050.
A transição energética de combustíveis
fósseis para renováveis é irreversível. Há, e deve haver, debates acalorados
sobre os custos e benefícios sociais e ambientais de uma maior ou menor
aceleração desse processo, mas a transição em si é um consenso da comunidade
internacional.
“Transição”, por definição, não é “ruptura”, e combina mal com imediatismos. Os fósseis podem ser letais a longo prazo, mas são vitais no curto prazo. O petróleo ainda responde por mais da metade da energia produzida no mundo e é a fonte mais barata e confiável. Gastar menos dinheiro com energia significa ter mais dinheiro para investir em desenvolvimento social e, também, ambiental, incluindo em pesquisa e desenvolvimento de energias limpas que sejam tão baratas, eficientes e acessíveis quanto as fósseis. Hoje elas não são.
O Brasil tem vantagens. Se boa parte do mundo
precisa trocar o carvão por fontes limpas, o País já tem 48% de sua matriz
energética ligada a fontes renováveis, enquanto a média mundial é de 15%. No
mundo, o setor de energia responde por 70% das emissões de carbono. No Brasil,
são 17%. O País tem áreas continentais fartamente servidas por água, vento, luz
solar, biomassa e metais cruciais para a transição energética, e tem condições
materiais de se tornar um exportador de hidrogênio verde e aproveitar a expertise
com o etanol para desenvolver alternativas de biocombustíveis.
A propósito do óleo e do gás, como se sabe a
grande fronteira inexplorada do Brasil é a chamada Margem Equatorial, formada
por cinco bacias sedimentares que se estendem da costa do Amapá até o Rio
Grande do Norte, com o potencial de dobrar as atuais reservas nacionais.
A possibilidade de exploração dessas bacias é
incerta e particularmente sensível pela sua relativa proximidade com a
Amazônia. O problema é que a ideologia polui o debate. Para as pessoas sensatas
o desafio é encontrar os meios de explorar essas reservas minimizando riscos
ambientais, mitigando emissões de carbono e otimizando as receitas. Mas, para
uma ala radical de militantes ambientalistas, não se trata de uma exploração
mais ou menos responsável: a exploração em si é irresponsável. É preciso parar de
manchar o planeta com petróleo.
Mas a redução dos combustíveis fósseis não se
fará por restrições voluntaristas à oferta, e sim por uma redução voluntária da
demanda. Suponhamos que o Brasil interrompesse toda a sua produção petrolífera
num estalar de dedos. Isso não alteraria nem um mililitro da demanda global por
petróleo nem a do Brasil por energia. Nesse cenário hipotético, as emissões até
aumentariam, porque o petróleo explorado no Brasil emite menos carbono que o de
outros países. O Brasil se tornaria mais dependente de fontes externas, e o
custo de energia escalaria, devorando recursos que poderiam ser investidos no
desenvolvimento social. Ironicamente, os fundamentalistas ambientais costumam
ser aqueles que vociferam mais histericamente contra “desigualdades” e
“injustiças sociais”.
Essa turma costuma alardear as “riquezas
naturais” da Amazônia e as potencialidades do Brasil em “energia verde”. Mas os
povos amazônicos ainda são os mais miseráveis do País e todo este potencial não
se tornará realidade num passe de mágica, mas só com investimentos massivos em
pesquisa e produção. O petróleo pode ser a fonte destes recursos. Com políticas
públicas bem desenhadas, ele pode capitalizar o desenvolvimento social e, sim,
também o ambiental. Não há paradoxo nem contradição nisso: com prudência e
racionalidade, os combustíveis fósseis podem abastecer e acelerar a jornada do
Brasil rumo à terra prometida de uma matriz energética verde – e uma sociedade
próspera.
Frente de batalha no gás
O Estado de S. Paulo
Ministros cobram redução no preço do gás
natural em mercado dominado pela Petrobras
A proposta do vice-presidente e ministro do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, de
passar um pente-fino sobre o preço do gás natural é, em primeiro lugar, a
constatação de que permanece incompleta a regulamentação do setor, mesmo
decorridos três anos da instituição do marco legal do gás. Mas vai além, ao
focar a falta de transparência na formação de preço do insumo, largamente
utilizado pela indústria, mas também relevante para o comércio e o consumo
residencial.
A Petrobras domina o mercado, com 70% da
produção, outras cinco empresas respondem por 22%, e os restantes 8% cabem a
pequenos produtores. A alta concentração é o principal entrave para que a nova
Lei do Gás garanta a abertura efetiva do mercado, como mostrou estudo
encomendado pela Confederação Nacional da Indústria à Fundação Getulio Vargas
(FGV). A principal conclusão apresentada foi de que a regulamentação da lei
precisa ser acelerada para que a entrada de novos agentes contribua para
reduzir o preço.
As críticas de Alckmin, embasadas pelos dados
apresentados no estudo da FGV e Movimento Brasil Competitivo, aumentam a
pressão sobre a Petrobras. Há meses o preço e a necessidade de aumento de
oferta do gás natural são um dos principais temas do embate entre o ministro de
Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul
Prates. Silveira desaprova a reinjeção de gás nos campos do pré-sal; Prates
alega ser uma técnica necessária à produção de petróleo. O executivo acerta no
argumento, mas erra na proporção.
Mais de 80% do gás produzido no pré-sal
brasileiro vem associado ao petróleo. Em casos assim, é comum reinjetar cerca
de 30% do gás no poço para facilitar a extração de mais petróleo. Um
levantamento feito por técnicos do Ministério de Minas e Energia concluiu que,
no ano passado, mais da metade dos 149,8 milhões de metros cúbicos de gás
produzidos por dia foram reinjetados.
Disputas internas do governo à parte, está aí
uma boa oportunidade para avançar na efetiva abertura do mercado de gás,
começando por uma política tarifária em que fique transparente o peso de cada
custo – produção, transporte e distribuição – e uniformizando regras que
facilitem a entrada de novos agentes no mercado. A competição favorece o
consumo, desde que sejam observados os cuidados que impeçam a formação de
monopólios regionais.
Conforme mostrou reportagem recente do
Estadão, uma nova frente de batalha se avizinha, com a fixação, pelo Ministério
de Minas e Energia, de um valor máximo para o uso dos sistemas de escoamento e
processamento de gás. Esses equipamentos fazem parte dos campos de produção
operados pela Petrobras.
Melhor seria, para o governo, a Petrobras e o País, uma regulamentação completa, incluindo a harmonização das leis estaduais, para que o marco legal do gás cumprisse de fato seu objetivo de aumentar a concorrência, atraindo mais investidores e criando mais competitividade. Isso feito, o resultado inevitável seria a redução de custos e do preço final ao consumidor.
Crise arrefece, mas Petrobras ainda mira
alvos questionáveis
Valor Econômico
Prates segue à risca a orientação de Lula para incentivar a indústria naval
O mais recente capítulo da série de trombadas
entre o Planalto e a Petrobras se encerrou, sem que tenha sido convocado o
oitavo presidente a dirigir a estatal em sete anos. O epílogo provisório é
quase igual ao começo: depois de esbravejar e buscar substituir Jean Paul
Prates no comando por ter dito o que se sabia, que os conselheiros ligados ao
governo votaram contra a distribuição extra de dividendos, todos concordaram
com a proposta, antes derrotada, do próprio Prates. Metade dos R$ 43,9 bilhões
reservados será distribuída aos acionistas, com o Tesouro recebendo cerca de R$
6 bilhões para tentar zerar o déficit primário, por enquanto a meta do ano.
Prates esteve perto da demissão pelos mesmos
motivos de sempre: o presidente da República quis mandar na empresa e se chocou
com os limites que leis de mercado e governança impõem a ele. Na crise atual,
que veio em espasmos, a empresa, após comunicar que os dividendos não seriam
repartidos, chegou a perder R$ 55 bilhões em valor de mercado. Ontem as
cotações estavam próximas das que vigiam no início de uma disputa que se
mostrou desgastante, infrutífera e prejudicial para todos os envolvidos. Ficou
claro que o presidente Lula não hesitará em intervir na Petrobras para
adaptá-la a planos errôneos do passado, ainda que com a roupagem moderna da
transição energética.
O conselho da petroleira, depois que o então
ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski suspendeu trechos da
Lei das Estatais, tornou-se um subdepartamento ministerial, o que antes era
vedado, e, com maioria, está plenamente alinhado ao ministro de Minas e
Energia, Alexandre Silveira, que segue a orientação de Lula. A disputa deixou
claro quem manda na empresa, e não é Prates.
A trama para retirar Prates do comando da
Petrobras não tinha muita lógica, como os próprios atos posteriores de Prates
indicaram, e só adquiriram sentido diante das disputas intestinas do governo
Lula. Em questões estratégicas, é difícil ver em que ponto Prates errou para
que a fúria presidencial desabasse sobre sua cabeça. Prates foi senador petista
e apresentou um projeto na Casa que fulminava o modelo de paridade das cotações
com o mercado internacional, criticado por Lula e o PT. Foi além: seu diagnóstico
é de que o Brasil tem perigosa dependência do mercado externo, fundamento para
que a Petrobras procure recobrar terreno perdido com as vendas de ativos das
gestões anteriores. Chegou a propor um fundo soberano com imposto de
exportações sobre petróleo, escalonado de acordo com as cotações e rejeitado
pelo Senado.
Nos dias em que esteve sob ameaça de perder o
cargo, Prates tornou mais claros seus planos para os investimentos da empresa,
todos plenamente enquadrados na engenharia do Planalto. Ele atirou ao mar a
paridade de preços internacional, sendo mais ligeiro na redução dos preços que
no aumento. Pela nova fórmula de reajuste, que só a direção da Petrobras sabe,
o preço da gasolina foi rebaixado em 21 de outubro e não se moveu mais, com
defasagem hoje estimada em 17%. O preço do diesel caiu em 27 de dezembro e está
com preços 12% abaixo do mercado internacional. As cotações do petróleo
voltaram a subir em abril e aumentaram US$ 10 desde o começo do ano. Em
entrevista na semana passada, o presidente da Petrobras disse que não via
motivos para ajustar os preços para cima.
Em relação à política de preços, Prates
passou na prova de Lula. Na política de investimentos, o mesmo está
acontecendo. Prates suspendeu a venda de ativos e quer reaver alguns deles,
como é o caso das negociações com o Mubadala sobre a refinaria de Manguinhos.
Anunciou a decisão de reativar a produção de fertilizantes, e detalhou um plano
de incentivo à indústria naval, que deverá consumir US$ 2,5 bilhões (R$ 12,5
bilhões) para a compra de 38 embarcações de apoio, em um movimento de ampliação
e substituição que envolverá 200 unidades, afora plataformas (Valor, 18 de
abril). Estima-se que de 40% a 70% de seu conteúdo será nacional.
Prates segue à risca a obsessão de Lula de
reerguer a indústria naval. “Ela precisa ser revitalizada”, disse Prates, “vive
de ciclos em ciclos”. No caso brasileiro, vive de fracasso em fracasso. A mais
recente tentativa foi um fiasco estrondoso, embrulhado no maior escândalo de
corrupção da história da República, nas administrações petistas.
O plano de investimentos 2024-2028 da
Petrobras terá recursos de US$ 102 bilhões, 31% a mais que o anterior, e
contemplará a Refinaria Abreu e Lima, outro sorvedouro insaciável de dinheiro -
seu orçamento inicial, que em 2005 era de US$ 2,3 bilhões, saltou a quase US$
20 bilhões nove anos depois (O Globo, 19 de janeiro).
O episódio dos dividendos demonstrou que até
ter grandes lucros passou a ser um problema para a estatal, que também é a
maior pagadora de impostos e tributos do país - R$ 240,2 bilhões em 2023. O
governo Lula quer empurrar a empresa para investir em alvos questionáveis. A se
realizar isso, a lucratividade da empresa deverá cair, seus custos aumentarão e
sua governança seguirá ameaçada pela influência de interesses de grupos
políticos no governo.
A responsabilidade dos cuidados com pets
Correio Braziliense
Ter um pet em casa é uma decisão séria e
requer guarda responsável, e conscientizar sobre a importância do respeito aos
animais é um trabalho coletivo
Há uma semana, a notícia da morte do cachorro
Joca, que tinha 4 anos, provocou comoção nacional e despertou discussões sobre
os cuidados com os pets. O golden retriever deveria ter sido embarcado no
Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) com destino a Sinop (MT), mas foi
colocado num avião para Fortaleza (CE). Do Nordeste, acabou sendo mandado de
volta à capital paulista, e não sobreviveu às desgastantes viagens. Ele tinha
atestado permitindo duas horas e meia de deslocamento, porém com o erro permaneceu
quase oito sendo transportado — contando os períodos dos dois voos e o tempo
esperando na pista da cidade cearense.
A triste ocorrência desencadeou uma série de
movimentos. O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) fez um alerta às
autoridades sobre a necessidade de regulamentar o transporte aéreo e rodoviário
de animais no país. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que investiga o
caso, prometeu estabelecer um diálogo com a sociedade para definir essas
regras. Já a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao
Ministério da Justiça, pediu esclarecimentos à Gol, empresa que cometeu a falha
fatal.
As medidas nas esferas de regulamentação são
fundamentais, assim como também não se pode deixar de lado a reflexão sobre a
atenção aos animais. Joca não foi agredido, no entanto, o sofrimento causado a
ele, um cão completamente saudável, precisa ser considerado. No Brasil, a Lei
14.064/2020, conhecida como Lei Sansão, prevê pena de dois a cinco anos de
reclusão, multa e proibição da guarda em situações de maus-tratos a cães e
gatos. Caso o crime resulte em morte, a detenção pode ser aumentada. Além de lesões,
o abandono, a negligência e a privação de bem-estar são passíveis de punições.
Ter um pet em casa é uma decisão séria e
requer guarda responsável. Implica comprometimento do tutor em atender as
necessidades físicas e psicológicas, fornecendo alimentação adequada, higiene,
exercício, vacinação, vermifugação, tratamento médico-veterinário e atendimento
às particularidades de cada bichinho. E o ambiente ao redor? Conscientizar
sobre a importância do respeito aos animais é um trabalho coletivo.
Ontem, protestos em aeroportos levantaram a
bandeira da proteção e pediram o envolvimento de todos nessa pauta. Dados da
Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação
(Abinpet) mostram que essa população é alta no país: são 167,6 milhões de pets
nos lares, com os cachorros e gatos liderando (67,8 milhões e 33,6 milhões,
respectivamente). Nesse enorme universo, a cadeia de cuidados cresce a cada
dia. Inúmeros serviços são prestados e exigem normas de atuação, mas,
principalmente, treinamento adequado para quem está envolvido na atividade.
A fatalidade que aconteceu com Joca é exemplo
claro disso. A cobrança de Justiça pela morte do golden retriever ultrapassa o
estabelecimento do controle no transporte. Os pets e suas famílias precisam ser
acolhidos na amplitude de direitos. Não se pode permitir maltratar ou ignorar
as necessidades dos animais. As leis precisam ser criadas e aperfeiçoadas. Já o
comportamento da sociedade deve sempre dar passos para o melhor.
A ciência comprova que a presença dos animais
de estimação ajuda a promover um espaço saudável de convivência. Crianças,
adultos e idosos são beneficiados de diversas maneiras quando têm um pet por
perto. Esse vínculo de afeto merece o respeito da sociedade.
A agonia de Joca dentro da caixa de transporte e a dor dos seus tutores com a partida precoce são inclassificáveis. Mas que a tragédia possa ser uma motivação à mudança da regulamentação e uma inspiração ao olhar de todos para o respeito aos animais.
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