Primeiro trimestre não autoriza relaxamento fiscal
O Globo
Resultado primário, mesmo positivo, ficou
aquém do registrado em 2023, e as perspectivas são desafiadoras
Há menos de um ano, o governo aprovou no
Congresso um novo arcabouço fiscal, prometendo zerar o déficit público em 2024,
obter superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Neste mês os objetivos
foram afrouxados. Mesmo assim, o ajuste continua desafiador. O resultado do
Tesouro Nacional divulgado ontem não traz motivo para otimismo. As contas
fecharam o primeiro trimestre com superávit de 0,7% do PIB, abaixo do resultado
de 1,2% do ano passado. E a situação é passageira. A trajetória projetada para
a dívida é de alta, e não há sinais de estabilização.
O endividamento brasileiro tem múltiplas causas. É comum considerar que o principal responsável é o Legislativo. As regras eleitorais incentivam cálculos individualistas dos parlamentares. É preciso vencer candidatos dentro do próprio partido e derrotar outras legendas. Isso explica a ânsia com que parlamentares lutam por benefícios para suas bases ou para favorecer financiadores de campanha. O ímpeto é gastar mais e mais, sem se preocupar com as consequências. “Este Parlamento com viés pró-déficit ganhou crescente poder em relação ao Executivo ao longo das últimas décadas”, afirmam os economistas Marcos Mendes e Rogério Nagamine em artigo recente. Só no ano passado, 26% dos vetos presidenciais apreciados pelo Congresso foram derrubados. Não é à toa que a atual crise em Brasília se dê em torno de vetos presidenciais e pautas-bombas.
Mas seria um equívoco creditar a incúria
fiscal ao Congresso. O Executivo tem enorme responsabilidade. Volta e meia o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva revela descaso com o tema fiscal, confunde gasto e investimento num
raciocínio improdutivo, por não mudar a realidade das contas
públicas. A decisão de conceder aumento real ao salário mínimo é
sempre lembrada com um discurso fervoroso em favor dos pobres. São esquecidos
os efeitos negativos, como a alta nas despesas da Previdência, o impacto na
dívida e as restrições à expansão da economia.
É notório que o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, tem travado uma luta tenaz, no governo e no Congresso, para
equilibrar despesas e receita. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele
chamou a atenção para um descompasso crônico: “Desde 2015, estamos com mais de
19% do PIB de despesa primária e, em média, 17,5% do PIB de receita primária. É
estruturalmente inviável”. O próprio Haddad reconhece que as metas fiscais,
mesmo afrouxadas, continuam difíceis de atingir.
No exterior, o cenário ficou mais nebuloso.
No ano passado, a inflação global parecia sob controle, e a queda dos juros era
esperada para breve. Agora sabe-se que o otimismo foi exagerado. Com guerras e
pressão sobre o petróleo, a inflação demorará mais a ceder, assim como os
juros. Para completar, a China, envolta em problemas internos, deixou para trás
os índices exuberantes de crescimento que puxavam a economia global. A situação
de países como o Brasil ficou mais desafiadora.
Sem mudar a mentalidade no Planalto, na
Esplanada e no Parlamento, as despesas seguirão crescendo. Executivo e
Legislativo deveriam encarar a crise fiscal com seriedade e apresentar um plano
factível de controle de gastos. Em vez de promover concursos e distribuir
reajustes ou prebendas a esmo, passou da hora de zelar pela eficiência da
máquina. Só assim o custo do Estado brasileiro caberá no bolso do cidadão.
Renegociação de dívidas requer administração
austera nos estados
O Globo
Rio de Janeiro recorreu ao Supremo para rever
pagamento de dívida que considera impossível de saldar
Às voltas com dívidas crescentes, o Estado
do Rio de
Janeiro buscou socorro no Supremo Tribunal Federal. O Palácio
Guanabara quer tempo para renegociar os termos de correção de dívidas com a
União que somam R$ 190 bilhões. Nos termos firmados pelo Regime de Recuperação
Fiscal (RRF), a que o Rio aderiu em 2017, elas são reajustadas pela inflação
mais juros limitados a 4%. O governador Cláudio
Castro critica a metodologia, que diz responder por aumento de
15% na dívida. A ação no Supremo defende um redutor. Castro garante, ainda, que
a partir de 2017 o estado não se endividou em nem um real a mais: “Só pagamos”.
De acordo com ele, não fosse a dívida, as contas estaduais estariam
equilibradas.
O governo fluminense reclama de “condições
abusivas” impostas pela União desde que começou a renegociação de dívidas nos
anos 1990, quando o Rio devia R$ 13 bilhões. De lá para cá, diz o governo,
foram pagos R$ 155 bilhões, R$ 108 bilhões dos quais em juros e encargos. Mesmo
assim, o estado ainda deve à União R$ 160 bilhões, mais R$ 30 bilhões em
empréstimos garantidos pelo Tesouro e R$ 1 bilhão sem garantia federal. No lado
das receitas, o Rio considera-se prejudicado pela redução, no governo passado, do
ICMS sobre energia, telecomunicações e combustíveis, a que atribui perda anual
de R$ 9 bilhões.
Na Federação, o Rio é apenas o caso mais
extremo entre vários estados que não saem do vermelho. Dos 27, 24 deverão
encerrar o ano com déficit, pelas previsões do Tesouro. O Rio com o maior deles
(R$ 10,3 bilhões), seguido por Minas (R$ 4,2 bilhões) e Ceará (R$ 3,9 bilhões).
Apenas quatro mantêm as contas no azul: Mato Grosso, com orçamento equilibrado,
Espírito Santo, Amapá e São Paulo, com superávits.
Rio, Minas, Rio Grande do
Sul e Goiás aderiram ao RRF e, mesmo assim, não conseguem
reduzir o endividamento. Por ser fiadora de estados e municípios, a União já
tem arcado com o pagamento dessas dívidas, sem que as garantias recebidas
compensem o desembolso. Desde 2016, o Tesouro foi obrigado a gastar R$ 63,9
bilhões para honrar empréstimos feitos por estados e municípios. Em garantias
recebeu apenas R$ 5,62 bilhões. Em 2023, essa despesa alcançou R$ 12,3 bilhões,
ante R$ 9,8 bilhões em 2022.
O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, promete enviar ao Congresso um Projeto de Lei Complementar
para balizar a renegociação de dívidas estaduais. A medida é oportuna, para não
deixar que a repactuação de dívidas fique vulnerável a pressões políticas ou
decisões arbitrárias da Justiça. A legislação pode também ajudar governadores a
negar pedidos descabidos de reajustes de servidores públicos.
As finanças estaduais não podem ser
asfixiadas, em prejuízo dos serviços prestados à população. Os estados têm,
contudo, o dever de reduzir gastos com pessoal e Previdência para sair da
insolvência. O Supremo deve avaliar com atenção os argumentos do Rio, mas o
governo fluminense precisa entender que é impossível renegociar dívidas sem uma
administração austera.
Lula e Congresso são sócios do rombo fiscal
Folha de S. Paulo
Parlamentares precisam responder por gastos
que criam, mas governo ampliou déficit para o qual não bastará mais receita
Tem razão o ministro Fernando
Haddad ao declarar, em entrevista à Folha, que o Congresso
Nacional deve assumir responsabilidades pelo equilíbrio das contas públicas e
submeter-se a normas orçamentárias essenciais. O titular da Fazenda, no
entanto, abordou apenas um lado da questão.
Em um Legislativo politicamente fragmentado
como o brasileiro, prosperam com maior facilidade pautas de interesse de grupos
organizados e influentes, no mais das vezes às expensas do erário —de
privilégios salariais para servidores públicos a subsídios tributários para
setores empresariais.
As lideranças parlamentares, ademais,
apossaram-se nos últimos anos de fatias crescentes do Orçamento por meio de
emendas que favorecem seus redutos eleitorais e, por conseguinte, suas chances
de preservar os mandatos.
Dado que tem o poder de criar despesas, das
quais sem dúvida colhe benefícios políticos, o Congresso deveria também ter a
tarefa de indicar as fontes dos recursos necessários —ou responder legalmente
pela imprudência fiscal que põe em risco o bem-estar da sociedade. As
observações de Haddad, portanto, fazem sentido.
Elas teriam sido ainda mais pertinentes,
porém, se tivessem orientado desde o início os entendimentos entre o governo
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
e as forças representadas no Parlamento.
Antes mesmo de tomar posse, afinal, Lula
negociou uma emenda à Constituição que
permitiu a elevação de gastos permanentes em volume muito superior ao
necessário para o correto objetivo de preservar os benefícios do Bolsa Família.
A definição de uma regra fiscal para substituir o teto das despesas ficou para
depois.
O governo petista também restaurou normas que
impõem o aumento contínuo de desembolsos em Previdência Social,
saúde e educação, todas previsivelmente chanceladas pelo Congresso.
Tudo isso foi somado a um Orçamento já
deficitário, sem nenhuma garantia de que algum dia haveria receita suficiente
—e não haverá.
Haddad está correto ao defender uma
tributação mais justa e progressiva com eliminação de privilégios, e boa parte
de suas propostas foram aprovadas pelos parlamentares. Não é política e
economicamente viável, no entanto, elevar de modo contínuo uma carga já
excessiva para padrões emergentes.
Divulgado nesta segunda (29), o balanço do
Tesouro no primeiro trimestre do ano mostra alta
da receita de expressivos 9,1% acima da inflação; a despesa,
todavia, subiu 12,7%. Trata-se de uma amostra pequena, mas que ajuda a entender
por que o governo vai abandonando metas de reequilíbrio das contas e controle
da dívida pública.
Calorias nocivas
Folha de S. Paulo
Alto consumo de ultraprocessados em estrato
de baixa renda exige mais educação
A mesma tecnologia que
expandiu a produção de alimentos gerou piora na qualidade com os chamados
ultraprocessados, que são ricos em gordura, sal e açúcar e mais baratos do que
os in natura.
Não à toa, esse tipo de produto tem sido cada
vez mais consumido por famílias de baixa renda no Brasil. Estudo da
Universidade Federal de Pernambuco apontou que essa população têm entre 86% e 82%
menos chance de ter consumo alto de frutas, verduras e legumes.
Segundo pesquisadores, o cotidiano acelerado
nos centros urbanos, que dificulta o preparo de refeições saudáveis em casa, e
o acesso precário a alimentos frescos nas periferias, aliados ao baixo custo,
contribuem para o cenário atual.
Ademais, há empecilhos para o gasto de
calorias, como a violência urbana,
que dificulta atividades físicas ao ar livre, e uso exagerado de telas
(celulares e computadores) —tais problemas atingem principalmente crianças e
adolescentes.
A maior
revisão de estudos sobre ultraprocessados, publicada em março por
pesquisadores da Austrália e
dos EUA, revelou que esses alimentos estão associados a 32 efeitos prejudiciais
à saúde,
incluindo doenças cardíacas, diabetes e,
claro, obesidade.
Pesquisa da Fiocruz em
colaboração com a University College London, publicada em abril, mostrou que
entre 2001 e 2014 a prevalência da obesidade em brasileiros e brasileiras na
faixa etária de 5 a 10 anos passou de 11,1% para 13,8% e de 9,1% para 11,2%,
respectivamente.
O Atlas 2024 da Federação Mundial da
Obesidade projeta um salto no índice de obesidade em jovens entre 5 e 19 anos
no Brasil, de 34% em
2019 para 50% em 2035.
Como a superação da pobreza depende de ações
de médio e longo prazo, há que implantar políticas mais imediatas, como educação nutricional
nas escolas, reforço da segurança pública, espaços de lazer e capacitação de
profissionais de saúde na atenção básica. A rotulagem de alimentos, ademais,
merece atenção permanente.
Os custos para prevenir e combater a
obesidade ainda na juventude são menores do que aqueles gerados pelas doenças
relacionadas ao aumento de peso no futuro.
As contradições de um governo gastador
O Estado de S. Paulo
Mais do que cobrar responsabilidade fiscal do
Legislativo, o governo precisa cortar seus próprios gastos e apostar no caminho
da boa política para solucionar impasses com o Congresso
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse
que o Congresso Nacional também precisa ter responsabilidade fiscal. A cobrança
foi uma resposta à péssima – e previsível – reação dos parlamentares à
desastrada ação do governo no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a
desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e dos municípios.
Para o ministro, o mais recente capítulo
dessa novela expõe uma relação desequilibrada entre os Poderes, na qual o
Executivo teria de assumir o ônus da austeridade sozinho, enquanto o Congresso
estaria livre para criar despesas ou renunciar a receitas sem ter a obrigação
de compensá-las. “Virou um parlamentarismo que, se der errado, não dissolve o
Parlamento, e sim a Presidência da República, e chama o vice”, disse Haddad, em
entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Haddad até tem alguma razão no diagnóstico.
De fato, quando a meta fiscal deixa de ser cumprida, a culpa recai
majoritariamente sobre o presidente da República, ainda que o Legislativo
também tenha sua parcela de contribuição no resultado, sobretudo em razão das
emendas parlamentares e do fundo eleitoral.
Caberia, no entanto, uma dose de autocrítica
por parte do governo para que o Legislativo não fizesse ouvidos moucos ao apelo
de Haddad. Com que autoridade o governo se sente à vontade para cobrar alguma
austeridade do Congresso semanas depois de pedir ao mesmo Congresso autorização
para gastar R$ 15 bilhões a mais neste ano e de anunciar a mudança, para pior,
das metas fiscais de 2025 e 2026?
No caso específico da desoneração da folha de
pagamento, seria de bomtom que o governo tivesse humildade para reconhecer o
custo da prepotência de se ausentar do debate com o Legislativo enquanto ele
ocorria. Não é segredo que Lula da Silva não tenha maioria na Câmara e no
Senado, mas onde estavam seus representantes quando os setores se articulavam
pela extensão do benefício e a política era aprovada em sessões públicas na
Câmara e no Senado?
O veto presidencial à desoneração e a
publicação de uma medida provisória anulando a proposta aprovada pelo
Legislativo no apagar das luzes de 2023 já haviam sido mal recebidos, mas a
ação apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao STF foi uma verdadeira
declaração de guerra à política. A rapidez com que o ministro Cristiano Zanin
concedeu a liminar bem como os quatro votos favoráveis que sua decisão já
recebeu mostram que o governo não terá pudor em fazer uso da aliança com o STF
para emparedar o Congresso.
É verdade que o Legislativo conquistou um
poder crescente e até desproporcional para definir como parte do Orçamento deve
ser gasta na forma de emendas, mas também é fato que o Congresso aprovou toda a
agenda econômica defendida por um governo que não detém maioria no Legislativo.
Ainda que essas medidas tenham sido parcialmente desidratadas, elas foram
fundamentais para garantir um impulso à arrecadação no primeiro trimestre, e é
nela que o governo se agarra para alcançar a meta fiscal deste ano.
Nesse sentido, a reação do presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), é absolutamente compreensível. “Uma coisa é
ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão
integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil”, afirmou,
em resposta ao ministro Haddad.
Mais do que cobrar o Legislativo, é papel do
governo dar o exemplo e tomar a iniciativa de cortar seus gastos. Em paralelo,
é prudente não acirrar ainda mais os ânimos e voltar a apostar no caminho da
boa política. Ainda que o governo vença a batalha da desoneração com o apoio do
Judiciário, esse episódio terá consequências nefastas nas relações entre os
Poderes.
O Legislativo certamente vai reagir com
iniciativas para podar o poder do Judiciário e será pouco receptivo a qualquer
outra iniciativa enviada pelo Executivo ao Congresso, o que é especialmente
grave no momento em que os parlamentares se preparam para regulamentar a
reforma tributária. Não será dessa maneira que o equilíbrio entre os Poderes
será restabelecido.
O Brasil no ‘Eixo da Revolta’
O Estado de S. Paulo
A deplorável aliança com Irã, China e Coreia
do Norte para dar fôlego à Rússia do delinquente Putin só é explicável pela
megalomania de Lula, que se arvora em líder do ‘Sul Global’
A despeito das pesadas sanções impostas pelo
Ocidente à Rússia por conta de sua guerra criminosa contra a Ucrânia, Vladimir
Putin tem obtido êxitos na frente de batalha e no plano econômico. A economia
russa está longe da exuberância em meio ao conflito. Ao mesmo tempo, porém,
está distante do eventual colapso que, na visão dos países sancionadores,
talvez pudesse levar ao fim da guerra e, quiçá, à responsabilização de Putin
por seus crimes. A China, claro, é a grande responsável pela vitalidade desse
regime delinquente, mas, desafortunadamente, parte considerável do fôlego de
Putin tem vindo do Brasil.
O Estadão revelou há poucos dias que, neste
terceiro mandato presidencial de Lula da Silva, o Brasil expandiu os laços
econômicos com a Rússia. Tal é o grau de cooperação entre os dois países
atualmente que, em 2023, a meta de trocas comerciais entre o “B” e o “R” dos
Brics originários – US$ 10 bilhões – foi superada pela primeira vez em duas
décadas. No ano passado, o volume de negócios com Moscou chegou a US$ 11,3
bilhões. Hoje, o Brasil é o maior comprador de diesel russo (6 milhões de
toneladas adquiridas em 2023). Os fertilizantes russos vêm em seguida na agenda
comercial do País, respondendo por compras que chegam a quase US$ 4 bilhões ao
ano.
Lula, como se vê, não quer saber se há mais
de dois anos Putin comete atrocidades em série na Ucrânia e ameaça a paz na
Europa como nunca antes alguém o fez desde o final da 2.ª Guerra. Tampouco tem
procurado alternativas decentes para a aquisição daqueles produtos. Ao optar
por negociar com um pária internacional, Lula decerto aproveita uma vantagem
comercial para adquirir insumos essenciais para as próprias atividades
econômicas do Brasil. Afinal, com poucos países para transacionar diante do
cerco internacional, Putin se vê obrigado a oferecer condições competitivas
àqueles que se dispõem a fazer negócios com um criminoso de guerra. Mas o
barato sai caro.
Em que pese o apelo comercial, sobretudo no
caso dos fertilizantes, matéria-prima para o segmento mais pujante da economia
brasileira, o agronegócio, o que Lula busca, na verdade, é o fortalecimento do
tal “Sul Global”, aliança antiocidental da qual o petista mal disfarça o desejo
de ser proclamado líder. Imbuído desse espírito megalomaníaco, o presidente da
República não parece ter perdido um minuto de sono preocupado com o alto preço
político que sua escolha impõe ao Brasil. Para dizer o mínimo, sob Lula, o País
tem afrouxado cada vez mais os laços que o unem aos valores ocidentais que,
historicamente, constituíram a espinha dorsal da política externa brasileira: a
defesa da liberdade, dos direitos humanos, do Estado Democrático de Direito, do
multilateralismo e da solução pacífica dos conflitos.
Não se sabe se por ignorância, máfé ou
péssimo aconselhamento, Lula tem confundido o protagonismo dessa ficção chamada
“Sul Global” com a defesa de uma nova governança internacional mais adequada
para um mundo “multipolar”. O busílis é que não há multipolaridade alguma em
jogo. O que está em curso é a união de um punhado de ferozes ditaduras em busca
de ajuda mútua contra os Estados Unidos, a União Europeia e tudo mais que possa
ser interpretado pelos autocratas como ameaças a seus desígnios liberticidas. É
a esse tipo de aliança que o Brasil deveria pertencer? É a isso que Lula da
Silva pretende rebaixar o País?
Do ponto de vista estratégico, ou seja, a
longo prazo, o Brasil não tem rigorosamente nada a ganhar alinhando-se ao que a
revista Foreign Affairs chamou de o “Eixo da Revolta”. Trata-se da conjunção de
esforços da China, do Irã e da Coreia do Norte para fortalecer a Rússia,
enfraquecer o Ocidente, em particular os Estados Unidos, e, como se não
bastasse, violentar a soberania ucraniana. O Brasil, segundo analistas
internacionais, é considerado um país “estratégico” para o triunfo desse clube
antiocidental – o que, mais que uma vergonha, representa uma traição aos
princípios que nos constituem como nação.
Mais barulho no setor elétrico
O Estado de S. Paulo
Acusação de aparelhamento político em entidades de controle é a nova crise na energia
A vocação inabalável do governo para gerar
crises ronda o setor elétrico que, próximo de completar 30 anos do processo de
privatização, vive um período de cobranças e indefinições. Ao atraso das
negociações para renovar, ou não, as 20 concessões que estão em vias de
expirar, juntou-se a obstinação do presidente Lula da Silva para reduzir, a
qualquer custo, as tarifas de energia, mirando os dividendos eleitoreiros que
possa disso extrair. Agora, mais uma peça foi inserida na desordem, com
acusações de aparelhamento político no comando de duas importantes entidades
coordenadoras do setor.
O Operador Nacional do Sistema (ONS) mudou a
diretoria; e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o
conselho. A natureza jurídica das duas instituições é de direito privado, com
representação de todos os segmentos do setor elétrico e do governo, incumbido
de indicar o principal executivo de cada uma. Nas duras críticas ao processo
sucessório, o governo está sendo acusado de ter exorbitado de suas funções,
instrumentalizando a direção das entidades. O ONS coordena as operações de
geração e transmissão; e a CCEE, a compra e venda de energia elétrica.
“Não resta a menor dúvida de que a
responsabilidade pela caminhada rumo ao colapso é de todos: dos agentes
setoriais e dos Poderes Legislativo e Executivo”, acusou a Frente Nacional dos
Consumidores de Energia, que reúne 15 diferentes entidades, em comunicado
público. Inicia-se assim mais um capítulo de um enredo caótico que envolve um
setor essencial para o desenvolvimento econômico.
O período de negociação para renovar as
concessões de distribuidoras, por exemplo, deveria servir para o
aperfeiçoamento dos critérios necessários à garantia do investimento e da boa
prestação do serviço. É questão de definir prioridades, especialmente diante
das crises de desabastecimento recentes e da mudança de padrões climáticos.
Afinal, as concessões, que vencem entre 2025 e 2031, atendem a 64% de todo o
mercado nacional, com mais de 55 milhões de consumidores como potenciais
prejudicados por um trâmite inexplicavelmente emperrado.
Somente em janeiro, depois de dois anos de
conversas, chegou-se à aprovação de termos preliminares de acordo. Até
propostas de novos canais de fiscalização surgiram. Ora, o setor elétrico conta
com uma agência reguladora, a Aneel, que precisa apenas de independência e
autonomia, financeira e administrativa, para fazer o seu trabalho. A má vontade
com agências reguladoras é notória no lulopetismo, talvez por ferir sua
inclinação centralizadora, mas elas são qualificadas para assegurar o controle
e o equilíbrio do mercado, livre de intromissão política.
Não será surpresa se a obsessão atual de Lula da Silva por reduzir o valor das contas de luz produzir mais alguma “genialidade”, para usar uma célebre expressão do petista. O caminho natural para sanear o setor e baixar a conta de luz passa necessariamente pela redução dos penduricalhos impostos por matérias legislativas. Mas o governo petista prefere um caminho que lhe é mais familiar – o do aparelhamento e da centralização.
Há pressa em superar a defasagem digital
Valor Econômico
Será preciso primeiro atrair os jovens para a
escola para então prepará-los para a tecnologia e construir a ponte entre os
futuros especialistas digitais e o mercado de trabalho
Tornar o Brasil totalmente digital em seis
anos é o principal objetivo do Plano Brasil Digital 2030+, anunciado na semana
passada pela Comissão de Tecnologia, Inovação e Transformação Digital (CTITD),
formada por empresários e acadêmicos ligados à área de tecnologia da informação
que fazem parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável
(CDESS), o chamado Conselhão.
A meta é ambiciosa não só porque a
digitalização total do país seria obtida antes mesmo de outros objetivos que
vêm sendo perseguidos há tempos, como a universalização do saneamento básico,
esperada apenas para 2033, mas também pelos obstáculos a serem transpostos. De
qualquer forma, a questão merece tratamento urgente do Estado.
No mais recente ranking de competitividade
digital, elaborado pelo instituto suíço IMD em parceria com a Fundação Dom
Cabral (FDC), o Brasil estava no 57º lugar entre 64 países em 2023. Perdia, na
América Latina, para o México e o Peru, e ganhava da Colômbia e da Venezuela,
por exemplo. Na liderança, estavam EUA, Holanda e Cingapura.
Entre os 50 indicadores analisados pelo IMD e
pelo FDC, o Brasil estava mal colocado em oferta de mão de obra com habilidades
digitais (63º lugar), em capacidades tecnológicas (62º) e em apoio das cidades
ao desenvolvimento de negócios na área (61º). Do lado positivo, estava em 7º
lugar em produtividade em estudos de pesquisa e desenvolvimento, em 11º em
serviços públicos on-line e em 12º em gastos públicos com educação.
A própria comissão do Conselhão aponta como
um dos principais desafios as deficiências da educação e da capacitação
digital, que prejudicam a disponibilidade de profissionais capacitados na área
e colocam o Brasil na 75ª posição em outro ranking de oferta de mão de obra
especializada. De acordo com a comissão, apenas 57% dos professores da rede
estadual e 40% dos da rede municipal são capazes de selecionar materiais
digitais para a preparação de aulas. Talvez em consequência de todos esses
fatores, 56% da população não utilizam a internet e computadores devido à falta
de “letramento” digital.
Dados do Censo Escolar de 2023 mostraram que
a rede municipal, apesar de ser a que tem mais escolas do ensino fundamental, é
a que oferece menos recursos tecnológicos, como lousa digital (12,5%), projetor
multimídia (58,8%), computador de mesa (39,6%) ou portátil (34,8%). As escolas
da rede estadual geralmente estão mais bem equipadas, com computador de mesa
para 77,5% dos alunos, e portátil para 61,4%. Já as escolas de ensino médio têm
mais recursos tecnológicos. Na rede estadual, o percentual de computadores
portáteis para os alunos é de 63,1%, e o de tablets, de 26,9%.
O acesso à internet, de banda larga ou não, é
mais abrangente no ensino médio do que no fundamental, com o serviço disponível
em 86,6% das unidades escolares. Já na rede estadual do ensino básico, 74,6%
têm internet para alunos e 79,1% para o ensino. Há que se observar ainda as
desigualdades regionais, com menor acesso à internet na região Norte e maior no
Sudeste e no Centro-Oeste. Nas escolas de Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Pará
e Maranhão, a cobertura de internet é inferior a 60%.
Não é por outro motivo que a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na semana passada projeto de lei
que exige critérios mínimos de qualidade para as escolas públicas de educação
básica. O PL, de 2019, atribui ao poder público a responsabilidade, que deveria
ser óbvia, de equipar todas as unidades do ensino básico com biblioteca,
laboratórios de ciência e informática, acesso à internet, quadra poliesportiva
coberta, condições de acessibilidade, energia elétrica, abastecimento de água
potável, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos, além de cozinha e
refeitório.
Não basta, porém, conseguir equipar
totalmente as escolas e ampliar a cobertura de banda larga. Como lembraram na
semana os participantes da live feita pelo Valor, em parceria com o Valor
Social, área de responsabilidade social da Globo, dois a cada dez jovens
brasileiros de 15 a 29 anos, ou 9,8 milhões de pessoas, não concluíram o ensino
básico, sendo que 200 mil deles nunca frequentaram uma sala de aula. Será
preciso primeiro atrair esses jovens para a escola para então prepará-los para
a tecnologia. Ao mesmo tempo construir a ponte entre os futuros especialistas
digitais e o mercado de trabalho.
Um ponto duvidoso do Plano Brasil Digital
2030+ é a proposta de criar uma secretaria, com estrutura própria e status de
ministro para quem for comandá-la, para centralizar o planejamento e definir
ações práticas para os demais órgãos de governo. Seria a Secretaria Especial
para Transformação Digital, com atuação próxima ao presidente da República,
responsável pela formulação e pela aprovação de políticas públicas estratégicas
relacionadas à tecnologia.
De imediato, dois problemas sobressaem. Um deles é a eventual má aceitação da interferência pelos ministérios que têm suas próprias estratégias na área. O outro é a disponibilidade de recursos para se criar uma nova estrutura diante da penúria fiscal que o governo atravessa.
A má educação e o racismo na escola
Correio Braziliense
De cada 10 pessoas que foram vítimas de racismo no país, 3,8 sofreram a violência no ambiente escolar, na faculdade ou na universidade, segundo estudo da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec)
Em um Brasil com 5.570 municípios, mais de
70% das cidades não cumprem a Lei nº 10.639/2003, que obriga o ensino da
história e da cultura de África em todas as etapas da formação educacional -
(crédito: Caio Gomez)
No início deste mês, durante uma das partidas
de futebol de salão do Torneio de Liga das Escolas do Distrito Federal, os
alunos do Colégio Galois, anfitrião do evento, hostilizaram os estudantes
negros da Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima. Os convidados foram
chamados de "macacos", "pobrinhos", "filhos de
empregadas". Uma lamentável exibição de racismo e preconceito por jovens
na faixa etária entre 15 e 17 anos.
Na semana passada, mais um caso emerge de um
colégio de elite, como o Galois. A vítima foi a filha da atriz Samara Felippo,
Alícia, 14 anos, aluna do Colégio Vera Cruz, zona oeste de São Paulo,
instituição considerada de alto padrão, com mensalidade de R$ 6 mil. O colégio
suspendeu as alunas agressoras e garantiu que haverá letramento racial na
instituição. Ontem, o Galois, de Brasília, informou, por meio de nota, que
identificou 10 alunos envolvidos em atos de racismo. Sem citar o número, o
Galois informou que alguns foram desligados, outros notificados e receberam
"sanções escalonadas, de acordo com a gravidade do ato praticado" e
cinco deixaram a escola.
Os dois exemplos não são novidade. Eles são
recorrentes no país, em instituições de ensino privadas ou públicas, onde não
caberiam manifestações de racismo, preconceito e quaisquer outras agressões
étnico-raciais, em todos os níveis de escolaridade. De cada 10 pessoas que
foram vítimas de racismo no país, 3,8 sofreram a violência no ambiente escolar,
na faculdade ou na universidade, segundo estudo da Inteligência em Pesquisa e
Consultoria Estratégica (Ipec), contratada pelo Projeto Sistema de Educação por
uma Transformação Antirracista (Seta) e pelo Instituto de Referência Negra
Pregum. A pesquisa foi divulgada em agosto do ano passado.
"A escola é um microcosmo que reproduz o
ambiente em que vivemos na sociedade como um todo. Tudo o que acontece lá (na
escola), acontece cá (no resto da sociedade), de uma forma reprodutora das
relações complexas", afirmou Ana Paula Brandão, gestora do Projeto Seta.
Em outra versão, pode-se recorrer a um velho adágio: "Costume de casa vai
à praça". Ou seja, provavelmente, os jovens de famílias brancas e
abastadas não foram orientados a condenar e não praticar o preconceito e o
racismo
Em um Brasil com 5.570 municípios, mais de
70% das cidades não cumprem a Lei nº 10.639/2003, que obriga o ensino da
história e da cultura de África em todas as etapas da formação educacional. A
lei foi aplaudida, mas não surtiu o efeito esperado, dentro da perspectiva de
romper e eliminar os sofismas em relação ao povo negro. Prevaleceu a visão
equivocada do passado, quando os negros foram rotulados de seres sem alma e
diabólicos, em razão da cor da pele, mas nunca vistos como seres humanos.
A leniência das autoridades permitiu o engavetamento da lei. O poder público, por sua vez, não fez esforços para que instituições de ensino superior formassem professores capazes de garantir o letramento racial em todos os níveis de ensino, como instrumento de erradicação do racismo. A falta de docentes somada à inércia do Estado, entre outros fatores cultivados no país ou trazidos pelos migrantes, deu robustez à violência étnico-racial que afeta os negros, os indígenas, os quilombolas e todos outros que não se encaixam no padrão eurocentrista. Falta uma educação que prestigie a pluralidade racial brasileira, padrão singular do tecido demográfico da nação.
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