sábado, 17 de maio de 2025

Do jeito chinês fica mais fácil- Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Não faz o menor sentido perguntar a um ditador como se regula uma rede social ou qualquer outro meio de comunicação

Não é um problema de comunicação. O governo Lula é ruim tanto nas coisas internas quanto nas externas.

Tome-se o episódio TikTok/Janja. A regulação das redes sociais é uma questão nacional e internacional. Internamente, Lula, seus ministros e líderes no Congresso não conseguem sequer encaminhar uma proposta de regulação. Sabemos das dificuldades. O governo não tem maioria no Congresso. Mas deveria ter ao menos a capacidade de articular um projeto viável, considerando o fato concreto da dominância do Centrão. Com a direita bolsonarista não tem conversa mesmo. Mas com tantos ministros do Centrão alojados no governo, como é que Lula não consegue mais do que reclamar das redes?

A situação chega ao limite da incompetência e do ridículo quando Janja reclama do TikTok junto ao líder chinês Xi Jinping. E quando Lula piora a situação ao pedir ao “companheiro” para enviar ao Brasil um especialista de sua confiança para ajudar na regulação das redes. O único com a plena noção das coisas foi o presidente chinês. Simplesmente disse a Lula e Janja que o governo brasileiro tem os meios para regular ou mesmo para banir o TikTok.

Alguns relatos desse episódio acrescentam que Xi Jinping deu um exemplo: “Aqui não temos a Meta”. Não importa se disse ou não. A Meta — WhatsApp, Instagram e Face — não pode funcionar na China. O governo ditatorial proíbe, sem maiores regulações. Só faltou o líder chinês lamentar que o Brasil seja uma democracia, onde o presidente não pode, da cabeça dele, cancelar uma rede social.

Os dirigentes chineses, do Partido Comunista e do governo, costumam dizer que a democracia é ineficiente, perde muito tempo com debates e na discussão de leis, demorando para resolver os assuntos. Teria sido ironia de Xi comentar que o governo brasileiro tem poderes para fechar o TikTok? Lula e Janja perceberam a ironia?

Lula foi à China com ampla comitiva para, de novo, tentar se apresentar como líder global. Saiu de lá tendo pedido por um especialista chinês para ajudar com as redes sociais. Os chineses são bons nisso, no aspecto técnico. Inventaram uma inteligência artificial mais barata e muito eficiente. Mas pergunte a ela algo sobre a situação interna na China. Tentamos isso. A resposta não deixa dúvida: “Podemos conversar sobre outros assuntos”.

Eis um ponto curioso. Sendo o TikTok uma rede de propriedade chinesa, o presidente Lula poderia pedir a seu companheiro uma intervenção direta no TikTok brasileiro. Vai ver era essa a intenção de Lula e Janja, ao reclamarem da rede brasileira para o chefão de Pequim. Porque não faz o menor sentido perguntar a um ditador como se regula uma rede social ou qualquer outro meio de comunicação.

No mundo democrático, há muito debate sobre as redes. Tem sido demorado mesmo, porque há muitos valores e interesses em jogo. De qualquer modo, há muitos exemplos de como lidar com o problema no lado democrático. No lado que Lula escolheu, só há uma resposta: censura.

O presidente também passou por Moscou, outra ditadura. E tentou usar sua pretensa influência para convencer Putin a viajar para a Turquia e negociar diretamente com Zelensky. Putin recebeu Lula com todas as honras, mostrou com isso que não está isolado, mas não foi à Turquia. Estava claro que o presidente russo fazia mera figuração ao falar de negociação de paz.

E, assim, Lula chegou de volta ao Brasil onde topou com a crise do INSS maior do que deixara. Aqui, o esforço de comunicação de seu pessoal parece ser mostrar que a roubalheira começou no governo Bolsonaro. É verdade, mas fica implícita a questão: como o governo Lula demorou tanto tempo, mais de dois anos, para descobrir?

As filas por atendimento no SUS e no INSS também vêm do governo anterior. E continuam, apesar das propostas de campanha de Lula de acabar com elas. Por falar nisso, depois de passar toda a campanha acusando a falta de transparência do governo Bolsonaro, a administração Lula recorre ao mesmo expediente de esconder gastos públicos que, digamos, não parecem tão republicanos. Nem precisaram de ajuda de um especialista chinês...

 

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