CartaCapital
Os boiadeiros da Câmara agora estão
empenhados em jogar no lixo as regras de licenciamento ambiental. É grave: o
futuro de todos os brasileiros está em risco
O pior Congresso desde a redemocratização está cevando uma “boiada” capaz de nos fazer regredir 40 anos em matéria de proteção ambiental. No que tange à boiada, por assim dizer, vemos uma aliança que reúne, do mesmo lado do balcão, as forças da direita, da extrema-direita e do fisiologismo mais sórdido em torno de um interesse comum: manter o País com os pés fincados no atraso civilizatório. Refiro-me ao Projeto de Lei 2.159/2021, que tramita, de forma subitamente apressada, no Senado. Se aprovado, ele jogará no lixo as regras do licenciamento ambiental no Brasil.
O licenciamento ambiental – processo
administrativo obrigatório para atividades econômicas com potencial poluidor –
foi uma conquista da democracia, e não podemos perdê-la. O marco primordial
dessa construção foi uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama), de janeiro de 1986, que estabeleceu as regras gerais para o
licenciamento. Essa resolução determina a obrigatoriedade da realização de
estudos de impacto ambiental, que devem subsidiar os técnicos e autoridades
responsáveis pelas licenças e orientar a adoção de medidas mitigadoras, as
chamadas condicionantes. O estudo de impacto é tão relevante que os
constituintes o incorporaram ao texto da Constituição de 1988.
O que está em jogo neste momento é a
destruição do licenciamento, na base do rolo compressor e do correntão do lobby
ruralista e empresarial. Duas comissões do Senado, a de Agricultura e a de Meio
Ambiente, formularam um texto comum que tem votação prevista para 21 de maio.
Se aprovado, o texto segue para o plenário. O argumento dos que defendem rasgar
as regras em vigor é o de sempre: desburocratizar o processo e destravar o
crescimento do País. Como se o “culpado” pelo atraso fosse o meio ambiente.
A linguagem ambígua e enganosa tenta camuflar
o “liberou geral” para as empresas, que leva as digitais dos relatores nas duas
comissões, ninguém menos que a ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro,
senadora Tereza Cristina (PP–MS), e o senador Confúcio Moura (MDB–RO). O PL
2.159/2021 inventa modalidades de licenciamento, todas muito mais rápidas e
desreguladas do que as existentes hoje. Permite também renovações automáticas
de autorização por meio do simples preenchimento de um formulário na internet.
Outra facilidade para as empresas seria a reutilização de estudos ambientais
anteriores, mesmo no caso de expansão dos empreendimentos. Toda a lógica do
texto é a de reduzir o papel do Estado, o controle social e a participação
popular na avaliação dos projetos. Não se trata de simplificação, mas de
desregulação.
A história recente nos mostra que o problema
dos empreendimentos não é o licenciamento tal como existe hoje. Isso é evidente
nos três maiores desastres da mineração no Brasil. Em 2015, o colapso da
barragem de rejeitos das mineradoras Samarco, Vale e BHP, em Mariana, matou 19
pessoas e contaminou o Rio Doce. Em 2019, o rompimento da barragem da Vale, em
Brumadinho, matou outras 272 pessoas e poluiu o Rio Paraopeba.
O terceiro desastre é o do afundamento do
solo, em Maceió, causado pela extração subterrânea de sal-gema pela
petroquímica Braskem. Um tremor de terra, em 2018, revelou a exploração
predatória que obrigou à remoção forçada de 60 mil moradores de cinco bairros.
Analisei os processos de licenciamento dos três empreendimentos. Em todos há
indícios de conduta ilegal, das empresas e dos agentes públicos que atuaram nos
processos, como apresentação de laudo falso, prevaricação, improbidade
administrativa. Não é que a lei seja ruim. O problema está nas pessoas que não
a cumprem.
Suas excelências, os senhores senadores,
deveriam estar mais preocupados com a impunidade nesses três casos. Até hoje,
ninguém foi condenado pelos crimes ambientais praticados e pela morte de quase
300 brasileiros. Os processos de Mariana e Brumadinho se arrastam no
Judiciário. No caso Braskem, nem sequer há processo de responsabilização
criminal. E as vítimas ainda buscam as reparações devidas na Justiça.
É legítimo e importante atualizar leis de
caráter geral, inclusive para orientar legislações estaduais e municipais. Mas
as mudanças não podem ter como norte facilitar negócios que trituram vidas e
sonhos. Infelizmente, no ano em que o mundo inteiro virá ao Brasil para
discutir o futuro do planeta, na COP30, em Belém, os parlamentares se mostram
capturados pelos interesses das grandes corporações e de costas para os
cidadãos. Precisamos nos apropriar do debate sobre o nosso futuro e sobre o
país que queremos ser. •
Publicado na edição n° 1362 de CartaCapital,
em 21 de maio de 2025.
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