sábado, 17 de maio de 2025

Que país queremos ser? - Cristina Serra

CartaCapital

Os boiadeiros da Câmara agora estão empenhados em jogar no lixo as regras de licenciamento ambiental. É grave: o futuro de todos os brasileiros está em risco

O pior Congresso desde a redemocratização está cevando uma “boiada” capaz de nos fazer regredir 40 anos em matéria de proteção ambiental. No que tange à boiada, por assim dizer, vemos uma aliança que reúne, do mesmo lado do balcão, as forças da direita, da extrema-direita e do fisiologismo mais sórdido em torno de um interesse comum: manter o País com os pés fincados no atraso civilizatório. Refiro-me ao Projeto de Lei 2.159/2021, que tramita, de forma subitamente apressada, no Senado. Se aprovado, ele jogará no lixo as regras do licenciamento ambiental no Brasil.

O licenciamento ambiental – processo administrativo obrigatório para atividades econômicas com potencial poluidor – foi uma conquista da democracia, e não podemos perdê-la. O marco primordial dessa construção foi uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de janeiro de 1986, que estabeleceu as regras gerais para o licenciamento. Essa resolução determina a obrigatoriedade da realização de estudos de impacto ambiental, que devem subsidiar os técnicos e autoridades responsáveis pelas licenças e orientar a adoção de medidas mitigadoras, as chamadas condicionantes. O estudo de impacto é tão relevante que os constituintes o incorporaram ao texto da Constituição de 1988.

O que está em jogo neste momento é a destruição do licenciamento, na base do rolo compressor e do correntão do lobby ruralista e empresarial. Duas comissões do Senado, a de Agricultura e a de Meio Ambiente, formularam um texto comum que tem votação prevista para 21 de maio. Se aprovado, o texto segue para o plenário. O argumento dos que defendem rasgar as regras em vigor é o de sempre: desburocratizar o processo e destravar o crescimento do País. Como se o “culpado” pelo atraso fosse o meio ambiente.

A linguagem ambígua e enganosa tenta camuflar o “liberou geral” para as empresas, que leva as digitais dos relatores nas duas comissões, ninguém menos que a ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro, senadora Tereza Cristina (PP–MS), e o senador Confúcio Moura (MDB–RO). O PL 2.159/2021 inventa modalidades de licenciamento, todas muito mais rápidas e desreguladas do que as existentes hoje. Permite também renovações automáticas de autorização por meio do simples preenchimento de um formulário na ­internet. Outra facilidade para as empresas seria a reutilização de estudos ambientais anteriores, mesmo no caso de expansão dos empreendimentos. Toda a lógica do texto é a de reduzir o papel do Estado, o controle social e a participação popular na avaliação dos projetos. Não se trata de simplificação, mas de desregulação.

A história recente nos mostra que o problema dos empreendimentos não é o licenciamento tal como existe hoje. Isso é evidente nos três maiores desastres da mineração no Brasil. Em 2015, o colapso da barragem de rejeitos das mineradoras Samarco, Vale e BHP, em Mariana, matou 19 pessoas e contaminou o Rio Doce. Em 2019, o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, matou outras 272 pessoas e poluiu o Rio Paraopeba.

O terceiro desastre é o do afundamento do solo, em Maceió, causado pela extração subterrânea de sal-gema pela petroquímica Braskem. Um tremor de terra, em 2018, revelou a exploração predatória que obrigou à remoção forçada de 60 mil moradores de cinco bairros. Analisei os processos de licenciamento dos três empreendimentos. Em todos há indícios de conduta ilegal, das empresas e dos agentes públicos que atuaram nos processos, como apresentação de laudo falso, prevaricação, improbidade administrativa. Não é que a lei seja ruim. O problema está nas pessoas que não a cumprem.

Suas excelências, os senhores senadores, deveriam estar mais preocupados com a impunidade nesses três casos. Até hoje, ninguém foi condenado pelos crimes ambientais praticados e pela morte de quase 300 brasileiros. Os processos de Mariana e Brumadinho se arrastam no Judiciário. No caso Braskem, nem sequer há processo de responsabilização criminal. E as vítimas ainda buscam as reparações devidas na Justiça.

É legítimo e importante atualizar leis de caráter geral, inclusive para orientar legislações estaduais e municipais. Mas as mudanças não podem ter como norte facilitar negócios que trituram vidas e sonhos. Infelizmente, no ano em que o mundo inteiro virá ao Brasil para discutir o futuro do planeta, na COP30, em Belém, os parlamentares se mostram capturados pelos interesses das grandes corporações e de costas para os cidadãos. Precisamos nos apropriar do debate sobre o nosso futuro e sobre o país que queremos ser. •

Publicado na edição n° 1362 de CartaCapital, em 21 de maio de 2025.

 

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