sábado, 17 de maio de 2025

A era do ódio - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Responsabilizar plataformas e proteger os jovens são os novos desafios das democracias

A doutrina da democracia militante foi concebida nos anos 1930, como reação à ascensão dos movimentos extremistas na Europa.

De acordo com Karl Loewenstein, precursor do conceito, o fascismo não consistia propriamente em uma ideologia política. Era, sobretudo, um movimento que mobilizava o ressentimento e o medo para inocular o ódio contra os adversários. Nesse contexto, a política deixou de ser praticada como uma competição cooperativa entre adversários, baseada na divergência tolerante, para se transformar numa disputa existencial entre inimigos.

Uma outra característica dos extremismos populistas era o emprego oportunista das franquias democráticas, como a liberdade de expressão, o direito de associação e o direito ao voto, com a finalidade de suprimi-las ou subvertê-las. É conhecida a ironia de Goebbels ao se referir à democracia como o único regime que "garante aos seus inimigos mortais os meios de destruí-la".

Para alguns autores, como Lawrence Lessig, professor da Escola de Direito de Harvard e considerado um dos fundadores dos estudos no campo do direito digital, as redes sociais, apesar de todos os ganhos que trouxeram, têm contribuído para o surgimento de uma nova era de polarização, irracionalidade e ódio, que mais uma vez ameaçam os regimes democráticos.

Com o declínio de diversos mecanismos responsáveis pelas agregações de interesses, formação da vontade da coletividade e solução de conflitos, como partidos, sindicatos, meios tradicionais de comunicação e os próprios parlamentos, as redes sociais têm assumido um papel cada vez mais central na construção de identidades e mobilização da opinião pública.

O problema, alerta Lessig, é que o modelo de negócios das redes, ou seja, a forma de gerarem lucro, é promovendo um engajamento cada vez mais intenso dos usuários. As redes competem por atenção. A forma mais fácil de gerar engajamento é colocar seus algoritmos para mobilizar nossos instintos mais primitivos e tribais, como o medo, o ressentimento, a identidade, assim como o escatológico e o bizarro.

Nesse contexto, o debate racional, a tolerância e mesmo a moderação, promovidos pelos meios tradicionais de organização da política, ainda que imperfeitos, cedem espaço para uma fragmentada guerra de narrativas que fomenta a desconfiança e uma polarização de natureza visceral.

Assim como partidos extremistas (do passado e do presente), muitas plataformas (algumas se transformaram em partidos digitais) também se beneficiam das franquias da democracia apenas para realizar seus interesses, independentemente das consequências para a comunidade.

O grande desafio das democracias contemporâneas é conviver e sobreviver nesse ecossistema informacional. Se nos regimes autoritários as redes são empregadas como mecanismo de dominação do Estado, em muitas democracias são os interesses das plataformas que passaram a subordinar a vida política.

O Congresso Nacional, em vez de despender tanta energia para tentar anistiar aqueles que atentam contra a democracia, deveria estar se debruçando sobre a regulação das redes, assim como da inteligência artificial, de forma a contribuir para o fortalecimento de nossa democracia.

Todos sabem que não é uma tarefa fácil. A ambição de aprovar uma ampla regulação talvez seja inviável e indesejável. Mas certamente há pontos, como a responsabilização das plataformas pelo impulsionamento de certos conteúdos ou a proteção das crianças e adolescentes no ecossistema informacional, que poderiam obter certo consenso.

Esse o novo desafio daqueles que militam pela democracia.

 

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