Folha de S. Paulo
Antes de pedir mais dinheiro, militares
deveriam limitar suas despesas com pessoal
A PEC 55/2023 propõe elevar gradualmente os gastos em defesa
nacional de 0,8% para 2% do PIB, percentual
mínimo obrigatório. A valores de hoje, finda a transição, R$ 150 bilhões de
gasto a maior.
Também carimba 35% das despesas
discricionárias do Ministério
da Defesa para "projetos estratégicos", com prioridade para
a Base Industrial de Defesa e conteúdo nacional mínimo de 35%.
Argumenta-se que as Forças
Armadas estão sucateadas, que é preciso ter previsibilidade no
Orçamento, que os riscos de conflitos armados internacionais aumentaram e que a
indústria nacional de defesa vai gerar empregos e crescimento.
Há grande chance de aprovação, com apoio no governo e na oposição.
Essa PEC sintetiza um modo de pensar e agir
que tem empobrecido o Brasil nas últimas décadas.
Será criado mais um gasto obrigatório, que
crescerá acima da inflação, por estar indexado ao PIB. Mais de 90% da despesa
federal já é obrigatória, e mais de 50% são superindexados, gerando déficits e
dívida pública de alto custo, levando a mais tributos e mais juros, que minam o
crescimento. A PEC agrava o problema.
A tática de quem quer se apropriar de uma
fatia do Orçamento é sempre a mesma: exagerar nos benefícios e ignorar os
custos e os usos alternativos dos recursos.
Sempre haverá o que melhorar na defesa
nacional. Mas será que não seria mais urgente focar o grave problema da
segurança pública? Será que o Brasil vai entrar em guerra porque há conflitos
crescentes em outras partes do mundo?
Não há imprevisibilidade ou falta de
recursos: a despesa com defesa nacional cresceu 40% acima da inflação no
período 2010-24. Em média, inflação mais 2,4% ao ano.
O investimento em equipamentos militares tem
sido pequeno porque o orçamento da Defesa virou uma grande folha de pagamentos.
Em 2024, a despesa com pessoal consumiu 71% do total. Para comparar, na
educação, com uma alta folha das universidades federais, o gasto com pessoal é
40% do total.
Entre 2010 e 2024, a despesa com pessoal na
Defesa cresceu 83% em termos reais, ante uma queda real de 13% na folha de
pagamento do resto do governo. Metade da despesa da Defesa com pessoal
refere-se a aposentadorias e pensões.
O debate saudável seria sobre o aumento de
investimentos militares com recursos advindos da reforma da Previdência e do
plano de remuneração dos militares, que revogasse a integralidade e a paridade
dos proventos de aposentadoria, instituísse idade mínima de aposentadoria,
acabasse com pensões integrais vitalícias, introduzisse contribuição
previdenciária e revogasse adicionais de tempo de serviço. Nada além do que já
foi feito para os civis.
A PEC contém ainda outro veneno para o
crescimento que dá errado há 70 anos: política industrial baseada em encomendas
públicas e conteúdo local. Isso só gerou baixa produtividade, incapacidade de
inserção internacional e transferência de renda para os beneficiários.
Como de costume, apresentam-se números
grandiosos de geração de emprego e renda no setor a ser subsidiado,
esquecendo-se das perdas nos setores que terão de pagar a conta dos subsídios e
da proteção. A justificação do projeto afirma que cada real investido em defesa
pelo Estado geraria R$ 9,80 no PIB. Um efeito multiplicador de 9,8 é para além
da fantasia. A literatura mostra que gastos militares têm multiplicador de, no
máximo, 1,5, e, na média, 0,8! E os efeitos são temporários.
Não será possível ter uma economia próspera
se continuarmos distribuindo nacos do Orçamento ao sabor das conveniências, com
base em argumentos falaciosos.
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