quinta-feira, 24 de julho de 2025

Receio militar - Merval Pereira

O Globo

A tecnologia americana é fundamental para o Brasil. Diversos sistemas estratégicos como radares, comunicação criptografada, aviões de caça, embarcações e até munições dependem do suporte técnico dos Estados Unidos.

A crise desencadeada pela batalha tarifária iniciada pelo presidente Donald Trump contra o mundo — atingindo o Brasil com intensidade política que até agora só teve igual com a ameaça à Rússia para terminar a guerra contra a Ucrânia — está reverberando no meio militar. Há o temor de que as sanções venham a atingir os projetos militares em andamento, que, em grande parte, são dependentes de tecnologia e equipamentos americanos.

Além disso, há quem veja as sanções pessoais aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como uma possibilidade de envolver os próprios ministros militares, e o ministro da Defesa, José Mucio, nomeados por Lula. Ao mesmo tempo, ainda há resquícios de bolsonarismo nas Forças Armadas, que atribuem à inclinação à esquerda da nossa política externa, especialmente à aproximação com a China, o gatilho para a dose política da atitude de Trump.

O que consideram desafio do Brics aos Estados Unidos seria a razão oculta para que os americanos usassem o boicote aos programas militares brasileiros como resposta ao posicionamento do grupo. A ameaça de retaliação cruzada sobre os integrantes do Brics que continuem negociando com a Rússia é um exemplo do que temem os militares, que pedem ações diplomáticas menos ideológicas e mais pragmáticas, como o histórico do Itamaraty sugere.

O site DefesaNet, que reverbera o pensamento militar na área de defesa, vem publicando diversos artigos em que alerta sobre os perigos de um colapso logístico e operacional em todo o sistema de defesa nacional, atingindo Exército, Marinha e Força Aérea, se uma sanção americana for estendida aos acordos militares. A pressão para que o governo Lula use mais o Itamaraty nas negociações, e menos os arroubos retóricos dos pronunciamentos políticos, tem aumentado, com receio de que não haja tempo para reverter as tarifas punitivas já anunciadas.

A tecnologia americana é fundamental para o Brasil. Diversos sistemas estratégicos como radares, comunicação criptografada, aviões de caça, embarcações e até munições dependem do suporte técnico dos Estados Unidos. Sem isso, muitos desses equipamentos simplesmente deixam de funcionar. O país ficaria “cego”, na definição militar, sem o pleno funcionamento dessas tecnologias de comunicação. Em meio aos perigos de sanções mais fortes, os militares reforçam as reclamações sobre a obsolescência dos equipamentos.

A Força Aérea Brasileira (FAB) utiliza aviões F-5 com tempo de uso estendido, e seus estoques de munição estariam em níveis muito baixos. O Exército segue usando blindados Leopard 1A5, veículos que já deveriam ter sido aposentados, mas continuam em uso porque novos blindados ainda não chegaram. Na Marinha, o cenário é igualmente preocupante: o projeto das fragatas Tamandaré ainda não foi concluído, e muitos navios de combate não estão operacionais. Há, inclusive, relatos de escassez de munição para os armamentos já em uso.

Se os Estados Unidos aplicarem sanções mais duras ou suspenderem o suporte técnico e o envio de peças, todo o sistema de defesa nacional corre o risco de ser paralisado, advertem os especialistas militares no site DefesaNet, pois um rompimento com os americanos poderá gerar um colapso logístico e operacional. Na análise dos militares, o confronto permanente entre o Judiciário, o Legislativo e o Executivo favorece uma escalada que só enfraquece a reação do governo brasileiro contra as tarifas impostas como punição ao Brasil e pode, em última instância, acabar prejudicando a economia do próprio país. A negociação diplomática seria a melhor maneira de enfrentar essa crise que, de todo modo, não é apenas do Brasil, mas do mundo. As questões políticas deveriam ser deixadas de lado, para negociar as sanções econômicas.

 

Nenhum comentário: