Valor Econômico
Vice-presidente dá entrada em vigor das tarifas como inevitável e vê concessões pontuais dos EUA num embate que ainda pode escalar
Dependendo do interlocutor, o vice-presidente não faz rodeios. É de embargo que se trata. É assim que Geraldo Alckmin se refere ao tarifaço. Contando apenas as audiências oficiais, foram 16 encontros com representantes de vários setores. Somados aos dos fins de semana, todos em Brasília, o número dobra. Ninguém sai de lá indiferente ao clima de constrita preocupação que prevalece naquele gabinete. Pudera. Cada um que lá entra apresenta uma fatura maior de demissões e prejuízos.
A uma semana do prazo estipulado, o principal negociador brasileiro trabalha com a perspectiva de que o tarifaço anunciado entrará em vigor. No limite, Donald Trump pode flexibilizar para um ou outro setor, que faça valer seu poder de barganha, mas a tarifa básica de 50% será, sim, aplicada.
O vice-presidente engole calado a acusação de
que o governo brasileiro não tem nenhuma interlocução no entorno de Trump. O
comitê de ministros montado para o enfrentamento desta crise que, além de
Alckmin, inclui Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Itamaraty) e Rui Costa
(Casa Civil), tem falado com o secretário do Tesouro, Steve Bessent, mas não o
exibe porque o desgaste é certo. Dos contatos com Bessent não surge a
perspectiva de uma saída negociada. Até porque todas as decisões sobre o tema
se concentram na Casa Branca.
O clima não é apenas de preocupação, mas de
certeza de que a situação pode escalar ainda mais. Por isso, a ordem, naquele
gabinete, das 8h às 21h, é a de que toda e qualquer provocação deve ser
evitada.
Não se espere daí que o vice-presidente passe
a mão no telefone e ligue para o ministro Alexandre de Moraes, que estreou na
administração pública, como secretário de Justiça, na primeira gestão Alckmin
no Bandeirantes.
Esta postura tem poupado o vice-presidente de
desgaste junto ao empresariado, mas o mesmo não pode ser dito em relação ao
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem Alckmin fala quase todos os dias
desde o anúncio do tarifaço.
Ao longo de duas semanas, o azedume com a
irresponsabilidade do bolsonarismo como agente provocador migrou para a
cobrança ao governo por resultados. Nem mesmo o pedido, feito a Alckmin e por
ele rejeitado, para que fosse negociado mais prazo junto aos EUA, lhe custa
críticas.
A cobrança é debitada na conta de Lula a quem
se atribui não apenas a recusa à negociação por mais prazo como também a
politização do tema para 2026. O clima de união nacional contra a agressão
trumpista durou pouco. Se é que existiu.
Muito se tem falado sobre o presente que o
tarifaço ofereceu a Lula. Pode ser verdade, mas a via é de mão dupla. Trump
agrada seu eleitorado com sua fama de mau com um governo “comunista” que lhe
permite até fazer um aceno às “big techs”. A alternativa seria o Brasil nas
mãos de um entreguista, mas o fato é que os críticos já puseram Tim Maia na
vitrola. Para ficar num único, o Brics, Lula “deu motivo”.
E vai dobrar a aposta. O Itamaraty anunciou
que o Brasil está para aderir à ação encabeçada pela África do Sul que acusa
Israel por genocídio na Corte Internacional de Justiça, ao lado da Espanha,
Turquia e Colômbia.
Entre os críticos há aqueles que se filiam à
linha “construtiva”. Um empresário que mantém interlocução amistosa com o
governo viu exagero na maneira como o governo, o PT - e Alexandre de Moraes -
correram para colocar o guizo no pescoço do gato. Cita frase atribuída a
Napoleão Bonaparte para defender a postura de jogar parado no caso: “Jamais
interrompa seu adversário quando ele estiver cometendo um erro”.
O governo não tem passado recibo das
cobranças que lhe são feitas, mesmo aquelas que vêem de empresas com operação
nos EUA há décadas que se tornaram doadoras milionárias de campanhas - de
Trump, inclusive.
Essas empresas se mostram incapazes de abrir
canais com o governo republicano num país em que esta relação é
institucionalizada e doadores são abertamente recompensados até com embaixadas.
A embaixada brasileira em Washington tem
atuado junto a parlamentares de distritos eleitorais que serão afetados pelo
tarifaço por abrigar empresas que dependem de insumos a serem sobretaxados.
A comitiva de senadores que desembarca nesta
quinta em Washington pretendia fazer o mesmo, mas escolheu o momento errado.
Como o recesso parlamentar foi antecipado para esfriar a repercussão da lista
de clientes do pedófilo Jeffrey Epstein, da qual constaria Trump, pairam muitas
dúvidas sobre as chances de sucesso da empreitada.
A aproximação do prazo para a entrada em
vigor das novas tarifas opera, sobre países e empresas, pressões que se
assemelham. Não adianta tentar negociar em bloco. O poder de barganha difere de
setor para setor e não é possível pendurar aqueles mais prejudicados, como o de
pescados, nas negociações mais avantajadas daqueles mais favorecidos, como o da
carne.
A mesma coisa acontece com os países. A lista
daqueles que já fez acordo ainda cresce: Indonésia, Filipinas, Vietnã, China,
Reino Unido e, por último, o Japão. A expectativa é de que até o fim da semana,
a União Europeia assine. Jogar o Brasil para o fim dessa lista tem o recado
claro de isolá-lo.
A tática é uma só. Asfixia e solta aos poucos
até atingir patamar aceitável pelos EUA. No Brasil, a política tarifária divide
espaço com o processo judicial, por obra e graça de Trump, o que torna tudo
mais difícil.
À medida que o prazo do tarifaço se aproxima
também crescem pressões, até da Corte, para que a prisão de Bolsonaro se dê
depois da condenação. Como a independência do Judiciário é cláusula pétrea,
deve ser coincidência.
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