Liberação de gasto expõe incúria fiscal do governo
O Globo
Decisão de descongelar R$ 20,7 bilhões ignora
trajetória alarmante do endividamento público
A decisão do governo de liberar o gasto de R$
20,7 bilhões que estavam congelados é uma chance perdida — mais uma — de buscar
o equilíbrio das contas
públicas. Com a medida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comprova não
dar a devida atenção à gravidade da situação fiscal.
De normal, o endividamento brasileiro nada tem. Mantido o rumo atual, a dívida bruta deverá crescer 10 pontos percentuais no atual mandato e chegar, pelos cálculos oficiais, a 82% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026, bem acima da média dos países emergentes (65%). Preocupado em se reeleger, o presidente prioriza o curto prazo, com mais dinheiro sendo usado para manter a economia aquecida. Mas não é tão difícil entender por que tal situação é insustentável e desastrosa. Uma hora a conta do endividamento descontrolado chega, com investimentos inibidos e queda na criação de postos de trabalho de qualidade.
A ilusão de que tudo está no seu lugar se
manifesta na insistência de fechar ano após ano no vermelho. Pelas regras do
arcabouço fiscal concebidas pela equipe econômica, a meta pode ser considerada
cumprida se ficar dentro de uma faixa equivalente a 0,25 ponto percentual do
PIB, tanto para cima como para baixo. Na teoria, a banda serviria para acomodar
choques inesperados. Na prática, o governo tem sempre mirado o piso.
Em 2024, o centro da meta era o equilíbrio
entre receitas e despesas, mas o ano fechou com déficit. Em 2025, o objetivo
continua o mesmo, e, após a liberação de gasto anunciada nesta semana, o
consenso é que o governo repetirá o erro, deixando que a trajetória da dívida
pública siga em alta.
Um agravante é o roteiro trágico das
decisões. Entre as justificativas para o descongelamento, uma não é recorrente
(a injeção de receita de leilão do pré-sal previsto para novembro), e a outra é
prejudicial para o ambiente de negócios (o aumento de arrecadação causado em
parte pela alta da tributação).
Nada de avanço em reformas estruturais
capazes de gerar dinâmicas positivas e duradouras. Nenhum sinal do debate sobre
a necessidade de desvincular o mecanismo de reajuste do salário mínimo dos
benefícios previdenciários, situação que eleva os gastos do INSS e implode as
despesas obrigatórias.
A inação é catastrófica, mas o governo
consegue ir além. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023 é um
pacotão de leniência fiscal. Aprovada na Câmara na semana passada, voltou ao
Senado, onde deveria ser esquecida. O texto impõe limite anual ao pagamento de
dívidas de estados e municípios reconhecidas pela Justiça sem possibilidade de
recurso — os precatórios. A lógica do “devo, não nego, um dia eu pago” é um
incentivo à irresponsabilidade fiscal.
Para o governo federal, a PEC permite o envio
ao BNDES de recursos presos em fundos públicos. Como ressalta o economista
Marcos Mendes, em vez de reduzir o endividamento, esse dinheiro será emprestado
de forma subsidiada pelo Tesouro. Tem mais. A PEC abre espaço no teto fiscal
para gastos extras de R$ 12 bilhões. É evidente a falta de compromisso do
Executivo e do Congresso na busca por soluções de um problema que só aumenta.
São bem-vindas as iniciativas para recuperar
celulares roubados no Rio
O Globo
No Piauí, programa semelhante reduziu crimes
em 41%. Mas também é preciso atacar fontes de receptação
São positivas as ações das autoridades de
segurança do Rio para recuperar celulares furtados ou roubados e devolvê-los a
seus donos. Na terça-feira, a polícia restituiu às vítimas 1,4 mil aparelhos
retomados por meio da Operação Rastreio, que, desde maio, já resultou na
recuperação de 4,7 mil telefones e na prisão de 270 suspeitos em todo o estado.
As devoluções, informadas previamente, são feitas em geral no auditório da
Cidade da Polícia, no Jacarezinho, Zona Norte da cidade.
Para que o bem possa ser recuperado, a
polícia tem orientado as vítimas a fazer o registro do crime, numa delegacia ou
on-line, informando o IMEI do telefone, número que identifica cada aparelho.
Isso permite que ele seja rastreado. Quem estiver usando indevidamente um
celular furtado ou roubado, ainda que sem conhecimento, receberá uma
notificação da polícia para devolvê-lo em até 48 horas, sob pena de ser
indiciado por receptação. Os avisos são dados por meio de mensagens ou contato
direto. Dos cerca de 3 mil usuários notificados no Rio, em torno de mil os
devolveram de forma voluntária.
A iniciativa fluminense segue o modelo
bem-sucedido do Piauí,
adotado também por outros estados. Em 2023 e 2024, as notificações enviadas a
usuários de aparelhos furtados ou roubados no estado do Nordeste resultaram na
recuperação de mais de 10 mil telefones, avaliados em cerca de R$ 21 milhões.
Segundo o governo piauiense, os roubos de celulares caíram 41% nos últimos dois
anos. As ações contribuíram também para desarticular quadrilhas de
receptadores. No caso do Rio, será preciso monitorar, por meio de evidências,
se a política pública terá efeito na redução dos delitos.
Os roubos e furtos de celulares são um tipo
de crime que tem se multiplicado, desafiando as autoridades de segurança e
acuando os cidadãos. No Brasil, quase dois aparelhos são levados a cada minuto,
segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No Rio, entre janeiro e
abril deste ano, os roubos de celulares cresceram 34% em comparação ao mesmo
período de 2024, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Apenas dez dos
147 bairros da capital concentraram um terço dos 14.196 casos registrados em 2024,
mostra o Mapa do Crime, ferramenta do GLOBO criada a partir de dados oficiais.
O rastreamento de aparelhos roubados ou
furtados e a notificação a quem os usa indevidamente são úteis para reduzir a
profusão de crimes, mas é preciso atacar também as fontes de receptação. No
camelódromo da Rua Uruguaiana, no Centro do Rio, as vendas continuam a
acontecer, embora de forma discreta. Não são incomuns as abordagens a pedestres
com ofertas de celulares por preços bem abaixo do mercado. Isso mostra que,
apesar das operações da polícia, elas não são suficientes para coibir a
prática.
Além de colocarem as vítimas em risco, os
roubos de celulares são uma porta aberta para outros delitos, como os golpes
financeiros. Por trás de muitos dos aparelhos devolvidos, se escondem histórias
de violência que
poderiam ter sido evitadas.
Tarifas continuam subindo após acordos com os
EUA
Valor Econômico
Isso não é um bom sinal para o Brasil, que
enfrenta uma ameaça de tarifas de 50%, a mais alta depois da China
O governo americano anunciou novos acordos
com países que querem evitar as pesadas tarifas “recíprocas” que o presidente
Donald Trump ameaçou instituir em oito dias, a 1 de agosto. Contemplados com
taxações que tornariam impossível exportar suas mercadorias para os EUA, os
países asiáticos em especial — Japão, Indonésia, Filipinas e Vietnã — fecharam
entendimentos de abertura de mercados, fim de barreiras não tarifárias e
reduções dos impostos de importação de bens dos EUA com gravames menores do que
Trump ameaçou, mas superiores aos 10% hoje cobrados. A tática de Trump é velha
e não tem segredos: pedir o máximo para obter mais concessões. A grande
diferença é que são os EUA, a economia mais aberta e a maior do mundo, que
estão fazendo isso, com ultimatos unilaterais que passam por cima de todas as
regras de comércio estabelecidas e, às vezes, da própria razão econômica.
Ao contrário do que Trump diz, o reduzido
número de acordos não indica uma corrida de dezenas de países contra o tempo
para negociar com os EUA. Um dos possíveis motivos é a própria hesitação do
presidente americano, cujas decisões e recuos são desnorteantes até mesmo para
as próprias autoridades americanas. Para um dos objetivos relevantes de Trump,
a redução do déficit quase trilionário do país (US$ 1,21 trilhão em 2024), o
acordo mais relevante até agora foi feito com o Vietnã, que teve superávit de US$
123,5 bilhões com os EUA e estava ameaçado de pagar em agosto uma taxa de 46%.
O entendimento impõe tarifa de 20% de
ingresso no mercado americano, e outra de 40% em casos de “transbordo” de
mercadorias de outros países (leia-se China) que sejam exportadas pelo país.
Desde as primeiras retaliações de Trump contra a China, em seu primeiro
mandato, Pequim aumentou o investimento fabril no Vietnã, a partir do qual
buscou escapar do cerco contra suas exportações. Filipinas, com 19% de tarifas,
e Indonésia, com 19%, desmontaram parte de suas proteções tarifárias, e, no
caso indonésio, as não tarifárias também. A Indonésia livrou-se de algo bem
pior, taxação de 32%, mas as Filipinas, não — dos 20% da ameaça, acabou com
tarifas de 19%.
Para outro objetivo de Trump, o de atrair
investimentos em fábricas no país, o entendimento com o Japão, a quarta maior
economia do mundo, foi o mais importante até o momento. Com um superávit
comercial de US$ 63 bilhões com os EUA, o governo japonês evitou taxação de 20%
aceitando 15%, mas com vantagens. Grande exportador de automóveis, conseguiu
incluir a redução de 25% para 15% na tarifa de importação de veículos e peças,
menor do que as montadoras americanas estão pagando para trazer as mesmas mercadorias
do principal parceiro comercial, o México. Japão teria prometido investimentos
de US$ 550 bilhões nos EUA.
Não há ainda acerto, no entanto, com os dois
principais responsáveis pelos déficits americanos, a China e a União Europeia.
Somados, obtiveram resultado positivo de US$ 531 bilhões nas relações com o
país, praticamente a metade do rombo comercial registrado. A China, vilã número
um da política americana — paga tarifas provisórias de 30% —, tem prazo de até
12 de agosto para conseguir um entendimento com Trump, que insinua uma reunião
direta com o presidente Xi Jinping. Os EUA acenaram com concessões ao liberarem
a venda de chips de última geração da Nvidia para o país, abrindo brecha em um
cerco já delineado desde a administração do democrata Joe Biden.
Há rumores de conclusão de um acordo com a
União Europeia em torno de tarifas de 15%, após Trump vociferar que cobraria
30%. Os 15% incluiriam tarifas de 10% atuais, que incidiram sobre 4,8% já
existentes. Ou seja, não haveria aumento adicional da taxação, e os carros
europeus, que pagam 27,5% na aduana, passariam a pagar também 15%. A UE tem
pronto um pacote de represálias aos EUA de 90 bilhões e não há um consenso
interno entre os países sobre o melhor caminho a tomar em relação a Washington
— entendimento ou confronto. Dobrar a UE é o que falta para Trump declarar
vitória em sua guerra tarifária. A capitulação europeia desencorajaria
tentativas de retaliação contra os EUA por países economicamente menos
poderosos.
Ainda que a guerra tarifária na verdade mal
tenha começado, os acordos revelam que, depois dos 10% iniciais, a taxação
americana continua subindo mesmo com concessões de variados graus feitas aos
EUA. Não é um bom sinal para o Brasil. O Reino Unido, que também tem déficit
comercial com os EUA, pagará 10%, o pedágio mínimo para ingressar no mercado
americano.
Ao ameaçar com tarifas de 50% os produtos
brasileiros, o maior nível de todos os países, exceto China, o governo
americano exigirá vantagens em troca. Por óbvio, Washington não insistirá no
esdrúxulo fim da “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mas em
vantagens materiais significativas. Resta saber o que o governo brasileiro tem
a oferecer para evitar uma taxação que na prática alija os produtos brasileiros
do solo americano. Dada a importância do Brasil na produção de commodities
relevantes no custo de vida dos EUA (soja, café, suco de laranja e carnes),
alguma barganha positiva é possível.
Governo segue na trilha de aumentar os gastos
Folha de S. Paulo
Alta de receitas poderia contribuir para
equilibrar as contas, mas Lula mina crescimento do PIB com elevação de despesas
Mesmo com o avanço na performance das
receitas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) resiste em
perseguir melhora mais consistente das contas públicas, como demonstrado em
novas estimativas do Tesouro Nacional.
A recente alta da arrecadação permitiu
redução significativa do contingenciamento de gastos previsto, que passou de R$
20,7 bilhões para zero. Embora o bloqueio de despesas tenha sido elevado
ligeiramente, foram
liberados R$ 20,6 bilhões da contenção anterior de R$ 31,3 bilhões, o
que permitirá ainda o pagamento de emendas parlamentares.
O contingenciamento, que congela dispêndios
para cumprir a meta fiscal quando há frustração de receitas, foi eliminado
porque o resultado primário projetado atingiu R$ 26,3 bilhões, dentro da margem
de tolerância de 0,25% abaixo do PIB (R$ 31
bilhões).
Já o bloqueio, que limita gastos
discricionários para respeitar o teto de crescimento real de 2,5% do arcabouço
fiscal, foi mantido para compensar o aumento de despesas obrigatórias,
especialmente com o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A arrecadação continua a apresentar
resultados positivos, com crescimento real de 8,5% no acumulado do ano. A
manutenção das receitas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em R$ 8,4
bilhões também contribuiu, assim como a antecipação de ganhos com o leilão de
excedentes de petróleo do
pré-sal, que deve gerar quase R$ 15 bilhões.
Considerando ainda as despesas de R$ 45,3
bilhões com o pagamento de precatórios e o crédito extraordinário de R$ 3,3
bilhões para
ressarcir aposentados lesados do INSS, que não contam para a meta fiscal, o
rombo neste ano deve ficar em R$ 74,9 bilhões.
Note-se que o esforço fiscal se dá apenas com
medidas de arrecadação, muitas pontuais, enquanto o governo falha em adotar
restrições estruturais.
A
revisão de programas sociais para otimizar recursos e focar nos mais
vulneráveis não avança. A necessária desvinculação da Previdência
Social do salário
mínimo e a revisão dos indexadores de gastos com saúde e educação, que
crescem acima do limite do arcabouço fiscal, também são evitadas pela gestão
petista.
Essas reformas são essenciais para alinhar os
gastos ao crescimento da economia e
evitar a compressão de investimentos.
Como resultado, a dívida federal segue
trajetória preocupante e deve subir 10 pontos percentuais, para mais de 82% do
PIB nos quatro anos sob Lula.
O dano colateral é o aumento desmesurado das
despesas com juros,
que deve chegar a 8,5% do PIB neste ano, um recorde mundial a concentrar mais a
renda.
A falta de medidas robustas para conter os
gastos obrigatórios e a dependência de receitas extraordinárias revelam uma
conduta irresponsável que manterá o país na armadilha dos juros altos e da
desconfiança, com danos para o crescimento econômico e o avanço social
sustentável.
Mortes sem punição
Folha de S. Paulo
Baixa taxa de responsabilização em casos de
homicídio por policiais evidencia a impunidade que incentiva truculência
Como se não bastasse o elevado e inaceitável
número de mortes causadas por policiais no Brasil, a punição dos
agentes é escassa. Eventos que envolvem esse tipo de crime, em sua maioria, nem
sequer chegam a ser processados como homicídios que devem ser esclarecidos.
Entre 2011 e 2023, as 7.920 mortes por forças
de segurança no estado de São Paulo geraram
7.641 inquéritos, mas
só 9% deles (691) levaram a denúncias pelo Ministério
Público. No Rio de
janeiro, a taxa foi ainda menor, 3,7% —147 denúncias entre 4.014 inquéritos
oriundos de 12.789 assassinatos.
Os números revelam que o órgão enfrenta
dificuldades para cumprir a sua missão constitucional de atuar como controle
externo da atividade policial.
Os dados integram a pesquisa "Quem
Controla as Polícias? A Atuação do Ministério Público Diante da Letalidade
Policial", do Fórum Justiça, ONG que atua no setor de direitos humanos.
E há mais evidências. O Centro de Pesquisa
Aplicada em Direito e Justiça Racial da Fundação Getulio Vargas (FGV) publicou,
em maio, um estudo no qual analisou 859 procedimentos criminais,
de 2018 a 2024, sobre mortes em ações policiais no estado de São Paulo. Nenhum
agente foi denunciado pelo Ministério Público.
Uma das falhas institucionais é a falta de
transparência e padronização das informações sobre os casos —segundo o estudo
do Fórum Justiça, o Ministério Público da Bahia, por exemplo, não dispõe de
dados sobre o tema.
O país também carece de perícias
independentes. Sem elas, a Justiça muitas vezes acaba se baseando só na palavra
do agente.
Ademais, há intermitência nos grupos internos
dos MPs responsáveis por fiscalizar a atuação policial. No Rio de Janeiro, o
órgão foi extinto em 2021 e só foi recriado em fevereiro deste ano; os estados
que possuem entidade similar ainda são minoria no Brasil.
O resultado é a impunidade. O jornal O Globo
revelou neste mês que, numa amostra de 1.293 casos envolvendo mortes por PMs na
capital paulista, ínfimos 2% levaram a condenações.
Com a PEC da Segurança emperrada no Congresso
Nacional, o governo federal sem um plano efetivo para o setor e omissões do
sistema de justiça e de gestões estaduais em coibir tal violência, o
cenário para a população —notadamente a de baixa renda— é desolador.
É preciso um esforço integrado nos três Poderes para instituir e manter políticas de segurança baseadas em inteligência, não em truculência. O Estado de Direito exige que a redução da criminalidade seja acompanhada pela proteção dos direitos humanos.
Os hunos do Congresso
O Estado de S. Paulo
A título de salvar seu encalacrado líder,
parlamentares bolsonaristas não se importam em tumultuar o País com ameaças de
impeachment de ministro do STF e a defesa de uma inaceitável anistia
A horda bolsonarista instalada no Congresso
reagiu às medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro para
gritar a quem quis ouvir: a partir de agosto, com o fim do recesso parlamentar,
a prioridade dessa turma será trabalhar pelo impeachment do ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reavivar o projeto de anistia aos
golpistas envolvidos no 8 de Janeiro, definidos por eles como “presos
políticos”, e desengavetar um projeto de emenda constitucional que acaba com o
foro especial por prerrogativa de função para crimes comuns, mantendo-o apenas
para a cúpula dos Três Poderes e o vice-presidente da República – engenharia
nada sutil para tirar do Supremo processos como o que está em curso contra
Bolsonaro. O grupo de parlamentares, liderado pelo PL, partido do
ex-presidente, também planeja organizar um discurso “unificado” e organizar
atos pelo Brasil em apoio a Bolsonaro e contra as decisões do STF.
Nenhuma dessas iniciativas tem grandes
chances de prosperar na Câmara e no Senado, mas esses liberticidas estão mais
interessados em outra coisa. Apostam, antes de tudo, em sua capacidade de
espalhar brasas onde já há fogo e levar adiante pautas que funcionam como
bandeiras simbólicas para mobilizar a militância, difundir a falsa ideia de que
o País está sob uma ditadura do Judiciário, servir de arma para o discurso
vitimista de Bolsonaro e, sobretudo, produzir inimigos e criar um ambiente de
convulsão social. Para essa tropa, como resumiu a senadora Damares Alves
(Republicanos-DF), só há dois inimigos a enfrentar: Lula da Silva e Alexandre
de Moraes, como se culpados fossem pelas sanções impostas ao Brasil por Donald
Trump.
Nada surpreendente para um grupo que
representa um ideário que se fez no caos, na mentira e na distorção da
realidade – e disso se alimenta. Não se deve tirar-lhes o direito de espernear
e produzir factoides para satisfazer os próprios delírios, pois afinal vivemos
numa democracia. Mas não nos deixemos enganar pela natureza da coisa. Assim
como ocorreu com os vândalos golpistas que, entre o fim de 2022 e o início de
2023, ultrapassaram a fronteira da liberdade de expressão e de mobilização,
está-se diante de mais um capítulo do longo enredo de desprezo do bolsonarismo
pelas instituições.
Fiel à violência política congênita do seu
principal líder, o bolsonarismo sempre se mostrou como um ideário retrógrado,
personalista e antinacional, mas hoje seus sabujos só se prestam a uma causa:
proteger o encalacrado padrinho. Para tanto, vale tudo, especialmente a
retórica destrutiva que afronta instituições, intimida adversários e despreza a
paz social e política desejada pela maioria dos brasileiros. Pugnar pelo
impeachment de ministros do STF, demonizar o Judiciário, pregar uma anistia
“ampla, geral e irrestrita” ou alinhar-se vexatoriamente a Trump em sua
ofensiva para prejudicar o Brasil hoje equivale àquilo que, no passado recente,
destinou-se a desacreditar as urnas eletrônicas, instilar dúvidas sobre o
processo eleitoral e criar o clima para a ruptura.
Vale tudo, desde que seja a serviço de uma
causa que nada tem a ver com as reais necessidades do País nem com o suposto
vezo autoritário do STF. É tudo apenas para salvar Bolsonaro da cadeia – algo
que, na sintaxe bolsonarista, equivale a salvar a democracia. Mas é pura
malandragem, pois, como se sabe, o mito fundador do bolsonarismo jamais pensou
em outra coisa senão nele mesmo e na sua família.
Esse método está no manual do guerrilheiro
bolsonarista, que ensina a tumultuar para triunfar. Bolsonaro passou a vida
destilando ódio em seus atos e falas – seja como mau militar, quando manchou a
farda com sua indisciplina, seja como deputado, quando defendeu o fechamento do
Congresso e o fuzilamento de adversários, seja como presidente, quando ameaçou
jornalistas, desacreditou o sistema de votação e sabotou a vacina contra a
covid-19 só porque foi produzida por um adversário político. Como toda força
reacionária e destrutiva, os bolsonaristas atuam como os hunos: por onde
passam, nem grama nasce.
A fé que move o Orçamento
O Estado de S. Paulo
Com retomada do decreto do IOF e expectativa
de arrecadação extra com petróleo, governo Lula zera contingenciamento, libera
emendas parlamentares e empurra desequilíbrio fiscal para a frente
Baseado na expectativa de arrecadar mais no
segundo semestre deste ano, o governo Lula da Silva liberou R$ 20,6 bilhões em
gastos que havia congelado no fim de maio para cumprir as regras fiscais. O
alívio foi possível após a reabilitação do decreto presidencial que elevou o
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e
a inclusão das projeções de receitas extraordinárias oriundas do pré-sal. Com o
IOF e o leilão e a comercialização do excedente de produção de petróleo dessas
áreas, o governo conseguiu reduzir a zero o contingenciamento e – o mais
importante para a equipe econômica – não terá de mudar a meta fiscal.
Há dúvidas sobre se o leilão de petróleo, com
o qual a União espera arrecadar R$ 14,78 bilhões, realmente ocorrerá no dia 26
de novembro, mas o papel parece aceitar tudo. O aumento da produção nos campos
que já estão ativos deve render R$ 3,4 bilhões, e o IOF, entre julho e
dezembro, R$ 8,4 bilhões.
A cúpula do Congresso jamais vai admitir, mas
a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, acabou
por ser bastante benéfica aos deputados e senadores. Sem ela, o governo não
teria como liberar os recursos que haviam sido contingenciados há dois meses e,
provavelmente, teria até de ampliar o bloqueio de emendas parlamentares.
De um lado, com a aprovação do decreto
legislativo que derrubou o aumento do IOF, o Legislativo conseguiu manter o
discurso em defesa de uma sociedade farta de aumento de impostos, deixando o
ônus de uma medida tão impopular para o Executivo e o STF. De outro, com a
derrubada do ato pelo STF, o governo pôde liberar R$ 4,7 bilhões de um total de
R$ 7,1 bilhões em emendas parlamentares que haviam sido bloqueadas, de acordo
com o secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Clayton
Montes.
A má notícia do relatório não é novidade e
está, como sempre, no lado das despesas. A previsão de gastos com o Benefício
de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência em
condições de vulnerabilidade, aumentou cerca de R$ 2,9 bilhões, de R$ 121,8
bilhões para R$ 124,7 bilhões.
Mas, no cômputo geral, o governo pôde
respirar aliviado. O Executivo até teve de elevar o bloqueio de dispêndios
discricionários para não ultrapassar o limite de despesas do arcabouço, mas em
apenas R$ 100 milhões desde a edição anterior do relatório, para R$ 10,7
bilhões. Para garantir alguma margem de manobra, a liberação de despesas
continuará a ser feita de maneira gradual.
Embora as despesas discricionárias somem R$
221 bilhões neste ano, o Executivo autorizou os ministérios a gastarem, no
máximo, R$ 135 bilhões até o fim deste mês, o que explica as dificuldades das
agências reguladoras e o atraso na compra de livros didáticos pelo Ministério
da Educação.
Mesmo contando com receitas incertas, o
governo garante que conseguirá atingir o déficit zero. Em primeiro lugar,
porque seu objetivo é o limite inferior, que permite um déficit de até 0,25% do
Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 31 bilhões. Em segundo lugar, porque não
terá de contabilizar algumas despesas, como parte dos precatórios e a devolução
dos descontos indevidos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do
INSS, que fariam o rombo mais que dobrar.
Os dados do relatório reforçam que o problema
do Orçamento está no lado das despesas, e não das receitas. Da forma como a
peça está hoje, não há espaço para acomodar qualquer surpresa, como o eventual
plano de contingência para ajudar os exportadores afetados pelo tarifaço
norte-americano.
Por mais que o governo Lula tenha colhido
frutos, em termos de popularidade, ao explorar a narrativa de “ricos contra
pobres”, fato é que nem o aumento do IOF nem a taxação dos mais ricos resolverá
o desequilíbrio fiscal.
Mas não será agora, a menos de um ano e meio
das eleições presidenciais, que esse debate avançará. Até lá, nem o presidente
Lula nem o Congresso e muito menos o Judiciário pretendem ouvir falar em corte
de gastos ou reformas estruturais.
O Japão também sucumbiu
O Estado de S. Paulo
O populismo avança como resposta a um governo
japonês fraco e desconectado
Por muito tempo, o Japão parecia imune às
tempestades populistas que varreram outras democracias. Sua estabilidade
institucional, sua cultura política avessa a rupturas e a hegemonia quase
ininterrupta do Partido Liberal Democrata (PLD) desde 1955 formavam uma espécie
de escudo contra os impulsos radicais que insuflaram o Ocidente. Esse escudo
acaba de ruir. O resultado das eleições para a Câmara Alta, somado ao revés
anterior na Câmara Baixa, confirmou o colapso da coalizão governista e abriu as
comportas para um ciclo de fragmentação, radicalização e volatilidade.
Mais do que eleitoral, a erosão do PLD é
simbólica, geracional e estrutural. O partido foi incapaz de se reinventar após
a morte de Shinzo Abe, mergulhou em escândalos de financiamento ilegal, perdeu
a conexão com os jovens e pareceu paralisado ante uma inflação persistente. A
resposta – prometer um bônus de 20 mil ienes por cidadão – foi
contraproducente, reforçando a imagem de um governo oportunista, desconectado e
carente de visão.
Nesse vácuo, emergem forças novas, mas não
necessariamente renovadoras. O Sanseito, partido nacionalista que há pouco era
um canal conspiracionista no YouTube, saltou de 1 para 14 cadeiras no Senado.
Inspirado no “America first” de Donald Trump, aposta no ressentimento
econômico, no medo cultural e numa retórica combativa que mistura turismo,
câmbio fraco e mão de obra estrangeira como sintomas de uma suposta “invasão”.
Sua base é jovem, conservadora, ativa nas redes e refratária à imprensa
tradicional.
Mas o populismo não é monopólio da direita
radical. O Partido Democrático para o Povo, tecnocrático no conteúdo e
populista na forma, tornou-se ator central da nova legislatura. Com forte apelo
digital e propostas fiscalmente temerárias voltadas à renda da população ativa,
apoio às famílias e carga tributária, o partido cresceu de 7 para 28 deputados
e hoje dita a agenda do governo minoritário.
A polarização ainda não assumiu a virulência
de outras partes do mundo. Mas o alerta está dado. O sistema partidário
tradicional se fragmentou. A lógica de coalizões estáveis cedeu a arranjos ad
hoc. O centro político, que por décadas domesticou os radicais, sucumbe à
pressão dos extremos.
É tentador tratar o populismo como causa da
crise. Mas ele é antes sintoma – da estagnação econômica crônica, do
envelhecimento demográfico, do declínio geopolítico, da ansiedade com a
imigração e do desencanto com elites surdas aos anseios do país real. Ignorar
essas fontes de frustração é o caminho mais curto para agravá-las.
Pode ser que essa seja só uma fase de
desabafo coletivo, que logo cederá à rotina institucional. Mas é possível que o
Japão esteja entrando numa era política mais ruidosa, instável e imprevisível.
Seja qual for o cenário, cabe às forças liberais e moderadas liderar uma
resposta – não com promessas vazias ou mímicas dos populistas, mas com reformas
responsáveis, comunicação clara e um esforço renovado de reconexão com a
sociedade.
O Japão, que parecia à margem da história
política contemporânea, agora a reencontra – com todas as suas turbulências.
Falta de livros pode comprometer avanços na
educação
Correio Braziliense
Não sobram evidências de que comprometer o
fornecimento dos livros didáticos tem efeito significativo no processo de
aprendizagem, a curto e longo prazo
"O possível apagão de livros didáticos
joga contra projetos do próprio governo para avanços na pasta" - (crédito:
Agencia Brasil)
A falta de verbas levou o Ministério da
Educação (MEC) a comunicar a editoras responsáveis pelos livros didáticos que
haverá mudanças na aquisição das obras para o ano letivo de 2026. Em nota, o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado à pasta e
responsável pelas compras, anunciou que, diante do "cenário orçamentário
desafiador" fará a "compra escalonada" do material destinado ao
ensino fundamental e vai definir as estratégias a serem adotadas para o suporte
aos alunos do ensino médio. A decisão impõe outro desafio. O possível apagão de
livros didáticos joga contra projetos do próprio governo para avanços na pasta,
como a redução da evasão escolar e melhora em indicadores de qualidade do
ensino.
Segundo a Associação Brasileira de
Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), em termos práticos, em não
havendo recomposição orçamentária, o escalonamento a ser adotado significa
priorizar a compra de livros de português e matemática para o ensino
fundamental. Estudantes do primeiro ciclo (do primeiro ao quinto ano) devem
receber livros novos dessas disciplinas e livros reutilizados para as demais
áreas de aprendizagem, quando previstas. Para o sexto ao nono ano, haverá
apenas algumas reposições em português e matemática.
Reutilizar livros é prática comum na educação
pública. Em séries iniciais, porém, pintar, rabiscar e escrever nesse material
faz parte do processo de aprendizagem, dificultando o reuso. Portanto, não é
exagero afirmar que o repasse de livros não indicados poderá afetar a qualidade
dos estudos e, sobretudo, avanços conquistados. O mais recente Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2023, indica, por exemplo, que
estudantes até o quinto ano fundamental conseguiram recuperar o desempenho nas
provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) a patamares de 2019,
anteriores à pandemia da covid-19.
Em relação ao ensino médio, trabalha-se com a
possibilidade de que 60% dos alunos recebam livros já atualizados com as
mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio no começo de 2026, e os 40%
restantes, apenas em junho. Em implementação, o Novo Ensino Médio altera a
grade curricular "considerando as novas demandas e complexidades do mundo
do trabalho e da vida em sociedade". Uma das principais críticas à
política, porém, é a possibilidade de aumentar a desigualdade no acesso
às universidades. Atrasos na entrega de material didático certamente caminham
no sentido dessas distorções, além de demandar soluções paliativas aos já
sobrecarregados profissionais da educação pública.
O cenário de falta de livros também tende a
tensionar outra frente de preocupação do Executivo: a evasão escolar. A relação
entre os dois fenômenos é clara. E a intenção do governo de reduzir o índice de
abandono, sobretudo no ensino médio, também. Basta se lembrar de todo o
holofote direcionado ao programa Pé-de-Meia.
Não sobram evidências de que comprometer o fornecimento dos livros didáticos tem efeito significativo no processo de aprendizagem, a curto e longo prazo. Especialistas alertam que, mesmo nas maiores crises econômicas, nunca se começou um ano letivo com a decisão de não ter esse material didático. O FNDE reconhece "a importância inequívoca de manutenção do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) para a educação pública do Brasil". É essencial, portanto, buscar alternativas para evitar um possível apagão de livros ou convencer a sociedade de que as estratégias a serem tomadas não vão estrear um novo período de perdas na aprendizagem.
Beneficiários deixam o Bolsa Família por emprego
O Povo (CE)
Dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged) referentes ao mês de julho, mostram que quase um milhão
de pessoas saíram da pobreza graças ao Bolsa Família
Recentemente o empresário Ricardo Faria,
conhecido como Rei do Ovo, afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo,
que as pessoas estão "viciadas" no Bolsa Família. "Não temos nem
a chance de trazer essas pessoas para treinar (nas empresas) e conseguir dar
uma vida melhor, porque elas estão presas no programa", disse ele.
Ao mesmo jornal, no início do ano, Rubens
Menin, fundador da construtora MRV, do banco Inter e da CNN Brasil, disse que o
Brasil precisava reduzir os valores destinados ao benefício de prestação
continuada (BPC) e do Bolsa família. "Não temos dinheiro para isso",
afirmou.
Desde o início do Bolsa Família, no primeiro
governo Lula (2003), pode-se listar dezenas de declarações de empresários no
mesmo sentido. Apesar de todas as evidências em contrário, as críticas partem
do princípio equivocado que os investimentos sociais são um peso insuportável
para o País.
Além disso, por essa visão tortuosa e nunca
comprovada, o programa promoveria a "acomodação" do trabalhador, que
deixaria de procurar emprego para viver pendurado em programas sociais.
Mais uma vez esse discurso preconceituoso com
relação às pessoas de baixa renda é desmentida pelos fatos. Dados do Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados (Caged) referentes ao mês de julho, mostram
que quase um milhão de pessoas, 958 mil exatamente, saíram da pobreza graças ao
Bolsa Família.
Segundo dados do Caged, 98% dos empregos
formais gerados em 2024 foram preenchidos por integrantes do CadÚnico e 75% das
vagas foram ocupadas por beneficiários do programa de transferência de renda do
governo federal.
Ou seja, os números vão na direção contrária
daqueles que dizem que os programas sociais são um fator de desestímulo, que
impede a pessoa de sair de uma situação de vulnerabilidades.
O portal da Secretaria de Comunicação Social
(Secom) reproduziu a experiência de pessoas que deixaram o programa, mostrando
como o Bolsa Família foi importante para a superação da pobreza.
Um desses depoimentos é de Dayane Carvalho,
moradora de Careiro da Várzea (AM), uma cidade ribeirinha com cerca de 20 mil
habitantes. Ela disse que permaneceu no programa por quase 10 anos. Hoje
trabalha como técnica de enfermagem, curso que concluiu como o auxílio do Bolsa
Família. Dayane diz que foi com o programa de transferência de renda que ela
conseguiu manter a família, enquanto estudava. "Hoje consegui a
independência", disse ela, "espero que ajude outras famílias, assim
como ajudou a minha".
Com mais de 20 anos de existência, o Bolsa Família — um dos maiores programas de transferência do mundo —, merece um olhar mais generoso de todos os brasileiros, não por benevolência, mas pelos resultados positivos que já entregou nas tarefas que se propôs a realizar, em favor dos brasileiros mais vulneráveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário