quinta-feira, 24 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Liberação de gasto expõe incúria fiscal do governo

O Globo

Decisão de descongelar R$ 20,7 bilhões ignora trajetória alarmante do endividamento público

A decisão do governo de liberar o gasto de R$ 20,7 bilhões que estavam congelados é uma chance perdida — mais uma — de buscar o equilíbrio das contas públicas. Com a medida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comprova não dar a devida atenção à gravidade da situação fiscal.

De normal, o endividamento brasileiro nada tem. Mantido o rumo atual, a dívida bruta deverá crescer 10 pontos percentuais no atual mandato e chegar, pelos cálculos oficiais, a 82% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026, bem acima da média dos países emergentes (65%). Preocupado em se reeleger, o presidente prioriza o curto prazo, com mais dinheiro sendo usado para manter a economia aquecida. Mas não é tão difícil entender por que tal situação é insustentável e desastrosa. Uma hora a conta do endividamento descontrolado chega, com investimentos inibidos e queda na criação de postos de trabalho de qualidade.

A ilusão de que tudo está no seu lugar se manifesta na insistência de fechar ano após ano no vermelho. Pelas regras do arcabouço fiscal concebidas pela equipe econômica, a meta pode ser considerada cumprida se ficar dentro de uma faixa equivalente a 0,25 ponto percentual do PIB, tanto para cima como para baixo. Na teoria, a banda serviria para acomodar choques inesperados. Na prática, o governo tem sempre mirado o piso.

Em 2024, o centro da meta era o equilíbrio entre receitas e despesas, mas o ano fechou com déficit. Em 2025, o objetivo continua o mesmo, e, após a liberação de gasto anunciada nesta semana, o consenso é que o governo repetirá o erro, deixando que a trajetória da dívida pública siga em alta.

Um agravante é o roteiro trágico das decisões. Entre as justificativas para o descongelamento, uma não é recorrente (a injeção de receita de leilão do pré-sal previsto para novembro), e a outra é prejudicial para o ambiente de negócios (o aumento de arrecadação causado em parte pela alta da tributação).

Nada de avanço em reformas estruturais capazes de gerar dinâmicas positivas e duradouras. Nenhum sinal do debate sobre a necessidade de desvincular o mecanismo de reajuste do salário mínimo dos benefícios previdenciários, situação que eleva os gastos do INSS e implode as despesas obrigatórias.

A inação é catastrófica, mas o governo consegue ir além. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023 é um pacotão de leniência fiscal. Aprovada na Câmara na semana passada, voltou ao Senado, onde deveria ser esquecida. O texto impõe limite anual ao pagamento de dívidas de estados e municípios reconhecidas pela Justiça sem possibilidade de recurso — os precatórios. A lógica do “devo, não nego, um dia eu pago” é um incentivo à irresponsabilidade fiscal.

Para o governo federal, a PEC permite o envio ao BNDES de recursos presos em fundos públicos. Como ressalta o economista Marcos Mendes, em vez de reduzir o endividamento, esse dinheiro será emprestado de forma subsidiada pelo Tesouro. Tem mais. A PEC abre espaço no teto fiscal para gastos extras de R$ 12 bilhões. É evidente a falta de compromisso do Executivo e do Congresso na busca por soluções de um problema que só aumenta.

São bem-vindas as iniciativas para recuperar celulares roubados no Rio

O Globo

No Piauí, programa semelhante reduziu crimes em 41%. Mas também é preciso atacar fontes de receptação

São positivas as ações das autoridades de segurança do Rio para recuperar celulares furtados ou roubados e devolvê-los a seus donos. Na terça-feira, a polícia restituiu às vítimas 1,4 mil aparelhos retomados por meio da Operação Rastreio, que, desde maio, já resultou na recuperação de 4,7 mil telefones e na prisão de 270 suspeitos em todo o estado. As devoluções, informadas previamente, são feitas em geral no auditório da Cidade da Polícia, no Jacarezinho, Zona Norte da cidade.

Para que o bem possa ser recuperado, a polícia tem orientado as vítimas a fazer o registro do crime, numa delegacia ou on-line, informando o IMEI do telefone, número que identifica cada aparelho. Isso permite que ele seja rastreado. Quem estiver usando indevidamente um celular furtado ou roubado, ainda que sem conhecimento, receberá uma notificação da polícia para devolvê-lo em até 48 horas, sob pena de ser indiciado por receptação. Os avisos são dados por meio de mensagens ou contato direto. Dos cerca de 3 mil usuários notificados no Rio, em torno de mil os devolveram de forma voluntária.

A iniciativa fluminense segue o modelo bem-sucedido do Piauí, adotado também por outros estados. Em 2023 e 2024, as notificações enviadas a usuários de aparelhos furtados ou roubados no estado do Nordeste resultaram na recuperação de mais de 10 mil telefones, avaliados em cerca de R$ 21 milhões. Segundo o governo piauiense, os roubos de celulares caíram 41% nos últimos dois anos. As ações contribuíram também para desarticular quadrilhas de receptadores. No caso do Rio, será preciso monitorar, por meio de evidências, se a política pública terá efeito na redução dos delitos.

Os roubos e furtos de celulares são um tipo de crime que tem se multiplicado, desafiando as autoridades de segurança e acuando os cidadãos. No Brasil, quase dois aparelhos são levados a cada minuto, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No Rio, entre janeiro e abril deste ano, os roubos de celulares cresceram 34% em comparação ao mesmo período de 2024, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Apenas dez dos 147 bairros da capital concentraram um terço dos 14.196 casos registrados em 2024, mostra o Mapa do Crime, ferramenta do GLOBO criada a partir de dados oficiais.

O rastreamento de aparelhos roubados ou furtados e a notificação a quem os usa indevidamente são úteis para reduzir a profusão de crimes, mas é preciso atacar também as fontes de receptação. No camelódromo da Rua Uruguaiana, no Centro do Rio, as vendas continuam a acontecer, embora de forma discreta. Não são incomuns as abordagens a pedestres com ofertas de celulares por preços bem abaixo do mercado. Isso mostra que, apesar das operações da polícia, elas não são suficientes para coibir a prática.

Além de colocarem as vítimas em risco, os roubos de celulares são uma porta aberta para outros delitos, como os golpes financeiros. Por trás de muitos dos aparelhos devolvidos, se escondem histórias de violência que poderiam ter sido evitadas.

Tarifas continuam subindo após acordos com os EUA

Valor Econômico

Isso não é um bom sinal para o Brasil, que enfrenta uma ameaça de tarifas de 50%, a mais alta depois da China

O governo americano anunciou novos acordos com países que querem evitar as pesadas tarifas “recíprocas” que o presidente Donald Trump ameaçou instituir em oito dias, a 1 de agosto. Contemplados com taxações que tornariam impossível exportar suas mercadorias para os EUA, os países asiáticos em especial — Japão, Indonésia, Filipinas e Vietnã — fecharam entendimentos de abertura de mercados, fim de barreiras não tarifárias e reduções dos impostos de importação de bens dos EUA com gravames menores do que Trump ameaçou, mas superiores aos 10% hoje cobrados. A tática de Trump é velha e não tem segredos: pedir o máximo para obter mais concessões. A grande diferença é que são os EUA, a economia mais aberta e a maior do mundo, que estão fazendo isso, com ultimatos unilaterais que passam por cima de todas as regras de comércio estabelecidas e, às vezes, da própria razão econômica.

Ao contrário do que Trump diz, o reduzido número de acordos não indica uma corrida de dezenas de países contra o tempo para negociar com os EUA. Um dos possíveis motivos é a própria hesitação do presidente americano, cujas decisões e recuos são desnorteantes até mesmo para as próprias autoridades americanas. Para um dos objetivos relevantes de Trump, a redução do déficit quase trilionário do país (US$ 1,21 trilhão em 2024), o acordo mais relevante até agora foi feito com o Vietnã, que teve superávit de US$ 123,5 bilhões com os EUA e estava ameaçado de pagar em agosto uma taxa de 46%.

O entendimento impõe tarifa de 20% de ingresso no mercado americano, e outra de 40% em casos de “transbordo” de mercadorias de outros países (leia-se China) que sejam exportadas pelo país. Desde as primeiras retaliações de Trump contra a China, em seu primeiro mandato, Pequim aumentou o investimento fabril no Vietnã, a partir do qual buscou escapar do cerco contra suas exportações. Filipinas, com 19% de tarifas, e Indonésia, com 19%, desmontaram parte de suas proteções tarifárias, e, no caso indonésio, as não tarifárias também. A Indonésia livrou-se de algo bem pior, taxação de 32%, mas as Filipinas, não — dos 20% da ameaça, acabou com tarifas de 19%.

Para outro objetivo de Trump, o de atrair investimentos em fábricas no país, o entendimento com o Japão, a quarta maior economia do mundo, foi o mais importante até o momento. Com um superávit comercial de US$ 63 bilhões com os EUA, o governo japonês evitou taxação de 20% aceitando 15%, mas com vantagens. Grande exportador de automóveis, conseguiu incluir a redução de 25% para 15% na tarifa de importação de veículos e peças, menor do que as montadoras americanas estão pagando para trazer as mesmas mercadorias do principal parceiro comercial, o México. Japão teria prometido investimentos de US$ 550 bilhões nos EUA.

Não há ainda acerto, no entanto, com os dois principais responsáveis pelos déficits americanos, a China e a União Europeia. Somados, obtiveram resultado positivo de US$ 531 bilhões nas relações com o país, praticamente a metade do rombo comercial registrado. A China, vilã número um da política americana — paga tarifas provisórias de 30% —, tem prazo de até 12 de agosto para conseguir um entendimento com Trump, que insinua uma reunião direta com o presidente Xi Jinping. Os EUA acenaram com concessões ao liberarem a venda de chips de última geração da Nvidia para o país, abrindo brecha em um cerco já delineado desde a administração do democrata Joe Biden.

Há rumores de conclusão de um acordo com a União Europeia em torno de tarifas de 15%, após Trump vociferar que cobraria 30%. Os 15% incluiriam tarifas de 10% atuais, que incidiram sobre 4,8% já existentes. Ou seja, não haveria aumento adicional da taxação, e os carros europeus, que pagam 27,5% na aduana, passariam a pagar também 15%. A UE tem pronto um pacote de represálias aos EUA de 90 bilhões e não há um consenso interno entre os países sobre o melhor caminho a tomar em relação a Washington — entendimento ou confronto. Dobrar a UE é o que falta para Trump declarar vitória em sua guerra tarifária. A capitulação europeia desencorajaria tentativas de retaliação contra os EUA por países economicamente menos poderosos.

Ainda que a guerra tarifária na verdade mal tenha começado, os acordos revelam que, depois dos 10% iniciais, a taxação americana continua subindo mesmo com concessões de variados graus feitas aos EUA. Não é um bom sinal para o Brasil. O Reino Unido, que também tem déficit comercial com os EUA, pagará 10%, o pedágio mínimo para ingressar no mercado americano.

Ao ameaçar com tarifas de 50% os produtos brasileiros, o maior nível de todos os países, exceto China, o governo americano exigirá vantagens em troca. Por óbvio, Washington não insistirá no esdrúxulo fim da “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mas em vantagens materiais significativas. Resta saber o que o governo brasileiro tem a oferecer para evitar uma taxação que na prática alija os produtos brasileiros do solo americano. Dada a importância do Brasil na produção de commodities relevantes no custo de vida dos EUA (soja, café, suco de laranja e carnes), alguma barganha positiva é possível.

Governo segue na trilha de aumentar os gastos

Folha de S. Paulo

Alta de receitas poderia contribuir para equilibrar as contas, mas Lula mina crescimento do PIB com elevação de despesas

Mesmo com o avanço na performance das receitas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resiste em perseguir melhora mais consistente das contas públicas, como demonstrado em novas estimativas do Tesouro Nacional.

A recente alta da arrecadação permitiu redução significativa do contingenciamento de gastos previsto, que passou de R$ 20,7 bilhões para zero. Embora o bloqueio de despesas tenha sido elevado ligeiramente, foram liberados R$ 20,6 bilhões da contenção anterior de R$ 31,3 bilhões, o que permitirá ainda o pagamento de emendas parlamentares.

O contingenciamento, que congela dispêndios para cumprir a meta fiscal quando há frustração de receitas, foi eliminado porque o resultado primário projetado atingiu R$ 26,3 bilhões, dentro da margem de tolerância de 0,25% abaixo do PIB (R$ 31 bilhões).

Já o bloqueio, que limita gastos discricionários para respeitar o teto de crescimento real de 2,5% do arcabouço fiscal, foi mantido para compensar o aumento de despesas obrigatórias, especialmente com o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A arrecadação continua a apresentar resultados positivos, com crescimento real de 8,5% no acumulado do ano. A manutenção das receitas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em R$ 8,4 bilhões também contribuiu, assim como a antecipação de ganhos com o leilão de excedentes de petróleo do pré-sal, que deve gerar quase R$ 15 bilhões.

Considerando ainda as despesas de R$ 45,3 bilhões com o pagamento de precatórios e o crédito extraordinário de R$ 3,3 bilhões para ressarcir aposentados lesados do INSS, que não contam para a meta fiscal, o rombo neste ano deve ficar em R$ 74,9 bilhões.

Note-se que o esforço fiscal se dá apenas com medidas de arrecadação, muitas pontuais, enquanto o governo falha em adotar restrições estruturais.

A revisão de programas sociais para otimizar recursos e focar nos mais vulneráveis não avança. A necessária desvinculação da Previdência Social do salário mínimo e a revisão dos indexadores de gastos com saúde e educação, que crescem acima do limite do arcabouço fiscal, também são evitadas pela gestão petista.

Essas reformas são essenciais para alinhar os gastos ao crescimento da economia e evitar a compressão de investimentos.

Como resultado, a dívida federal segue trajetória preocupante e deve subir 10 pontos percentuais, para mais de 82% do PIB nos quatro anos sob Lula.

O dano colateral é o aumento desmesurado das despesas com juros, que deve chegar a 8,5% do PIB neste ano, um recorde mundial a concentrar mais a renda.

A falta de medidas robustas para conter os gastos obrigatórios e a dependência de receitas extraordinárias revelam uma conduta irresponsável que manterá o país na armadilha dos juros altos e da desconfiança, com danos para o crescimento econômico e o avanço social sustentável.

Mortes sem punição

Folha de S. Paulo

Baixa taxa de responsabilização em casos de homicídio por policiais evidencia a impunidade que incentiva truculência

Como se não bastasse o elevado e inaceitável número de mortes causadas por policiais no Brasil, a punição dos agentes é escassa. Eventos que envolvem esse tipo de crime, em sua maioria, nem sequer chegam a ser processados como homicídios que devem ser esclarecidos.

Entre 2011 e 2023, as 7.920 mortes por forças de segurança no estado de São Paulo geraram 7.641 inquéritos, mas só 9% deles (691) levaram a denúncias pelo Ministério Público. No Rio de janeiro, a taxa foi ainda menor, 3,7% —147 denúncias entre 4.014 inquéritos oriundos de 12.789 assassinatos.

Os números revelam que o órgão enfrenta dificuldades para cumprir a sua missão constitucional de atuar como controle externo da atividade policial.

Os dados integram a pesquisa "Quem Controla as Polícias? A Atuação do Ministério Público Diante da Letalidade Policial", do Fórum Justiça, ONG que atua no setor de direitos humanos.

E há mais evidências. O Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da Fundação Getulio Vargas (FGV) publicou, em maio, um estudo no qual analisou 859 procedimentos criminais, de 2018 a 2024, sobre mortes em ações policiais no estado de São Paulo. Nenhum agente foi denunciado pelo Ministério Público.

Uma das falhas institucionais é a falta de transparência e padronização das informações sobre os casos —segundo o estudo do Fórum Justiça, o Ministério Público da Bahia, por exemplo, não dispõe de dados sobre o tema.

O país também carece de perícias independentes. Sem elas, a Justiça muitas vezes acaba se baseando só na palavra do agente.

Ademais, há intermitência nos grupos internos dos MPs responsáveis por fiscalizar a atuação policial. No Rio de Janeiro, o órgão foi extinto em 2021 e só foi recriado em fevereiro deste ano; os estados que possuem entidade similar ainda são minoria no Brasil.

O resultado é a impunidade. O jornal O Globo revelou neste mês que, numa amostra de 1.293 casos envolvendo mortes por PMs na capital paulista, ínfimos 2% levaram a condenações.

Com a PEC da Segurança emperrada no Congresso Nacional, o governo federal sem um plano efetivo para o setor e omissões do sistema de justiça e de gestões estaduais em coibir tal violência, o cenário para a população —notadamente a de baixa renda— é desolador.

É preciso um esforço integrado nos três Poderes para instituir e manter políticas de segurança baseadas em inteligência, não em truculência. O Estado de Direito exige que a redução da criminalidade seja acompanhada pela proteção dos direitos humanos.

Os hunos do Congresso

O Estado de S. Paulo

A título de salvar seu encalacrado líder, parlamentares bolsonaristas não se importam em tumultuar o País com ameaças de impeachment de ministro do STF e a defesa de uma inaceitável anistia

A horda bolsonarista instalada no Congresso reagiu às medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro para gritar a quem quis ouvir: a partir de agosto, com o fim do recesso parlamentar, a prioridade dessa turma será trabalhar pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reavivar o projeto de anistia aos golpistas envolvidos no 8 de Janeiro, definidos por eles como “presos políticos”, e desengavetar um projeto de emenda constitucional que acaba com o foro especial por prerrogativa de função para crimes comuns, mantendo-o apenas para a cúpula dos Três Poderes e o vice-presidente da República – engenharia nada sutil para tirar do Supremo processos como o que está em curso contra Bolsonaro. O grupo de parlamentares, liderado pelo PL, partido do ex-presidente, também planeja organizar um discurso “unificado” e organizar atos pelo Brasil em apoio a Bolsonaro e contra as decisões do STF.

Nenhuma dessas iniciativas tem grandes chances de prosperar na Câmara e no Senado, mas esses liberticidas estão mais interessados em outra coisa. Apostam, antes de tudo, em sua capacidade de espalhar brasas onde já há fogo e levar adiante pautas que funcionam como bandeiras simbólicas para mobilizar a militância, difundir a falsa ideia de que o País está sob uma ditadura do Judiciário, servir de arma para o discurso vitimista de Bolsonaro e, sobretudo, produzir inimigos e criar um ambiente de convulsão social. Para essa tropa, como resumiu a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), só há dois inimigos a enfrentar: Lula da Silva e Alexandre de Moraes, como se culpados fossem pelas sanções impostas ao Brasil por Donald Trump.

Nada surpreendente para um grupo que representa um ideário que se fez no caos, na mentira e na distorção da realidade – e disso se alimenta. Não se deve tirar-lhes o direito de espernear e produzir factoides para satisfazer os próprios delírios, pois afinal vivemos numa democracia. Mas não nos deixemos enganar pela natureza da coisa. Assim como ocorreu com os vândalos golpistas que, entre o fim de 2022 e o início de 2023, ultrapassaram a fronteira da liberdade de expressão e de mobilização, está-se diante de mais um capítulo do longo enredo de desprezo do bolsonarismo pelas instituições.

Fiel à violência política congênita do seu principal líder, o bolsonarismo sempre se mostrou como um ideário retrógrado, personalista e antinacional, mas hoje seus sabujos só se prestam a uma causa: proteger o encalacrado padrinho. Para tanto, vale tudo, especialmente a retórica destrutiva que afronta instituições, intimida adversários e despreza a paz social e política desejada pela maioria dos brasileiros. Pugnar pelo impeachment de ministros do STF, demonizar o Judiciário, pregar uma anistia “ampla, geral e irrestrita” ou alinhar-se vexatoriamente a Trump em sua ofensiva para prejudicar o Brasil hoje equivale àquilo que, no passado recente, destinou-se a desacreditar as urnas eletrônicas, instilar dúvidas sobre o processo eleitoral e criar o clima para a ruptura.

Vale tudo, desde que seja a serviço de uma causa que nada tem a ver com as reais necessidades do País nem com o suposto vezo autoritário do STF. É tudo apenas para salvar Bolsonaro da cadeia – algo que, na sintaxe bolsonarista, equivale a salvar a democracia. Mas é pura malandragem, pois, como se sabe, o mito fundador do bolsonarismo jamais pensou em outra coisa senão nele mesmo e na sua família.

Esse método está no manual do guerrilheiro bolsonarista, que ensina a tumultuar para triunfar. Bolsonaro passou a vida destilando ódio em seus atos e falas – seja como mau militar, quando manchou a farda com sua indisciplina, seja como deputado, quando defendeu o fechamento do Congresso e o fuzilamento de adversários, seja como presidente, quando ameaçou jornalistas, desacreditou o sistema de votação e sabotou a vacina contra a covid-19 só porque foi produzida por um adversário político. Como toda força reacionária e destrutiva, os bolsonaristas atuam como os hunos: por onde passam, nem grama nasce.

A fé que move o Orçamento

O Estado de S. Paulo

Com retomada do decreto do IOF e expectativa de arrecadação extra com petróleo, governo Lula zera contingenciamento, libera emendas parlamentares e empurra desequilíbrio fiscal para a frente

Baseado na expectativa de arrecadar mais no segundo semestre deste ano, o governo Lula da Silva liberou R$ 20,6 bilhões em gastos que havia congelado no fim de maio para cumprir as regras fiscais. O alívio foi possível após a reabilitação do decreto presidencial que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a inclusão das projeções de receitas extraordinárias oriundas do pré-sal. Com o IOF e o leilão e a comercialização do excedente de produção de petróleo dessas áreas, o governo conseguiu reduzir a zero o contingenciamento e – o mais importante para a equipe econômica – não terá de mudar a meta fiscal.

Há dúvidas sobre se o leilão de petróleo, com o qual a União espera arrecadar R$ 14,78 bilhões, realmente ocorrerá no dia 26 de novembro, mas o papel parece aceitar tudo. O aumento da produção nos campos que já estão ativos deve render R$ 3,4 bilhões, e o IOF, entre julho e dezembro, R$ 8,4 bilhões.

A cúpula do Congresso jamais vai admitir, mas a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, acabou por ser bastante benéfica aos deputados e senadores. Sem ela, o governo não teria como liberar os recursos que haviam sido contingenciados há dois meses e, provavelmente, teria até de ampliar o bloqueio de emendas parlamentares.

De um lado, com a aprovação do decreto legislativo que derrubou o aumento do IOF, o Legislativo conseguiu manter o discurso em defesa de uma sociedade farta de aumento de impostos, deixando o ônus de uma medida tão impopular para o Executivo e o STF. De outro, com a derrubada do ato pelo STF, o governo pôde liberar R$ 4,7 bilhões de um total de R$ 7,1 bilhões em emendas parlamentares que haviam sido bloqueadas, de acordo com o secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Clayton Montes.

A má notícia do relatório não é novidade e está, como sempre, no lado das despesas. A previsão de gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência em condições de vulnerabilidade, aumentou cerca de R$ 2,9 bilhões, de R$ 121,8 bilhões para R$ 124,7 bilhões.

Mas, no cômputo geral, o governo pôde respirar aliviado. O Executivo até teve de elevar o bloqueio de dispêndios discricionários para não ultrapassar o limite de despesas do arcabouço, mas em apenas R$ 100 milhões desde a edição anterior do relatório, para R$ 10,7 bilhões. Para garantir alguma margem de manobra, a liberação de despesas continuará a ser feita de maneira gradual.

Embora as despesas discricionárias somem R$ 221 bilhões neste ano, o Executivo autorizou os ministérios a gastarem, no máximo, R$ 135 bilhões até o fim deste mês, o que explica as dificuldades das agências reguladoras e o atraso na compra de livros didáticos pelo Ministério da Educação.

Mesmo contando com receitas incertas, o governo garante que conseguirá atingir o déficit zero. Em primeiro lugar, porque seu objetivo é o limite inferior, que permite um déficit de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 31 bilhões. Em segundo lugar, porque não terá de contabilizar algumas despesas, como parte dos precatórios e a devolução dos descontos indevidos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS, que fariam o rombo mais que dobrar.

Os dados do relatório reforçam que o problema do Orçamento está no lado das despesas, e não das receitas. Da forma como a peça está hoje, não há espaço para acomodar qualquer surpresa, como o eventual plano de contingência para ajudar os exportadores afetados pelo tarifaço norte-americano.

Por mais que o governo Lula tenha colhido frutos, em termos de popularidade, ao explorar a narrativa de “ricos contra pobres”, fato é que nem o aumento do IOF nem a taxação dos mais ricos resolverá o desequilíbrio fiscal.

Mas não será agora, a menos de um ano e meio das eleições presidenciais, que esse debate avançará. Até lá, nem o presidente Lula nem o Congresso e muito menos o Judiciário pretendem ouvir falar em corte de gastos ou reformas estruturais.

O Japão também sucumbiu

O Estado de S. Paulo

O populismo avança como resposta a um governo japonês fraco e desconectado

Por muito tempo, o Japão parecia imune às tempestades populistas que varreram outras democracias. Sua estabilidade institucional, sua cultura política avessa a rupturas e a hegemonia quase ininterrupta do Partido Liberal Democrata (PLD) desde 1955 formavam uma espécie de escudo contra os impulsos radicais que insuflaram o Ocidente. Esse escudo acaba de ruir. O resultado das eleições para a Câmara Alta, somado ao revés anterior na Câmara Baixa, confirmou o colapso da coalizão governista e abriu as comportas para um ciclo de fragmentação, radicalização e volatilidade.

Mais do que eleitoral, a erosão do PLD é simbólica, geracional e estrutural. O partido foi incapaz de se reinventar após a morte de Shinzo Abe, mergulhou em escândalos de financiamento ilegal, perdeu a conexão com os jovens e pareceu paralisado ante uma inflação persistente. A resposta – prometer um bônus de 20 mil ienes por cidadão – foi contraproducente, reforçando a imagem de um governo oportunista, desconectado e carente de visão.

Nesse vácuo, emergem forças novas, mas não necessariamente renovadoras. O Sanseito, partido nacionalista que há pouco era um canal conspiracionista no YouTube, saltou de 1 para 14 cadeiras no Senado. Inspirado no “America first” de Donald Trump, aposta no ressentimento econômico, no medo cultural e numa retórica combativa que mistura turismo, câmbio fraco e mão de obra estrangeira como sintomas de uma suposta “invasão”. Sua base é jovem, conservadora, ativa nas redes e refratária à imprensa tradicional.

Mas o populismo não é monopólio da direita radical. O Partido Democrático para o Povo, tecnocrático no conteúdo e populista na forma, tornou-se ator central da nova legislatura. Com forte apelo digital e propostas fiscalmente temerárias voltadas à renda da população ativa, apoio às famílias e carga tributária, o partido cresceu de 7 para 28 deputados e hoje dita a agenda do governo minoritário.

A polarização ainda não assumiu a virulência de outras partes do mundo. Mas o alerta está dado. O sistema partidário tradicional se fragmentou. A lógica de coalizões estáveis cedeu a arranjos ad hoc. O centro político, que por décadas domesticou os radicais, sucumbe à pressão dos extremos.

É tentador tratar o populismo como causa da crise. Mas ele é antes sintoma – da estagnação econômica crônica, do envelhecimento demográfico, do declínio geopolítico, da ansiedade com a imigração e do desencanto com elites surdas aos anseios do país real. Ignorar essas fontes de frustração é o caminho mais curto para agravá-las.

Pode ser que essa seja só uma fase de desabafo coletivo, que logo cederá à rotina institucional. Mas é possível que o Japão esteja entrando numa era política mais ruidosa, instável e imprevisível. Seja qual for o cenário, cabe às forças liberais e moderadas liderar uma resposta – não com promessas vazias ou mímicas dos populistas, mas com reformas responsáveis, comunicação clara e um esforço renovado de reconexão com a sociedade.

O Japão, que parecia à margem da história política contemporânea, agora a reencontra – com todas as suas turbulências.

Falta de livros pode comprometer avanços na educação

Correio Braziliense

Não sobram evidências de que comprometer o fornecimento dos livros didáticos tem efeito significativo no processo de aprendizagem, a curto e longo prazo

"O possível apagão de livros didáticos joga contra projetos do próprio governo para avanços na pasta" - (crédito: Agencia Brasil)

A falta de verbas levou o Ministério da Educação (MEC) a comunicar a editoras responsáveis pelos livros didáticos que haverá mudanças na aquisição das obras para o ano letivo de 2026. Em nota, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado à pasta e responsável pelas compras, anunciou que, diante do "cenário orçamentário desafiador" fará a "compra escalonada" do material destinado ao ensino fundamental e vai definir as estratégias a serem adotadas para o suporte aos alunos do ensino médio. A decisão impõe outro desafio. O possível apagão de livros didáticos joga contra projetos do próprio governo para avanços na pasta, como a redução da evasão escolar e melhora em indicadores de qualidade do ensino.

Segundo a Associação Brasileira  de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), em termos práticos, em não havendo recomposição orçamentária, o escalonamento a ser adotado significa priorizar a compra de livros de português e matemática para o ensino fundamental. Estudantes do primeiro ciclo (do primeiro ao quinto ano) devem receber livros novos dessas disciplinas e livros reutilizados para as demais áreas de aprendizagem, quando previstas. Para o sexto ao nono ano, haverá apenas algumas reposições em português e matemática. 

Reutilizar livros é prática comum na educação pública. Em séries iniciais, porém, pintar, rabiscar e escrever nesse material faz parte do processo de aprendizagem, dificultando o reuso. Portanto, não é exagero afirmar que o repasse de livros não indicados poderá afetar a qualidade dos estudos e, sobretudo, avanços conquistados. O mais recente Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2023, indica, por exemplo, que estudantes até o quinto ano fundamental conseguiram recuperar o desempenho nas provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) a patamares de 2019, anteriores à pandemia da covid-19.

Em relação ao ensino médio, trabalha-se com a possibilidade de que 60% dos alunos recebam livros já atualizados com as mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio no começo de 2026, e os 40% restantes, apenas em junho. Em implementação, o Novo Ensino Médio altera a grade curricular "considerando as novas demandas e complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade". Uma das principais críticas à política, porém,  é a possibilidade de aumentar a desigualdade no acesso às universidades. Atrasos na entrega de material didático certamente caminham no sentido dessas distorções, além de demandar soluções paliativas aos já sobrecarregados profissionais da educação pública.

O cenário de falta de livros também tende a tensionar outra frente de preocupação do Executivo: a evasão escolar. A relação entre os dois fenômenos é clara. E a intenção do governo de reduzir o índice de abandono, sobretudo no ensino médio, também. Basta se lembrar de todo o holofote direcionado ao programa Pé-de-Meia. 

Não sobram evidências de que comprometer o fornecimento dos livros didáticos tem efeito significativo no processo de aprendizagem, a curto e longo prazo. Especialistas alertam que, mesmo nas maiores crises econômicas, nunca se começou um ano letivo com a decisão de não ter esse material didático. O FNDE reconhece "a importância inequívoca de manutenção do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) para a educação pública do Brasil". É essencial, portanto, buscar alternativas para evitar um possível apagão de livros ou convencer a sociedade de que as estratégias a serem tomadas não vão estrear um novo período de perdas na aprendizagem.

Beneficiários deixam o Bolsa Família por emprego

O Povo (CE)

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) referentes ao mês de julho, mostram que quase um milhão de pessoas saíram da pobreza graças ao Bolsa Família

Recentemente o empresário Ricardo Faria, conhecido como Rei do Ovo, afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que as pessoas estão "viciadas" no Bolsa Família. "Não temos nem a chance de trazer essas pessoas para treinar (nas empresas) e conseguir dar uma vida melhor, porque elas estão presas no programa", disse ele.

Ao mesmo jornal, no início do ano, Rubens Menin, fundador da construtora MRV, do banco Inter e da CNN Brasil, disse que o Brasil precisava reduzir os valores destinados ao benefício de prestação continuada (BPC) e do Bolsa família. "Não temos dinheiro para isso", afirmou.

Desde o início do Bolsa Família, no primeiro governo Lula (2003), pode-se listar dezenas de declarações de empresários no mesmo sentido. Apesar de todas as evidências em contrário, as críticas partem do princípio equivocado que os investimentos sociais são um peso insuportável para o País.

Além disso, por essa visão tortuosa e nunca comprovada, o programa promoveria a "acomodação" do trabalhador, que deixaria de procurar emprego para viver pendurado em programas sociais.

Mais uma vez esse discurso preconceituoso com relação às pessoas de baixa renda é desmentida pelos fatos. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) referentes ao mês de julho, mostram que quase um milhão de pessoas, 958 mil exatamente, saíram da pobreza graças ao Bolsa Família.

Segundo dados do Caged, 98% dos empregos formais gerados em 2024 foram preenchidos por integrantes do CadÚnico e 75% das vagas foram ocupadas por beneficiários do programa de transferência de renda do governo federal.

Ou seja, os números vão na direção contrária daqueles que dizem que os programas sociais são um fator de desestímulo, que impede a pessoa de sair de uma situação de vulnerabilidades.

O portal da Secretaria de Comunicação Social (Secom) reproduziu a experiência de pessoas que deixaram o programa, mostrando como o Bolsa Família foi importante para a superação da pobreza.

Um desses depoimentos é de Dayane Carvalho, moradora de Careiro da Várzea (AM), uma cidade ribeirinha com cerca de 20 mil habitantes. Ela disse que permaneceu no programa por quase 10 anos. Hoje trabalha como técnica de enfermagem, curso que concluiu como o auxílio do Bolsa Família. Dayane diz que foi com o programa de transferência de renda que ela conseguiu manter a família, enquanto estudava. "Hoje consegui a independência", disse ela, "espero que ajude outras famílias, assim como ajudou a minha".

Com mais de 20 anos de existência, o Bolsa Família — um dos maiores programas de transferência do mundo —, merece um olhar mais generoso de todos os brasileiros, não por benevolência, mas pelos resultados positivos que já entregou nas tarefas que se propôs a realizar, em favor dos brasileiros mais vulneráveis.

 

Nenhum comentário: