segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Angela Bittencourt: Em 3 dias, 5 ministros e pressões setoriais

- Valor Econômico

EWZ iShares Brazil ETF: concentração de apostas na queda

Jair Bolsonaro, presidente eleito do Brasil, é um homem de espírito tripartite. Na semana passada, a primeira de trabalho após a vitória no 2º turno com 58 milhões de votos, cometeu algumas proezas. Em três dias nomeou cinco ministros para o seu gabinete que deve ter no máximo 17. Nele já estão representados os Três Poderes da República e um ativo "núcleo" para tomada de decisões rápidas para a transição e o andamento do programa de governo que, naturalmente, passará por ajustes.

Ao aceitar o convite de Jair Bolsonaro para ocupar o futuro Ministério da Justiça e Segurança Pública com a intenção de seguir uma cartilha implacável contra a corrupção, o juiz Sergio Moro deixa 22 anos de magistratura e alinha-se ao presidente eleito, capitão reformado do Exército, e ao vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, hoje na reserva. Preenchem os demais cargos do primeiro escalão, economistas, engenheiros, advogados, ao menos um deputado e o astronauta - também engenheiro - que comandará o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Indicação política, até agora, nenhuma.

O "núcleo duro" do Palácio do Planalto, a ser formado pelos assessores mais próximos do futuro presidente, está em construção. O ministro da Casa Civil, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e o ministro da Economia - Fazenda atualmente - Paulo Guedes formam a base do "núcleo". Essa percepção foi tão rapidamente disseminada que não passaram despercebidos, no início da semana, desentendimentos entre Lorenzoni e Guedes por informações divergentes.

Nos últimos dias, porém, ambos moderaram o tom. Fez coro aos protagonistas do "núcleo" verde-amarelo, desde a primeira hora após a leitura das urnas, o presidente eleito. Ele conversou diária e diretamente com os brasileiros, via redes sociais, como um presidente que prefere falar escrevendo. Sua posse está marcada para 1º de janeiro de 2019. Pelo menos até lá, o futuro governo será movido a "bytes".

"Toda transição é cercada de incertezas. E o mercado sabe. É razoavelmente normal haver divergências entre membros da equipe e até entre aliados num governo recém-eleito. Pode ser até positivo para a formulação de melhores propostas. Obviamente é ruim críticas, desautorizações e desmentidos, ainda mais em público, mas o mercado deve dar o benefício da dúvida a Bolsonaro", afirma Ivan Kraiser, gestor-chefe da Garín Investimentos, que considera importante a divulgação, nas próximas duas semanas, do plano de governo e a formalização dos indicados para os principais postos na futura estrutura de governo.

"É importante confirmar ou não Ilan Goldfajn no BC, a manutenção de parte da equipe econômica, caso de Mansueto Almeida e Ana Paula Vescovi, mesmo que apenas para o período de transição e CEOs das grandes estatais", diz Kraiser.

Do governo que mingua e em 1º de janeiro volta para casa, Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, é o integrante - possivelmente o único - que desperta expectativas no setor privado em geral e no mercado financeiro em particular. Ilan é o candidato preferencial do mercado a permanecer à frente da instituição e a batalhar por sua independência formal junto ao Congresso.

Gostariam que Ilan desempenhasse esse papel os profissionais que o elogiam e também os que o criticam. Os elogios são fruto da execução de políticas que derrotaram a inflação e abriram espaço para baixa da Selic a nível inédito de 6,5%; as críticas vêm daqueles que atribuem as mesmas políticas o agravamento da recessão.

A nomeação do futuro presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) gera expectativa, inclusive porque integrantes da equipe de Paulo Guedes têm convidado profissionais do mercado para contribuírem com ideias para fomentar o mercado de capitais. "A intenção é destravar esse mercado. E o Brasil nunca esteve tão perto disso", diz Ivan Kraiser, da Garín.

Daniel Rittner, repórter especial do Valor, apurou que a equipe de Bolsonaro discute o grau de encolhimento do BNDES nos próximos quatros anos. No ciclo presidencial de 2019 a 2022 é certo que o banco ficará menor. A dúvida está na velocidade desse processo e se o banco ficará apenas menor ou poderá ser extinto. Dois colaboradores de Paulo Guedes, já defenderam, em artigos e palestras, um enxugamento acelerado do BNDES. Rubem Novaes e Roberto Castello Branco são nomes ventilados para a presidência do banco. O segundo é cotado também para comandar a Petrobras.

Uma semana após o encerramento das eleições, o futuro governo enfrenta pressões setoriais. As flagrantes são as que envolvem interesses do agronegócios e especialistas em políticas de meio ambiente; e a da indústria que sugere a criação do Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) com a pasta do Trabalho.

Os mercados reagem fortemente dentro do esperado para o resultado da eleição, lembra Kraiser, da Garín. "Houve certa antecipação, especialmente nos mercados de juro e câmbio. Em um mês, os juros de prazos mais longos caíram 300 pontos-base, de 12,5% para cerca de 9,5%, o que é muito relevante. O que temos visto na Bolsa pós eleições é o mix de fatores locais e externos determinando os preços dos ativos. E a Bolsa é o que sobrou para apreciar", avalia o gestor.

Pablo Spyer, diretor de Operações da Mirae Asset Corretora, explica que na quinta, antes do feriado, a informação de que Moro seria futuro ministro da Justiça rivalizou com a informação de que as conversas entre EUA e China, acerca do comércio, haviam melhorado. Os mercados comemoraram. O Ibovespa foi à nova máxima histórica, aos 88.419 pontos.

"Na sexta, feriado no Brasil, as bolsas americanas realizaram lucros. O ETF que representa a bolsa brasileira registrou concentração histórica de apostas em sua queda (operações 'short'), o que dispara um alerta. Poderemos esperar uma semana com fortes batalhas entre 'comprados locais' e 'vendidos estrangeiros' em volumes recordes. E esse posicionamento mostra que os investidores locais estão bem mais confiantes no médio prazo do que os estrangeiros", afirma Pablo Spyer.

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