segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A infiltração do crime organizado na política – Opinião | O Globo

O Estado precisa formular uma estratégia mais eficaz, porque até agora a sociedade tem sido refém

Há muito tempo o eleitorado fluminense nutre o sentimento de frustração por ter jogado fora o voto ao pôr no Palácio Guanabara cinco governadores que passaram a frequentar prisões. Um sexto pode estar a caminho. Outro sentimento, o medo, resulta da infiltração na política de representantes do crime organizado. Não é problema novo, mas fica mais grave a cada pleito.

O “voto de cabresto”, que já foi característica dos sertões nordestinos, chegou ao Rio há muito tempo, sob o descaso e conivência de autoridades e da sociedade. Na última eleição carioca, em 2016, a Justiça Eleitoral relacionou, de acordo com O GLOBO, 468 seções eleitorais reunido 700 mil eleitores, ou 12% da cidade, que votaram em candidatos avalizados por milícias e narcotraficantes que atuam no Chapadão, Maré, Jacarepaguá e no complexo do Alemão.

Já houve parlamentares presos como milicianos comprovados. Jerônimo, “Jerominho”, e Natalino Guimarães, irmãos, vereador e deputado estadual, filiados ao MDB e ao DEM, terminaram trancafiados por chefiar milícia na Zona Oeste.

Como nas máfias, milicianos preparam herdeiros. Carminha, filha de “Jerominho”, soube na prisão da sua eleição para a Câmara de Vereadores em 2008, pelo PT do B. Terminou cassada no ano seguinte por receber financiamento ilegal de campanha. Penas cumpridas, ela continua em atividade. Confiando nos votos cativos, os irmãos lançam novamente a filha e sobrinha para vereadora, agora pelo PMB.

Deve-se, também, levar em conta que a família do presidente da República, com base política na cidade, cultivou notório relacionamento com nomes ligados ao submundo das milícias, como os ex-PMs Fabrício Queiroz e Adriano Nóbrega.

Não se deve considerar a mazela uma exclusividade fluminense ou carioca em especial, porque a bandidagem profissional se espalhou pelo país e ultrapassou as fronteiras. O tráfico também pressiona por seus escolhidos. Um exemplo: o candidato a prefeito de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Cristiano Santos (PL) é irmão de Marcinho VP, chefe de facção preso e condenado em 2009 a 36 anos. 

O Ministério Público e a Justiça Eleitoral atuam de forma coordenada no período eleitoral para impedir candidaturas de donos de prontuários policiais e registros na Justiça. Existe ainda a Lei da Ficha Limpa, resultado de uma campanha popular para impedir o lançamento de condenados em segunda instância ou em processos administrativos.

O certo é que as barreiras precisam ser reforçadas, a fim de conter as tentativas de aparelhamento de instituições da democracia representativa pelo crime. Não há qualquer dúvida de que o Estado tem de formular uma estratégia eficaz para travar essa guerra, porque até agora a sociedade vem sendo derrotada e feita prisioneira.

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