Atuasse
o Congresso com presteza e rigor, não seria o STF instado com tanta frequência
a lembrar os limites da lei
Cumprindo o que determina a Constituição, a Câmara dos Deputados decidiu na sexta-feira passada sobre a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), decretada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A expressiva votação referendando a prisão – 364 votos favoráveis, 130 contrários e 3 abstenções – evidencia que a Câmara entendeu a gravidade do comportamento do parlamentar bolsonarista.
Ao
divulgar um vídeo com pregação de caráter golpista, além de ofensas e ameaças a
ministros do Supremo, o deputado Daniel Silveira violou o compromisso assumido
de respeitar a Constituição e o Estado Democrático de Direito e praticou crimes
tipificados pela lei brasileira. A imunidade parlamentar, que protege a
manifestação de opiniões, palavras e votos, não é autorização para a prática
impune de crimes.
Com
a manutenção da prisão referendada pela Câmara, fica evidente que não foi
negada ao deputado bolsonarista nenhuma garantia constitucional. Seu
encarceramento não se deu por um ato autoritário do Judiciário fora dos trilhos
legais. O plenário da Câmara, cumprindo o rito previsto na Constituição,
entendeu que a prisão do deputado Daniel Silveira tinha fundamento legal.
Ao proteger o Estado Democrático de Direito – mantendo a prisão do deputado que defende o Ato Institucional (AI) n.º5, ameaça ministros do Supremo e incita a ruptura institucional –, a Câmara mostrou que deseja distância do discurso bolsonarista. A agenda do Legislativo não é a do conflito, tampouco da violência e do desrespeito às instituições.
Vale
lembrar que o deputado Daniel Silveira não é apenas uma figura excêntrica, que
teria exagerado ao se expressar. O conteúdo do vídeo publicado nas redes
sociais tem grande sintonia com o que Jair Bolsonaro vem pregando em sua
carreira política, também durante o exercício da Presidência da República. No
primeiro semestre de 2020, por exemplo, Bolsonaro incentivou e participou de
atos de caráter golpista.
Trata-se,
sem dúvida, de uma desafiadora situação. O próprio presidente da República
testa os limites do Estado Democrático de Direito. Por isso, é alvissareiro
constatar que mais de dois terços dos deputados avaliam como criminosa a
conduta de quem se vale do cargo para afrontar o regime democrático, ameaçar
adversários e descumprir princípios constitucionais. O recado foi dado: ninguém,
ainda que tenha mandato eletivo, está autorizado a infringir a Constituição e
as leis do País.
Na
sexta-feira passada, a Câmara comportou-se à altura de seus deveres
institucionais. É preciso reconhecer, no entanto, que também o Congresso tem
responsabilidade sobre esse caso e tantos outros que afrontam descaradamente o
decoro parlamentar. Ao longo dos anos – a rigor, ao longo das décadas –, tem
havido uma amplíssima tolerância das Casas legislativas com parlamentares que
não honram o cargo.
Não
é difícil de ver o descuido do Congresso com os limites do decoro. Por exemplo,
o Conselho de Ética da Câmara estava parado desde março do ano passado. Atuasse
o Congresso com presteza e rigor, não seria o Supremo instado com tanta
frequência a lembrar os limites da lei e do Estado Democrático de
Direito.
Ao
permitir de forma recorrente comportamentos intoleráveis em um Estado
Democrático de Direito, o Congresso não apenas atua de forma corporativista,
com uma proteção desproporcional dos seus membros, como também, a rigor, está
atuando contra si mesmo, enfraquecendo sua autoridade, diminuindo sua
funcionalidade e esfarelando seu prestígio. Nesse sentido, a votação de
sexta-feira passada foi um contundente ato de defesa do Congresso e de suas
prerrogativas institucionais.
O
regime democrático exige responsabilidade, uma responsabilidade que não seja
bissexta. Os direitos e liberdades constitucionais não deixam as instituições
democráticas à mercê dos autoritários. É antes o contrário. Como lembraram
nesta semana o Supremo e a Câmara, tais garantias vêm precisamente proteger a
liberdade e a democracia. Não há zona cinzenta. Com suas reiteradas ofensas às
instituições, o bolsonarismo enxovalha as liberdades e, por isso, deve ser
contido.
Pragmatismo – Opinião / O Estado de S. Paulo
Reunião
entre Brasil e Estados Unidos para tratar do clima indica algum avanço
Autoridades de alto escalão dos governos do Brasil e dos Estados Unidos enfim se reuniram para tratar de mudanças climáticas e preservação do meio ambiente. Passadas as rusgas havidas durante a eleição presidencial americana, em grande medida estimuladas pelo presidente Jair Bolsonaro, as duas maiores democracias das Américas dão sinais de que o pragmatismo poderá determinar a relação entre os dois países.
Pela
primeira vez, os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, conversaram sobre cooperação bilateral com o enviado
especial para o clima do governo americano, o ex-secretário de Estado John
Kerry. O encontro, por meio de videoconferência, ocorreu no dia 18 passado.
Por
razões distintas, a reunião de alto nível significou uma positiva sinalização
de mudança de rumos nos dois países. Não é possível imaginar o sucesso de
políticas de contenção do avanço das mudanças climáticas sem que Brasil e
Estados Unidos estejam diretamente envolvidos na sua formulação e
implementação. Até pouco tempo atrás, tanto o ex-presidente Donald Trump como o
presidente Jair Bolsonaro tratavam a questão ambiental como parte de uma
“guerra cultural”, não como um fato científico.
As
mudanças climáticas não respeitam fronteiras. Portanto, não haverá soluções
para um desafio global desta envergadura que não sejam igualmente concertadas
por toda a comunidade das nações.
A
cooperação internacional certamente será facilitada agora que Trump não tem
poder para sabotá-la, como fez durante os quatro anos de seu disruptivo
mandato. O resgate da racionalidade na política ambiental americana pôde ser
observado já no dia da posse de seu sucessor, o democrata Joe Biden. Um de seus
primeiros atos como presidente dos Estados Unidos foi recolocar o país no
Acordo de Paris, uma promessa de campanha. A medida foi oficializada na
sexta-feira passada, em cerimônia que reuniu Kerry e o secretário-geral da ONU,
António Guterres.
Além
de sinalizar uma prioridade para o governo Biden, o retorno dos Estados Unidos
ao esforço conjunto para deter o avanço das mudanças climáticas mostra que o
mundo está diante de uma das mais altas prioridades transnacionais, só perdendo
para o combate à pandemia de covid-19.
“Enfrentar
a crise climática requer grandes impactos que só podem ser alcançados com
parceiros globais”, disse John Kerry após a reunião com os ministros
brasileiros, classificada por ele como uma “boa conversa.” Para o chanceler
Ernesto Araújo, a reunião foi “100% positiva”.
De
acordo com a apuração do Estado, durante a reunião o governo brasileiro se
mostrou inclinado a ampliar as medidas de proteção ambiental, mas desde que
“países ricos” as custeiem. John Kerry, por sua vez, reconheceu que “um novo
acordo financeiro” para apoiar estes projetos deve ser celebrado. Ótimo que
seja assim. Mas convém lembrar que não foi por falta de dinheiro que o Brasil
deixou de implementar projetos de preservação ambiental no governo Bolsonaro.
Basta ver o que aconteceu com os recursos bilionários do Fundo Amazônia,
composto, primordialmente, por doações da Noruega e da Alemanha e desdenhado
por Salles. Até o fim de 2020, havia uma lista de 40 projetos financiados pelo
fundo que estavam paralisados.
Antes
do aporte financeiro, portanto, o governo brasileiro precisa mostrar que, de
fato, está engajado na proteção do meio ambiente. A recuperação da confiança
internacional no País depende disso.
O
Brasil é interlocutor de destaque em qualquer mesa de negociação sobre acordos
que tratem da preservação do meio ambiente. Sempre foi. Se hoje o País se
tornou um pária e perdeu sua boa reputação na seara ambiental, isto se deve ao
descaso e à irresponsabilidade com que Bolsonaro tem tratado do tema até agora.
A reunião bilateral com os Estados Unidos, no entanto, indica que a postura
brasileira diante de tema tão relevante talvez possa mudar. Melhor para o País
e para o mundo se isso ocorrer.
As Big Techs e o valor da informação – Opinião / O Estado de S. Paulo
Um
projeto de lei na Austrália acende o debate sobre quem deve pagar pelas
notícias
Um projeto de lei do Parlamento australiano está despejando mais combustível no debate sobre a regulação das Big Techs. Trata-se de um código de conduta que obrigaria redes sociais e motores de busca – concretamente Facebook e Google – a remunerar as empresas jornalísticas por conteúdos veiculados e consumidos em suas plataformas, além de compartilhar dados e algoritmos.
Seria
a primeira lei a responder a uma reivindicação da imprensa tradicional que se
avoluma na mesma proporção em que a rede digital se dissemina pelo mundo. Há 20
anos jornais e revistas respondiam por quase metade dos investimentos da
publicidade mundial. Mas, à medida que o público se voltou às plataformas
digitais para o consumo de notícias, as receitas se transferiram massivamente
para elas, e a parcela do jornalismo caiu para 10%.
As
empresas jornalísticas alegam que o conteúdo produzido por elas e consumido nas
plataformas (sobretudo na forma de trechos) é uma das razões pelas quais as
pessoas recorrem a elas. As plataformas, por sua vez, afirmam ser responsáveis
por levar uma imensa quantidade de leitores aos sites jornalísticos. Em favor
das mídias tradicionais, o governo australiano acrescenta que as Big Techs são
monopólios e seu poder desproporcional nas negociações deve ser limitado; além
disso, as informações de qualidade produzidas pelo jornalismo são vitais para a
democracia e devem ser subsidiadas por quem se beneficia delas.
Google
e Facebook ameaçaram suspender o compartilhamento de notícias e mesmo encerrar
suas operações no país. Mas suas atitudes drasticamente contrastantes ilustram
a dimensão da querela e o poder de fogo dos querelantes. Já no ano passado, o
Google pactuou com diversas empresas jornalísticas em todo o mundo o pagamento
de US$ 1 bilhão em três anos. Agora, anunciou um acordo similar com as maiores
mídias australianas. No mesmo dia, o Facebook bloqueou o compartilhamento de
notícias em sua plataforma na Austrália – numa manobra desastrada que acabou
por bloquear também serviços públicos, municiando seus críticos.
As
placas tectônicas digitais estão se movendo. A Microsoft, dona de seu próprio
motor de buscas, o Bing, apoiou o plano australiano e instou o governo norte-americano
a emulá-lo. Canadá, Reino Unido e União Europeia também manobram para embutir
estatutos similares em suas legislações regulatórias em tramitação. No Brasil,
foi incluído no projeto da Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência
Digital um dispositivo prevendo a compensação às empresas jornalísticas.
Em
alguns pontos o projeto de lei australiano parece excessivo, notadamente na
previsão de remuneração não só pelos conteúdos consumidos, mas também
compartilhados – um dispositivo sensatamente descartado pelo projeto
brasileiro. De resto, há o receio de que os grandes veículos de mídia sejam
desproporcionalmente favorecidos em relação aos menores. A News Corp de Rupert
Murdoch, por exemplo, controla dois terços do público dos jornais na Austrália.
Há
muito o que se afinar nessa cacofonia. O monopólio das Big Techs, por exemplo,
deve ser propriamente confrontado por leis antitruste. Se o argumento do valor
da imprensa (o “quarto poder”) para a democracia é válido, parte da arrecadação
deveria ser destinada a fomentar o interesse público pelo jornalismo. As
negociações em âmbito local têm chances limitadas de sucesso ante
megacorporações multinacionais, o que sugere a necessidade de regulamentos
multilaterais. Um modelo – ainda que imperfeito e ele mesmo em construção – são
os royalties pagos às produtoras musicais. Similarmente, as empresas
jornalísticas poderiam ser remuneradas por cada notícia acessada nas
plataformas digitais.
Seja
qual for o desfecho do código australiano, ele abre um precedente para a
afirmação de um princípio basilar: o jornalismo profissional tem um custo e, se
seus produtos são utilizados pelas plataformas digitais para lucrar com
anúncios publicitários, é justo que seja compensado com parte dessa receita.
Novas variantes mostram que vírus veio para ficar – Opinião / O Globo
Tão
assustadora quanto a escalada da nova variante do Sars-CoV-2 que se espalhou a
partir de Manaus, é a forma como Ministério da Saúde, estados e municípios têm
lidado com o problema: ignoram solenemente. O caso do Rio é exemplar. Um
paciente de 55 anos contaminado com a cepa de Manaus foi internado em janeiro
numa unidade da Baixada Fluminense. No dia 1º de fevereiro, foi transferido
para o Hospital Evandro Chagas, da Fiocruz. Morreu no último dia 6. As autoridades
de saúde só tomaram conhecimento do fato dez dias depois. Pela imprensa. “A
notificação foi via mídia”, disse o secretário estadual de Saúde, Carlos
Alberto Chaves. Ele criticou a falta de coordenação do ministério.
A
variante de Manaus já foi detectada em pelo menos dez estados. Até 15 de
fevereiro, 173 casos da nova cepa haviam sido confirmados, a grande maioria no
Amazonas (110). Não está claro ainda se ela é mais transmissível ou mais letal
do que as demais. Mas o caos vivido no Norte do país desde o fim do ano
passado, com hospitais em colapso, falta de oxigênio e pacientes transferidos
para outros estados, sugere fortemente que o Brasil corre o risco de se
transformar numa grande Manaus.
Não
há dúvida de que o controle epidemiológico tem sido falho. Não custa lembrar
que o país tomou conhecimento da nova variante alertado por autoridades do
Japão, que detectaram a nova cepa em pacientes recém-chegados do Amazonas. O
Ministério da Saúde alega que “tem emitido comunicados aos estados orientando a
ampliação do sequenciamento de rotina do vírus Sars-Cov-2”, mas admite que esse
não é um diagnóstico de rotina. A vigilância tíbia fica clara no caso do Rio,
onde já há transmissão comunitária da nova cepa, e autoridades nem sabiam.
Desnecessário dizer que os contatos dos pacientes não foram rastreados.
O
descontrole é compatível com a gestão desastrosa da Saúde num governo que
falhou nas medidas de prevenção, na testagem da população e na compra de
vacinas para tentar pôr um freio na pandemia. Revela-se extremamente
preocupante, na medida em que o país nem sequer pensa em acompanhar a
progressão das variantes. Caminha-se às cegas, enquanto novas cepas
silenciosamente espalham o horror. Claro que, por falta de estrutura e
investimentos, jamais chegaríamos ao nível da Islândia, que fez sequenciamento
genético de todos os casos de Covid-19 (cerca de 6 mil), detectando mais de 400
variantes. Mas ficamos mal em qualquer comparação. No fim do ano passado, o
país havia sequenciado apenas 1% do total do Reino Unido.
A
vacinação, que segue a passos lentos no Brasil (menos de 3% vacinados), é arma
fundamental para combater o novo coronavírus, mas talvez não suficiente para
vencê-lo. Não se sabe ainda como os imunizantes se comportarão diante das
inúmeras variantes, que aparentam ser mais transmissíveis e letais. A da África
do Sul reduz em dois terços a eficácia da vacina da Pfizer, segundo estudo do
próprio laboratório.
O
Brasil (como o mundo) precisa se acostumar a uma doença endêmica, com vacinas
periódicas, e adotar o sequenciamento dos genomas nos testes. As vacinas,
quando forem aplicadas em larga escala, certamente reduzirão o número de mortes
e de hospitalizações. Será um avanço inegável. Mas os governos precisam encarar
a realidade, por mais dura que seja. O novo coronavírus veio para ficar.
Reação do Facebook a nova lei na Austrália é infantil e nociva – Opinião / O Globo
O
Facebook decidiu cortar acesso a notícias e conteúdos jornalísticos a seus 18
milhões de usuários na Austrália, além de barrar os veículos australianos a
todos os usuários no mundo. A medida foi tomada por causa de uma nova lei
aprovada na Câmara australiana, prestes a ser referendada no Senado. A lei
estipula que veículos de imprensa sejam remunerados pelo conteúdo distribuído
por sites na internet e que, caso não haja acordo sobre o preço, o governo
indique um árbitro para decidir quem tem razão.
Embora
o modelo de arbitragem australiano seja novidade, leis similares para a
remuneração dos produtores de conteúdo vigoram em países como França e
Alemanha. A União Europeia estuda adotar uma norma do tipo em todo o bloco. A
lei australiana tenta apenas estabelecer um mínimo de bom senso num mercado até
hoje regido pelo espírito de ave de rapina dos empreendedores do Vale do
Silício.
O
princípio de remuneração pelo conteúdo é correto, pois os gigantes digitais
Facebook e Google são empresas de comunicação, cujo faturamento depende dos
anúncios que veiculam ao lado do conteúdo de terceiros. Nada mais justo que se
pague uma fatia das receitas a quem o produz. O Google já adota o princípio em
algumas situações (como canais de vídeo ou música). Não demorou a entrar em
acordo com os veículos de imprensa australianos diante da nova lei. O Facebook,
ao contrário, nem quer saber de pagar por jornalismo. Prefere o parasitismo a
uma relação saudável de simbiose.
O
Facebook argumenta que gerou, para as empresas de comunicação australianas,
tráfego equivalente a US$ 317 milhões em anúncios em 2020. Afirma preferir
abrir mão dos conteúdos jornalísticos, responsáveis por apenas 4% do que seus
usuários compartilham. Ora, trata-se de uma reação ao mesmo tempo infantil e
nociva.
Infantil,
por ignorar o óbvio: para a sociedade, a qualidade do conteúdo é mais
importante que a quantidade. Não é à toa que Google e Facebook passaram a
investir, cada um, em torno de US$ 100 milhões por ano em iniciativas de cunho
jornalístico. A imprensa sempre exerceu o papel de caixa de ressonância, praça
pública e espaço de diálogo em qualquer democracia. As redes sociais hoje assumiram
parcela relevante dessa responsabilidade. Deveriam ter comportamento à altura,
em vez de excluir o essencial apenas porque agora precisarão pagar.
Nociva
porque, no mesmo período em que o Facebook passou a desempenhar o papel
vergonhoso de antro do negacionismo e do charlatanismo, o trabalho da imprensa
profissional se tornou ainda mais fundamental durante a pandemia. A quem o
Facebook recorrerá agora quando for necessário contrapor fatos à desinformação?
Ninguém
de bom senso tem dúvida de que o jornalismo profissional se tornou mais
necessário hoje em dia. Qualquer empresa de comunicação responsável, que zela
pela qualidade do que veicula, sabe disso. Privar a audiência desse conteúdo
equivale a deixar de oferecer o melhor antídoto à desinformação: informação de
qualidade.
Sob intervenção – Opinião / Folha de S. Paulo
Em
arroubo arbitrário, Bolsonaro põe general na Petrobras e ameaça governança
Depois
de seguidas ameaças à maior empresa do país, Jair Bolsonaro decidiu nomear
presidente da Petrobras o general da reserva Joaquim Silva e Luna,
ex-ministro da Defesa no governo Michel Temer e ora presidente da Itaipu
Binacional. O arroubo arbitrário já impôs e imporá perdas à estatal e ao país.
Na
sexta-feira (19), quando o mandatário apenas insinuava publicamente sua
intervenção, o valor de mercado da companhia, listada em Bolsa, despencou de R$
383 bilhões para R$ 354,8 bilhões. A crise parece fadada a se aprofundar com a
reabertura dos mercados na segunda (22).
Não
é improvável que a veleidade de Bolsonaro —uma reação demagógica a reajustes de
preços de combustíveis que incomodam seus aliados caminhoneiros— provoque uma
ofensiva jurídica da parte de acionistas minoritários ou mesmo do Ministério
Público.
É
possível alegar, no episódio, violação a dispositivos da Lei das Estatais, que
estabeleceu em 2016 normas de governança das empresas e limites ao mandonismo
do acionista majoritário —justamente na esteira da devastação da Petrobras
durante a administração petista.
Pelos
estatutos da petroleira, o “diktat” de Bolsonaro pode ser refutado pelo
conselho de administração, que discute na terça (23) a composição da diretoria,
cujo mandato se encerra em março. Antes, a expectativa era a recondução do
atual presidente, Roberto Castello Branco. Agora, renúncias de conselheiros não
serão surpresa.
Não
há como subestimar o dano que o desatino do chefe de Estado causa à
credibilidade do governo brasileiro e de sua política econômica. O ministro
Paulo Guedes sofre nova e dura derrota; reforça-se a percepção de que regras e
razões podem ser atropeladas pela vontade de poder de um presidente que se
orienta pelo clamor de corporações e milícias digitais.
Surge
de imediato o temor de que controles de preços colocarão novamente em risco a
solidez financeira da Petrobras; as contas do Tesouro Nacional, já em
frangalhos, se veem ameaçadas por anúncios como o da isenção de tributos
federais sobre o óleo diesel.
Desde
o início de seu governo, Bolsonaro desautoriza ou sabota ou desmoraliza
iniciativas de privatização ou de contenção da despesa pública. As companhias
se desvalorizam, o que é um aspecto da alta do custo do financiamento público e
privado. Riscos elevados e incerteza política criam dificuldades econômicas
duradouras.
Bolsonaro
sabe e não sabe o que faz. É incapaz de entender o alcance dos danos econômicos
que provoca. Mas tem clareza do recado soturno que pretende transmitir: ninguém
está protegido das vontades do grande mandão.
Diálogo amazônico – Opinião / Folha de S. Paulo
Contato
com governo Biden sobre ambiente desfaz por ora temor de antagonismo
A
chegada de Joe Biden à Casa Branca representou duro revés internacional para o
governo Jair Bolsonaro —e não apenas pela derrocada do outrora principal aliado
ideológico do mandatário brasileiro. Com a ascensão do democrata, ganhou
relevância a agenda ambiental, na qual o Brasil só acumulou retrocessos nos
últimos dois anos.
As
tensões ficaram explícitas ainda na campanha. No primeiro debate presidencial,
o então candidato Biden criticou a devastação da floresta amazônica e acenou
com sanções econômicas ao Brasil.
No
cargo, assinou de imediato uma série de medidas inserindo o tópico da mudança
climática no centro das decisões concernentes à política doméstica, à segurança
nacional e às relações exteriores.
Diante
disso, ganharam corpo especulações, motivadas também pela pressão das alas mais
à esquerda do Partido Democrata, de que os EUA passariam a ter uma postura
antes de enfrentamento que de cooperação com o Brasil.
Ao
menos por ora, essa hipótese parece afastada. Na quarta (17), os ministros das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se
reuniram por videoconferência com o
enviado especial para o clima, John Kerry, a mais alta autoridade
sobre o tema no governo americano.
Amistoso,
o encontro serviu, segundo as pastas, para discutir “possibilidades de
cooperação” em mudança do clima e combate ao desmatamento. Ambas as partes se
comprometeram também a manter o diálogo “em busca de soluções rentáveis e
duradouras aos desafios climáticos comuns”.
De
acordo com o jornal “O Estado de S. Paulo”, o Brasil ainda manifestou na
reunião a posição que vem defendendo em fóruns internacionais: o compromisso
com a redução do desmatamento e das queimadas passa pela injeção de recursos
dos países ricos.
O
argumento, evidentemente, tem muito de mera retórica. Caberia questionar, por
exemplo, por que o governo brasileiro desmantelou o bilionário Fundo Amazônia,
fonte de recursos para a floresta mantida por doações de Noruega e Alemanha.
De todo modo, foram positivos os sinais de pragmatismo emitidos nesse primeiro encontro, deixando abertas as portas para parcerias entre os dois governos. Palavras e mesuras diplomáticas à parte, serão as ações concretas da administração brasileira que vão determinar o sucesso da relação.
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