Ele
quer mobilizar o conhecimento em prol da sociedade americana, no presente e no
futuro
É
atributo da liderança a capacidade de indicar rumos na lida com a crescente
complexidade das coisas. Na perspectiva da política, é assegurar o sentido de
direção que sustenta e amplia a governança dos caminhos de uma sociedade. Joe
Biden, neste início de gestão, vem indicando abrangente sentido de direção, até
mesmo em matéria de ciência e conhecimento.
“Conhecimento
é poder”, enunciou Francis Bacon. Antiga afirmação que retém plena atualidade.
Esta resulta da crescente velocidade com que a ciência e a pesquisa expandem as
fronteiras do conhecimento, trazendo mudanças que alteram as condições de vida
em escala planetária. Empoderamento digital e vacinas eficazes para conter a
covid-19 são duas ilustrações do alcance da afirmação de Bacon.
Robert
Zoellick, no recente livro America in the World, dedicado à análise
da diplomacia na construção do poderio dos Estados Unidos, tem um capítulo
dedicado a Vannevar Bush, o “inventor do futuro”. Bush foi assessor de
Roosevelt e de Truman. É o autor de Science: The Endless Frontier, que
inspirou os proponentes da criação da Fapesp e me impressionou quando li a
documentação da instituição, que tive a honra de presidir. O relatório mereceu
importante apresentação em artigo de 2014 de Carlos Henrique de Brito Cruz,
então diretor científico da Fapesp.
Bush concebeu o sistema americano de ciência, tecnologia e inovação pós-2.ª Guerra, levando em conta a complementaridade e os distintos papéis do governo federal, da indústria, de uma comunidade científica e universitária livre e independente e das empresas privadas. Criou, como observa Zoellick, um modelo de inovação que eclipsou o sistema soviético estatal. Esse foi um dos dados que levaram ao sucesso dos Estados Unidos na sua competição com a então União Soviética. Hoje a tensão predominante no sistema internacional passa pelas aspirações de hegemonia que caracterizam o relacionamento de Estados Unidos e China.
Trata-se
de um embate que tem um dos seus grandes focos na competição
científico-tecnológica. Transita pela concorrência entre os modelos de pesquisa
e inovação dos Estados Unidos e o que vem sendo construído, com sucesso, pela
China. Basta mencionar o papel da China em matéria de vacinas para a covid-19,
a relevância da sua atuação em fármacos e a densidade do repertório da Huawei
para a implantação da tecnologia 5G.
Foi
com isso em mente que Biden em 15 de janeiro escreveu para Eric Lander, do
Broad Institute do MIT e Harvard. Destaca a importância do relatório de Bush e
do papel que teve em assegurar a liderança dos Estados Unidos no avanço do
conhecimento. Registra as mudanças ocorridas na natureza das descobertas
científicas, das quais deflui o imperativo de revigorar estratégias da ciência
e tecnologia dos Estados Unidos.
É
nesse contexto que atribui a Lander a missão de mobilizar as lideranças
científicas do país para propor recomendações voltadas para novas estratégias
gerais, ações específicas e estruturas aptas a mobilizar o conhecimento em prol
da sociedade americana, no presente e no futuro.
Na
sua carta, Biden aponta que a China vem eclipsando a liderança científica e
tecnológica dos Estados Unidos e que o futuro do seu país depende da sua
capacidade de enfrentar seus concorrentes nos campos que definirão a economia
do amanhã. Esse é o cerne de sua terceira questão para Lander. Ela é antecedida
e sucedida por outras que indicam a sua sensibilidade para outros temas que vão
além dos desafios da afirmação de uma hegemonia no plano internacional.
A
primeira questão, instigada pelo drama humano da covid-19, indaga o que é
possível alcançar pelo conhecimento para atender aos imperativos da saúde
pública e lidar com o bem-estar da sociedade.
A
segunda diz respeito ao meio ambiente, um dos seus temas recorrentes no plano
interno e internacional, que ele almeja enfrentar com o lastro adensado do
conhecimento. Indaga como as inovações da ciência e da tecnologia podem
encontrar novas e construtivas soluções para enfrentar a mudança climática.
A
quarta questão diz respeito à equidade e indaga como se pode garantir que os
frutos da ciência e da tecnologia sejam plenamente compartilhados por todos os
americanos.
Finalmente,
a quinta e última questão é como assegurar a sustentabilidade em longo prazo da
ciência e da tecnologia nos Estados Unidos. Essa questão está voltada para os
meios de reposicionar, nas circunstâncias atuais, o modelo, inspirado por Bush,
que foi tão bem-sucedido e trouxe tão bons resultados.
Como
estudioso das instituições e da História americanas, cabe registrar, com
admiração, como Biden revela sentido de direção e indica rumos em relação a uma
variável crítica configuradora do destino das sociedades, como é a ciência e a
inovação, e o seu papel no desenho de políticas públicas.
Em
contraste, como brasileiro, só posso lamentar que o presidente Bolsonaro, por
seus pensamentos, palavras e obras, também nesta área careça de sentido de
direção.
*Professor Emérito da USP, foi ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002) e presidente da Fapesp (2007-2015)
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