Todo
macho que se pretende alfa continua a mascar chiclete ao ser preso. É de
manual. O ato mecânico tem duas funções: manter o retesamento da musculatura
facial, indispensável à persona de fortão, e sinalizar um profundo desdém e
superioridade por estar naquela situação. O deputado bolsonarista Daniel
Silveira, preso em flagrante em Petrópolis por ordem do ministro do Supremo
Alexandre de Moraes, tem o physique du rôle à altura do prontuário
amealhado. Em seus primórdios, foi cobrador de ônibus que falsificava carimbos,
atestados médicos e assinaturas para faltar ao trabalho. Dali, migrou para a
Polícia Militar do Rio onde, em pouco mais de 5 anos, colecionou 26 dias de
prisão, 54 de detenção, 14 repreensões, 2 advertências. Mesmo assim não foi
expulso — desligou-se da PM para poder concorrer à vaga de deputado federal. Da
corporação, guardou só os vícios e os carregou com ostentação para o Congresso,
sob o beneplácito do clã Bolsonaro. Alvo nos inquéritos das fake news e dos
atos antidemocráticos, conduzidos pelo STF desde 2020, o deputado encrencou-se
feio esta semana ao divulgar um vídeo com tonitruante apologia à ditadura
militar. Sua postagem, também repleta de ameaças e insultos nominais aos
membros do Supremo, fez com que o colegiado, por unanimidade, e o plenário da
Câmara, por ampla maioria de 364 votos a 130, mantivessem a ordem de prisão.
Não é certo que os 15 minutos de glória e exposição midiática almejados por Daniel Silveira tenham expirado. Eleito para a atual 56ª Legislatura com 0,41% dos votos úteis, o ex-PM de 38 anos talvez perca a adesão de alguns de seus 31.789 eleitores. A julgar pelo tratamento recebido em suas primeiras 48 de detenção, porém, há terreno fértil para adeptos novos.
A
deferência dos agentes que foram prendê-lo em casa, permitindo que ainda
fizesse uma live incendiária do quarto, somada à desenvoltura com que se
recusou a usar máscara dentro do IML, o celular apreendido que lhe foi
devolvido pelos próprios agentes, um segundo celular recebido de visitante não
revistado — tudo aponta para a tênue fronteira que desde a ascensão de
Bolsonaro aproxima os agentes da lei aos à margem da lei.
Neste
Brasil desgovernado, um deputado “bacharelando” (como consta do perfil oficial
de Silveira), que dá aulas de muay thai e defesa pessoal, além de defender a
volta do AI-5, pode valer mais do que um senador de 69 anos flagrado pela
Polícia Federal com R$ 30 mil na cueca. Chico Rodrigues, o senador em questão,
pôde retornar ao convívio do compadrio legislativo esta semana, após uma
licença de quatro meses. Já um Daniel Silveira bombado, militarizado e golpista
pode ser de utilidade só em 2022. Por ora, a natureza da visibilidade relâmpago
do deputado foi incômoda. Mas, em ano eleitoral, sua militância extremada pode
se somar aos que querem virar o jogo.
Por
ironia, o senador da cueca recheada informou aos colegas que entrara em pânico
e cometera o ato impudico por não saber se estava sendo alvo de uma operação
policial ou da ação de uma quadrilha especializada. Sem entrar no mérito da
justificativa, vale registrar que, no Brasil de Bolsonaro, a confusão entre
polícia e milícia, polícia e bandido, polícia e cidadão armado tende a se
acentuar. É de propósito.
O
pacote pró-armas que o presidente editou às vésperas do carnaval desafia
qualquer razão, exceto a lógica que move o chefe da nação a buscar um segundo
mandato a qualquer custo. Seu decreto autoriza a posse de 6 armas para o
cidadão comum (podendo chegar a 15 em casos especiais), 60 armas para
atiradores, 30 armas para caçadores, 2 armas de uso restrito para policiais e
uma generosa flexibilização no rastreamento e no controle desse mercado. O
desmonte rápido e pouco gradual do Estatuto do Desarmamento já resultou no
registro de 400 mil pessoas como pertencendo à categoria CAC (caçadores, atiradores
e colecionadores). No Brasil de Bolsonaro, “caçadores” podem adquirir não
apenas rifles e espingardas, mas também, se preferirem, 30 armas de cano curto.
Caçar animais com pistola e revólver é novidade.
Para
um presidente estridentemente avesso a assumir as medidas impopulares de seu
governo, deveria ser contraintuitivo escancarar tamanho acesso a armas. Segundo
pesquisa Datafolha, 72% da população brasileira desaprovavam a proposta de
armar cidadãos em 2020.
Mas
a medida favorece a expansão de milícias bolsonaristas entre a população. E, na
eventualidade de um conflito generalizado decorrente das eleições, elas
poderiam se somar aos 12% de policiais militares que, em levantamento de 2020
citado pelo professor Thiago Amparo, se mostraram favoráveis à prisão de
ministros do Supremo e ao fechamento do Congresso.
O ex-PM e deputado agora preso tem farta companhia armada. O que até pouco tempo atrás era designado como milícia já não se restringe aos egressos ou membros das forças policiais que formam sindicatos do crime e controlam parte da vida urbana em cidades como o Rio. São bolsões inteiros da sociedade formando milícias civis e uma nação à deriva. Manter preso um Daniel Silveira é relativamente fácil. Mas já não basta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário