Mesmo
com as vacinas, mundo continuará bem complicado
Nas
últimas semanas, vários artigos começaram a discutir a possibilidade de
estarmos entrando num ciclo de alta de preços de commodities, semelhante àquele
ocorrido no início deste século. Razões para essa hipótese não faltam: em
relação a março do ano passado, quando boa parte do mundo parou por conta da
pandemia, os preços em dólar do minério de
ferro estavam 90% mais elevados, os do aço, 118%, os da soja, 54%, e os do milho, 60%.
Os
defensores dessa tese aliam três grupos de observações.
Na última década, os preços das mercadorias foram relativamente baixos, fazendo com que os investimentos em nova capacidade produtiva fossem se reduzindo. Assim, em muitos casos não há folga disponível na oferta e, dado o fato de que novos projetos levam bastante tempo para se completar, teríamos uma situação na qual há uma baixa elasticidade de resposta da produção frente a um aumento da demanda no curto prazo.
O
segundo ponto destacado nessas análises projeta uma forte elevação da procura
por esses bens nos próximos meses, uma vez que o avanço da vacinação em massa
nos países ricos do hemisfério norte deve liberar o relacionamento social ao
longo do segundo semestre. Neste momento, a vontade reprimida de consumir, os
recursos poupados durante o distanciamento social e a continuidade das
políticas expansionistas alavancarão uma rápida expansão dos mercados. Isso se
somará ao crescimento que já ocorre na China e em outros países
asiáticos.
Ao lado disso, mudanças induzidas e reforçadas pelo período de pandemia levarão a um maior consumo de certos materiais, especialmente metais.
Falo
aqui de digitalização, de energia renovável, de carros elétricos e baterias, e
do processo de descarbonização em grandes complexos industriais.
Em
outras palavras, a pressão de demanda seguiria forte.
O
terceiro fator relevante neste processo resulta da gigantesca liquidez
internacional, que está levando a uma explosão de compra de certos ativos que
representem esses setores: mercados futuros, ações e bônus. Em vários casos,
existem posições vendidas que podem gerar, frente a uma elevação da demanda,
uma situação de short squeeze, nos moldes do que ocorreu recentemente com a
ação da GameStop.
Ativos
financeiros representando os segmentos de commodities podem subir muito,
completando o caso a favor de um novo ciclo.
Temos
aqui uma disputa entre uma recuperação cíclica e a consolidação de uma nova
tendência.
Vale
dizer que o exposto até aqui já nos diz que os preços de todas as mercadorias
continuarão fortes neste ano. Alimentos, metais e petróleo continuarão trazendo
para os países produtores, como o Brasil, o pacote completo: ganho de renda
(termos de troca), fartura de divisas, tensões nas cadeias produtivas e
pressões inflacionárias.
E
o que se pode dizer das tendências para os próximos anos?
Como
o espaço é muito pequeno, aqui vai apenas um breve resumo.
Petróleo: os preços estão
subindo apenas porque Opep e Rússia conseguiram
organizar a substancial redução na produção. Existe, pois, capacidade ociosa no
sistema. Entretanto, fatores de curto prazo, como a atual tempestade no Texas e
os movimentos do mercado financeiro, poderão elevar os preços acima de US$ 70.
Por outro lado, elevações de produção em outros países, como o Brasil, o crescimento
da energia solar e da eólica, a entrada de veículos elétricos e a maior
eficiência no sistema produtivo não parecem sustentar uma tendência mais
persistente de alta de preços.
Alimentos:
a situação estatística dos mercados de grãos e proteínas está bastante
apertada, tendo como pano de fundo a crise na produção de suínos na China.
Eventuais problemas climáticos terão um efeito amplificado sobre os preços.
Entretanto, boa parte do mundo sairá mais pobre da pandemia e a oferta agrícola
tende a ser razoavelmente elástica num prazo de dois anos à frente. Como no
caso do petróleo, teremos problemas garantidos no curto prazo, mas tenho
dificuldades de ver um boom de preços consistente a médio prazo.
Minérios
e metais: talvez seja o caso mais consistente. Pacotes de investimento em
infraestrutura, como o do Presidente Biden, e novos
equipamentos e tecnologias farão a demanda crescer significativamente. O longo
tempo de maturação de novos projetos também contribuirá para tornar o
equilíbrio mais distante.
Mesmo
com as vacinas, o mundo continuará bem complicado.
*Economista e sócio da MB Associados
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