O Globo / O Estado de S. Paulo
Falta um ano para as eleições
presidenciais, e só tem turbulência em volta. Mas, entre disparates golpistas,
a Arena renascendo e os generais aloprados, temos outro problema grave. No
longo prazo, talvez mais grave. Quem frequenta o circuito dos encontros com
pré-candidatos, lê atento os jornais e conversa com políticos de todos os
partidos logo percebe o tamanho. Quase nenhum dos principais líderes políticos
vive no século XXI. Constroem suas ideologias, à direita ou à esquerda, sobre
os alicerces de uma realidade que não mais existe. E isso quer dizer que, como
está, não importa que grupo suceda a Bolsonaro. Governará o país sem um
diagnóstico da transformação em curso.
Há exceções. Alguns deputados federais e
mesmo senadores, um ou outro dirigente partidário, mesmo técnicos e acadêmicos
que dão apoio às candidaturas. Mas são exceções e, quase sempre, gente com
influência menor nos altos-comandos das legendas.
Isso não tem rigorosamente nada a ver com idade. Joe Biden é um político do tempo da Guerra Fria que já se candidatara à Presidência quando a internet apareceu, já concorrera duas vezes à Casa Branca quando se falou a sério de mudanças climáticas e, quase octogenário, redirecionou o Estado a toda no sentido da era em que vivemos.
Sua visão de EUA se traduz em dois pilares.
Uma sociedade e uma economia que sejam digitais e verdes. As frentes para tocar
esse projeto, no entanto, são muitas. Uma é dar infraestrutura ao país para que
possa crescer nesse caminho. Isso quer dizer redes físicas de banda larga por
toda parte. Também quer dizer subsídios, investimentos e incentivos para a
conversão de antigos e criação de novos negócios. Mas também é um cuidado
pesado com retreinamento de mão de obra. E, principalmente, a compreensão de
que, se a operário basta o ensino médio, no século XXI um percentual maior da
população precisa ter formação superior. Este é um século em que o PIB está
relacionado ao número de cérebros bem-educados. País que não dá universidade a
muita gente é país pobre.
Outra perna do trabalho é enfrentar os
monopólios do Vale do Silício. Há motivos pontuais — a pandemia de
desinformação, que abala democracias e faz morrer gente. Mas, no médio e longo
prazos, é mais que isso. Com talentos e recursos financeiros concentrados em
poucos grupos fortes demais, como é a natureza dos monopólios, a criação trava,
o mercado congela, a inovação desaparece.
Operários em fábricas não voltarão mais.
Toda a classe em cima da qual Karl Marx ergueu sua leitura de uma revolução
futura deixará de existir. Afinal, “quarta era industrial” é metáfora, não
descrição. A Era Industrial acabou. Assim como o tempo do combustível fóssil
está terminando — sim, ele resistirá ainda um quê a mais, só que não muito.
Bata na porta de uma petroleira, e a moça da recepção logo corrigirá: “Não,
aqui somos uma empresa de energia”.
Isso não quer dizer que não exista mais
necessidade de esquerda. O digital criou um tipo de precarização de serviços,
com Ubers e Rappis, que precisa ser resolvido. Tampouco aponta para a extinção
da direita — empresários precisam de mais apoio do que nunca para fazer a
transição digital. É um processo complexo, difícil, inevitável — que, no
Brasil, não está sendo feito em inúmeros setores. Isso torna o país ainda menos
competitivo.
A conta da incompetência de todos os
governos passados com educação chegou. Precisaremos resolver a educação pública
de qualidade com urgência. Isso e um projeto econômico verde para a Amazônia
são as prioridades do próximo Planalto. Só que formar daqui a 20 anos não
bastará. Os empresários Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
vêm defendendo um programa de importação de cérebros. Estão certos, e é
inevitável.
É o básico para qualquer governo
pós-pesadelo.
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