Folha de S. Paulo
Para salvar o pescoço, Bolsonaro atropela
até os amigos que o ajudaram a chegar ao poder
Pobre general Luiz
Eduardo Ramos! Respeitou o regulamento do Exército que reprova a presença
de oficiais da ativa em cargos comissionados e, a um ano e meio da
aposentadoria, abriu mão de uma digna reforma para ser ministro do governo
Bolsonaro. Ele não sabia que não precisava disso —poderia ter feito como o
general Eduardo Pazuello, que foi de farda e tudo para um ministério de bilhões
sob vista grossa de seus superiores. E como o general Ramos poderia imaginar
que Bolsonaro, tão seu amigo, iria virar-lhe as costas, como já fizera com
outros sem os quais não teria chegado à Presidência?
Ramos não precisava ser um estrategista como Napoleão ou Nelson para saber o que o esperava. Bastar-lhe-ia computar as bofetadas verbais que Bolsonaro estalava todos os dias na cara de seu ex-ministro da Justiça Sergio Moro, principal avalista de sua eleição. Ou o chute que Bolsonaro aplicou no ex-senador Magno Malta, cuja oração ao pé do seu leito no hospital o levantara dos mortos depois da facada em Juiz de Fora. Ou em seu cabo eleitoral Gustavo Bebianno, que, ao se ver traído por Bolsonaro, literalmente morreu de desgosto.
Ramos poderia ter observado também o que
Bolsonaro reservara a seus camaradas, os generais Rego Barros, Santos Cruz,
Azevedo e Silva e Edson Pujol, o almirante Ilques Barbosa e o brigadeiro Antonio
Carlos Bermudez. Todos foram despachados por Bolsonaro, talvez por não se
provarem golpistas. Pois o fiel Ramos levou o bilhete azul por motivo ainda
mais humilhante —porque, em troca de proteção, Bolsonaro teve de entregar
seu cargo
a um político daqueles que os militares acreditaram que ele iria
combater.
Que pena, nunca mais teremos pela TV a
expressão de deslumbramento com que o general Ramos olhava para seu líder
Bolsonaro —tão compenetrado que nem viu o trem que, como ele confessou, lhe
passaria por cima.
Bem feito.
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