A intolerância está entre nós, e vem de baixo para cima
Valor Econômico
Joia do reacionarismo brasileiro, o
dramaturgo Nelson Rodrigues certa feita pontificou que “quando os amigos deixam
de jantar com os amigos, é porque estamos maduros para a carnificina”. Com
muitas décadas de antecipação, ele se adiantou à visão descrita pela jornalista
americana Anne Applebaum em seu livro “O crepúsculo da democracia - Como o
autoritarismo seduz e amizades são desfeitas em nome da política”.
A polarização deixou de ser apenas uma
estratégia de grupos para exercerem sua hegemonia. Ela penetrou na sociedade e
a intolerância passou a vir de baixo para cima. Ela está no meio de nós. Um
exemplo dos novos tempos está se desenrolando na Igreja Católica. Mais
precisamente na paróquia da Paz, entre Aldeota e Meireles, área de classe média
alta de Fortaleza.
Lá, no dia 4, missa de domingo, o padre Lino Allegri, 82 anos, adepto da Teologia da Libertação, fez um sermão que desagradou aos bolsonaristas presentes à celebração. Exaltados, eles o interpelaram depois do culto, na sacristia. Infelizmente não há registro disponível da cena. Essa missa não está registrada nas redes sociais. As que se seguiram sim, estão no canal da paróquia no YouTube.
No domingo seguinte, a paróquia estava
conflagrada. Em uma ala, alguns fiéis com camisas vermelhas. Em outra, fiéis de
verde e amarelo. Padre Lino não estava presente, mas ao fim da missa uma fiel
leu uma nota da CNBB, assinada por dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de
Belo Horizonte e presidente da entidade. A mensagem era política.
Pedia “apuração irrestrita e imparcial das
denúncias” que vieram à tona no âmbito da CPI da Covid no Senado. “Ao abdicarem
da ética, muitos agentes públicos tornam-se protagonistas de um cenário
desolador”, dizia o documento. Uma fiel vestida de vermelho aplaudiu
prolongadamente. Na sequência, outro fiel leu um documento assinado por
diversos movimentos sociais de desagravo ao padre Lino pela confusão da semana
anterior na sacristia.
Aí o caldo entornou. “Este padre
transformou o altar da Igreja em palanque político”, gritou um fiel no extremo
oposto. O que se passou a seguir lembra arquibancada de jogo de futebol, briga
de bar, cena de assembleia sindical, qualquer coisa muito diferente de um
templo religioso. O padre passou a receber ameaças e entrou em um programa do
governo cearense de proteção a pessoas sob risco. Os grupos de WhatsApp de
Fortaleza fervilharam.
No dia 18, outros padres celebraram a
missa, com sermão apolítico e leituras do evangelho pregando a concórdia. A
Igreja estava ocupada por bolsonaristas. “Os padres pediram arrego”, “botamos
os vermelhos para correr”, festejaram nas redes alguns integrantes de grupos
conservadores, segundo o blog “escrivaninha”, de jornalistas cearenses.
A Igreja Católica no Brasil sempre esteve
envolvida com a política. O Brasil já foi administrado por um padre, Diogo
Antônio Feijó, durante a regência. Há vários registros de pregação política em
missas circulando na internet, da esquerda ou da direita, mas nenhum em que o
ambiente beirou a agressão, como no caso da paróquia da Paz.
A Igreja é dividida, mas foge da
fragmentação. Do Concílio Vaticano II para cá, houve bispos tradicionalistas
que ordenaram padres à revelia da ordem papal e sacerdotes que pegaram em armas
contra o capitalismo. Cada cisma foi um trauma. Daí se entende a falta de uma reação
pública da cúpula da Igreja ao episódio. Não há canal algum de interlocução
estabelecido com os extremistas de direita, mas toma-se cuidado para que seja
possível um diálogo no futuro.
Muito longe de ser um adepto da Teologia da
Libertação, como é o padre Lino, o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto
comenta: “Este é o caso mais extremo que já ouvi, mas não causa estranheza.”
Borba é coordenador do Núcleo Fé e Cultura, uma espécie de “think tank”
vinculado à PUC de São Paulo e à arquidiocese paulistana. Não causa estranheza
a ele porque Borba observa uma crescente intolerância mais acentuada nos
círculos de direita desde 2014.
Ele teme um fenômeno de apropriação que
pode se tornar maior à medida que o bolsonarismo perder aderência na sociedade
e ficar reduzido aos bolsões dos incondicionais.
Se a defesa de Bolsonaro vai se misturando
com a exaltação do cristianismo, seja por católicos ou evangélicos, as
fronteiras correm o risco de se borrar.
Vários símbolos que não eram partidários em
sua origem, mas que representavam a identidade da nação, agora são vistos como
identificados com o bolsonarismo.
O verde e amarelo e o hino são apenas dois
exemplos. O sequestro por uma facção da imagem de uma religião profundamente
entranhada não apenas na história brasileira mas na base da civilização
ocidental não é um risco abstrato. Assim como pode-se pensar que todo
bolsonarista é um religioso, há o risco também de se entender que todo
religioso é, por definição, um bolsonarista. E renegar ao bolsonarismo, em um
cenário extremo, pode, por tabela, levar a uma rejeição da religião. “As novas
gerações vão entender muito menos o cristianismo do que as antigas”, observa
Borba.
A tomada da Igreja da Aldeota, portanto,
não é raio em céu azul. Está dentro de um contexto em que a exaltação da
religião faz parte do núcleo bolsonarista. Não é uma perspectiva confortável
para os que guiam suas vidas hoje pelo senso religioso e que procuram dar a
César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
São Paulo
O governador de São Paulo, João Doria,
contemporiza, menciona que ainda existe perspectiva de Alckmin abrir mão de sua
pretensão de concorrer ao governo estadual no próximo ano, mas um político
tucano ligado a ambos descrê dessa possibilidade. Considera que o atrito é
insuperável e que uma avenida se abre para o PT ter boa eleição no Estado, se
chegar a um acordo com Guilherme Boulos, do Psol. Ele considera que feridas
abertas no primeiro turno não cicatrizam no segundo.
Fábio Faria
Se por alguma circunstância o presidente
Jair Bolsonaro não disputar a reeleição, há quem mencione no mercado a
possibilidade de o ministro Fábio Faria, e não Tarcísio Freitas ou Damares
Alves, tornar-se o nome do grupo bolsonarista em 2022.
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