sexta-feira, 23 de julho de 2021

Cesar Felício - Deus acima de todos

A intolerância está entre nós, e vem de baixo para cima

Valor Econômico

Joia do reacionarismo brasileiro, o dramaturgo Nelson Rodrigues certa feita pontificou que “quando os amigos deixam de jantar com os amigos, é porque estamos maduros para a carnificina”. Com muitas décadas de antecipação, ele se adiantou à visão descrita pela jornalista americana Anne Applebaum em seu livro “O crepúsculo da democracia - Como o autoritarismo seduz e amizades são desfeitas em nome da política”.

A polarização deixou de ser apenas uma estratégia de grupos para exercerem sua hegemonia. Ela penetrou na sociedade e a intolerância passou a vir de baixo para cima. Ela está no meio de nós. Um exemplo dos novos tempos está se desenrolando na Igreja Católica. Mais precisamente na paróquia da Paz, entre Aldeota e Meireles, área de classe média alta de Fortaleza.

Lá, no dia 4, missa de domingo, o padre Lino Allegri, 82 anos, adepto da Teologia da Libertação, fez um sermão que desagradou aos bolsonaristas presentes à celebração. Exaltados, eles o interpelaram depois do culto, na sacristia. Infelizmente não há registro disponível da cena. Essa missa não está registrada nas redes sociais. As que se seguiram sim, estão no canal da paróquia no YouTube.

No domingo seguinte, a paróquia estava conflagrada. Em uma ala, alguns fiéis com camisas vermelhas. Em outra, fiéis de verde e amarelo. Padre Lino não estava presente, mas ao fim da missa uma fiel leu uma nota da CNBB, assinada por dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte e presidente da entidade. A mensagem era política.

Pedia “apuração irrestrita e imparcial das denúncias” que vieram à tona no âmbito da CPI da Covid no Senado. “Ao abdicarem da ética, muitos agentes públicos tornam-se protagonistas de um cenário desolador”, dizia o documento. Uma fiel vestida de vermelho aplaudiu prolongadamente. Na sequência, outro fiel leu um documento assinado por diversos movimentos sociais de desagravo ao padre Lino pela confusão da semana anterior na sacristia.

Aí o caldo entornou. “Este padre transformou o altar da Igreja em palanque político”, gritou um fiel no extremo oposto. O que se passou a seguir lembra arquibancada de jogo de futebol, briga de bar, cena de assembleia sindical, qualquer coisa muito diferente de um templo religioso. O padre passou a receber ameaças e entrou em um programa do governo cearense de proteção a pessoas sob risco. Os grupos de WhatsApp de Fortaleza fervilharam.

No dia 18, outros padres celebraram a missa, com sermão apolítico e leituras do evangelho pregando a concórdia. A Igreja estava ocupada por bolsonaristas. “Os padres pediram arrego”, “botamos os vermelhos para correr”, festejaram nas redes alguns integrantes de grupos conservadores, segundo o blog “escrivaninha”, de jornalistas cearenses.

A Igreja Católica no Brasil sempre esteve envolvida com a política. O Brasil já foi administrado por um padre, Diogo Antônio Feijó, durante a regência. Há vários registros de pregação política em missas circulando na internet, da esquerda ou da direita, mas nenhum em que o ambiente beirou a agressão, como no caso da paróquia da Paz.

A Igreja é dividida, mas foge da fragmentação. Do Concílio Vaticano II para cá, houve bispos tradicionalistas que ordenaram padres à revelia da ordem papal e sacerdotes que pegaram em armas contra o capitalismo. Cada cisma foi um trauma. Daí se entende a falta de uma reação pública da cúpula da Igreja ao episódio. Não há canal algum de interlocução estabelecido com os extremistas de direita, mas toma-se cuidado para que seja possível um diálogo no futuro.

Muito longe de ser um adepto da Teologia da Libertação, como é o padre Lino, o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto comenta: “Este é o caso mais extremo que já ouvi, mas não causa estranheza.” Borba é coordenador do Núcleo Fé e Cultura, uma espécie de “think tank” vinculado à PUC de São Paulo e à arquidiocese paulistana. Não causa estranheza a ele porque Borba observa uma crescente intolerância mais acentuada nos círculos de direita desde 2014.

Ele teme um fenômeno de apropriação que pode se tornar maior à medida que o bolsonarismo perder aderência na sociedade e ficar reduzido aos bolsões dos incondicionais.

Se a defesa de Bolsonaro vai se misturando com a exaltação do cristianismo, seja por católicos ou evangélicos, as fronteiras correm o risco de se borrar.

Vários símbolos que não eram partidários em sua origem, mas que representavam a identidade da nação, agora são vistos como identificados com o bolsonarismo.

O verde e amarelo e o hino são apenas dois exemplos. O sequestro por uma facção da imagem de uma religião profundamente entranhada não apenas na história brasileira mas na base da civilização ocidental não é um risco abstrato. Assim como pode-se pensar que todo bolsonarista é um religioso, há o risco também de se entender que todo religioso é, por definição, um bolsonarista. E renegar ao bolsonarismo, em um cenário extremo, pode, por tabela, levar a uma rejeição da religião. “As novas gerações vão entender muito menos o cristianismo do que as antigas”, observa Borba.

A tomada da Igreja da Aldeota, portanto, não é raio em céu azul. Está dentro de um contexto em que a exaltação da religião faz parte do núcleo bolsonarista. Não é uma perspectiva confortável para os que guiam suas vidas hoje pelo senso religioso e que procuram dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.

São Paulo

O governador de São Paulo, João Doria, contemporiza, menciona que ainda existe perspectiva de Alckmin abrir mão de sua pretensão de concorrer ao governo estadual no próximo ano, mas um político tucano ligado a ambos descrê dessa possibilidade. Considera que o atrito é insuperável e que uma avenida se abre para o PT ter boa eleição no Estado, se chegar a um acordo com Guilherme Boulos, do Psol. Ele considera que feridas abertas no primeiro turno não cicatrizam no segundo.

Fábio Faria

Se por alguma circunstância o presidente Jair Bolsonaro não disputar a reeleição, há quem mencione no mercado a possibilidade de o ministro Fábio Faria, e não Tarcísio Freitas ou Damares Alves, tornar-se o nome do grupo bolsonarista em 2022.

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