O Estado de S. Paulo
O Centrão carrega na mão, sentindo-se à
vontade para gastar o dinheiro público
Quando o Congresso aprovou uma verba de R$
5,7 bilhões para o fundo eleitoral, muitos, como eu, protestaram. É o preço da
democracia, falou-se em defesa do assalto ao Tesouro. De fato, as eleições têm
um preço para todos, sobretudo depois que se decidiu transitar do financiamento
privado para o público. Precisava ser um preço tão alto?
A ideia na transição era a de que os gastos
excessivos, as campanhas rocambolescas dariam lugar a um processo de debates, e
com custos mais modestos. Reconheço que a expressão custos mais modestos tem um
valor subjetivo. No entanto, outro argumento se impõe: já que são gastos
públicos, devem ser orçados com transparência.
Não foi o que aconteceu. A transparência
desejada deu lugar a uma opacidade calculada. O fundo eleitoral deveria ser
votado em destaque separado.
Nessa hipótese, os defensores da proposta
deveriam explicar o sentido daquela soma de R$ 5,7 milhões. Por que esta soma e
não outra, que cálculos os levaram a concluir por um volume de recursos quase
três vezes superior ao que foi votado no passado recente?
Adianta pouco pessoas que conhecem a
complexidade e os mistérios da política dizerem pura e simplesmente: o volume é
esse e pronto, um custo democrático. O que se espera é uma discussão
transparente e realista sobre os custos eleitorais, até porque podem ser feitos
ainda num contexto de pandemia. Caem as internações, mas a variante delta
avança no Brasil e já é a segunda encontrada entre as novas contaminações.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, argumentou numa entrevista que os gastos eram apenas um quarto dos custos totais das eleições. Mais uma razão para nos inquietarmos: se isso é verdadeiro, as eleições no Brasil custarão R$ 24 bilhões. As de 2018 teriam custado R$ 21,8 bilhões e não estávamos devastados pela pandemia. Não estou acrescentado a esse custo os R$ 2 bilhões necessários para implantar o voto impresso, uma bandeira de Bolsonaro que já está desbotando na Câmara, embora tenha sua votação apenas adiada.
Há algum tempo os especialistas consideram
as eleições brasileiras as mais caras do mundo. Em 2006, o brasilianista David
Samuels comparou as eleições brasileiras e americanas: as nossas custaram entre
US$ 3,5 bilhões e US$ 4,5 bilhões, ante US$ 3 bilhões nos EUA. Os cálculos de
Samuels não incluem o chamado horário eleitoral gratuito, que tem esse nome
para atenuar seu impacto nas contas, mas representa custo real para o País.
O ato de orçar as eleições brasileiras não
envolve, pois, apenas uma parte do preço da democracia, mas também uma porção
considerável de sua saúde, expressa em legitimidade.
Dominado pelo Centrão, o Congresso sente-se
forte ante um presidente acossado por mais de uma centena de pedidos de
impeachment. E carrega na mão, sentindo-se à vontade para gastar dinheiro
público.
Esse movimento perdulário não se esgota no
fundo eleitoral. O próprio Estado denunciou
uma espécie de orçamento secreto, em que as emendas parlamentares são
destinadas sem transparência.
Esse processo foi introduzido por meio de
um artifício que intitularam “emendas do relator”. Só neste ano Arthur Lira
deverá dispor de R$ 11 bilhões para destinar a deputados e partidos fiéis,
dentro dessa rubrica.
O chamado preço da democracia brasileira
está influenciando a sua saúde. Todos os ressentimentos que já existem sobre a
atuação do Congresso acabam ganhando dimensão maior quando se acrescentam essas
variáveis financeiras.
Por essas razões foi necessário protestar
contra o fundo eleitoral. Bolsonaro não pode simplesmente vetá-lo. Será
necessário buscar uma saída conciliatória, pois não podemos voltar subitamente
ao financiamento privado.
Aliás, a situação de Bolsonaro é muito
cômoda. Ele é candidato e seus gastos de campanha até o momento não são
computados como tal. Eles são bancados pelo governo federal, que financia seus
deslocamentos no Brasil para passear de motocicleta e fazer discursos
eleitorais, às vezes disfarçados, às vezes não. Os custos da campanha já em
curso não se esgotam aí. Seu passeio no Rio custou ao Estado R$ 645 mil na
montagem do esquema de segurança. Em São Paulo, esse custo praticamente dobrou
e foi a R$ 1,2 milhão.
Bolsonaro venceu as eleições em 2018
surfando a onda da luta contra a corrupção e o desprezo do sistema político
pelas preocupações das pessoas comuns. Alguns analistas acham que Bolsonaro
venceu por causa de um moralismo primário dos eleitores e de alguns formadores
de opinião. Essa acusação de moralismo se volta agora contra quem protesta pelo
alto custo do fundo eleitoral. No entanto, nosso protesto pode resultar em
economia concreta para os cofres públicos, sem prejuízo da disputa eleitoral.
Esses R$ 5,7 milhões serão de alguma forma
reduzidos.
A análise do moralismo é precária se não
leva em conta o fato de que o sistema político continua de costas para a
sociedade e prepara reformas ainda mais escabrosas que o valor do fundo
eleitoral.
O grande perigo para a democracia acontece
quando o povo se volta contra ela. É o aprendizado que o processo de
redemocratização tem de fazer, para evitar que aventuras autoritárias se tornem
viáveis de novo.
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