Revista Veja
O apoio do Centrão não é barato, incondicional ou eterno
Bolsonaro chamou o senador Ciro Nogueira,
um dos principais caciques do Centrão, para a Casa Civil.
É incontornável: quanto maior o desgaste do
presidente na CPI e nos índices de aprovação, maior é a necessidade de apoio, e
mais o presidente loteia seu governo e abre espaço ao Centrão.
Nogueira andava afastado de Bolsonaro
ultimamente. Resistiu a ceder a legenda ao presidente, reconheceu o direito de
Renan Calheiros de ser relator da CPI, afastou-se das sessões da comissão para
não defender o indefensável. Agora inverte a ponta e se joga de corpo inteiro
nos braços de Bolsonaro, onde já está seu correligionário Arthur Lira,
presidente da Câmara, que hoje bloqueia nada menos do que 126 pedidos de
impeachment.
Com Ciro (e Lira), Bolsonaro aumenta o
apoio parlamentar, reduz o risco de impeachment, encomenda uma legenda para
2022 e monta o quartel-general da campanha. Quem sabe até emplaca um candidato
a vice. Ciro e Lira ganham vantagens e prometem boa vontade. Só. Por um preço.
Por um tempo.
O chiste do general Augusto Heleno (“se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”) vai se tornando literalmente verdadeiro. Está cada vez mais difícil encontrar no governo alguém que não esteja ligado ao Centrão — até os militares governistas se tornaram uma espécie de Centrão verde-oliva, e o próprio Heleno diz que “nem reconheço hoje a existência desse ‘Centrão’”.
“O
Centrão é um abutre com apetite insaciável, tende a engolir o governo, o qual,
quanto mais frágil fica, mais cede, e quanto mais cede, mais frágil fica”
A Casa Civil é o ministério mais
importante, administra todos os projetos e cargos, cuida da relação com o
Congresso. A pedra estava cantada desde a prisão de Fabrício Queiroz, e
finalmente aconteceu: Bolsonaro entregou de vez a administração do galinheiro
ao Centrão, isto é, à raposa.
A imagem do galinheiro entregue às raposas
é adequada, mas há uma metáfora zoológica mais apropriada: a do capitalista
abutre. Venture capitalist,
ou capitalista de risco, é quem investe em empresas iniciantes com boas
perspectivas e lucra com seu crescimento. Já o vulture capitalist, o capitalista abutre, financia
empresas em sérias dificuldades (as carniças), que ninguém quer. As condições
de financiamento exigidas pelo abutre são tão draconianas que com frequência
matam a empresa. No fim, a empresa quebra, o dono fica pobre e o abutre sai
ileso e rico.
O Centrão é um abutre com apetite
insaciável, quer tudo isso e o céu também, tende a engolir o governo, o qual,
quanto mais frágil fica, mais cede, e quanto mais cede, mais frágil fica. O
apoio do Centrão é necessário para a sobrevivência a curto prazo do governo,
mas não é barato, incondicional ou eterno.
O Centrão sabia que o voto impresso era a
preparação do golpe, e o enterrou. Sabe que as perspectivas eleitorais de
Bolsonaro são sofríveis, e não se compromete a apoiá-lo. O “guarda bom” Arthur
Lira segura o impeachment, mas seu vice, o “guarda mau” Marcelo Ramos, ameaça
votá-lo. Ao fim e ao cabo, o Centrão apoiará o presidente no que for bom para o
Centrão, enquanto for bom para o Centrão.
Até quando, não se sabe. Depende da
economia, da pandemia, da CPI, das manifestações de rua, de muitos outros
fatores. Até da chuva.
O que se sabe é que carniça não é coisa que
pare de apodrecer.
Publicado em VEJA de 28 de julho de
2021, edição nº 2748
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