sexta-feira, 23 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Os espasmos de um governo fraco

O Estado de S. Paulo

Com ameaça, Jair Bolsonaro confirma definhamento político, algo que nenhum arreganho travestido de advertência militar é capaz de reverter

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que não haverá eleições no ano que vem se não houver voto “auditável”, com comprovante impresso, conforme revelou reportagem do Estado publicada ontem. Quando fez a advertência, Braga Netto estava acompanhado dos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Não é a primeira vez que o governo de Jair Bolsonaro faz esse tipo de ameaça golpista. O próprio presidente, no dia 8 passado, mesmo dia em que Braga Netto passou seu perigoso recado, declarou: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Para Jair Bolsonaro, a eleição só será “limpa” se for com o tal voto impresso, que o Congresso tende a rejeitar.

Como se sabe, a defesa do voto “auditável” é pretexto de Bolsonaro para anunciar, com meses de antecipação, que não aceitará o resultado das eleições do próximo ano caso seja derrotado. Ao se envolver nessa ameaça, o ministro Braga Netto, general da reserva, arrasta os militares perigosamente para o centro da crise – e, mais do que nunca, o que se espera é que os comandantes das Forças Armadas, que não são políticos nem devem ter compromisso com este ou aquele governo, devem se esforçar para deixar claro seu respeito pela democracia, diferenciando-se dos liberticidas bolsonaristas.

No entanto, esses mesmos comandantes, dois dias antes da ameaça de Braga Netto, deixaram subentendida a possibilidade de uma ruptura institucional, em uma nota do Ministério da Defesa em repúdio ao presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz, depois que este disse haver um “lado podre nas Forças Armadas envolvido na falcatrua dentro do governo”. Na nota, os comandantes e o ministro da Defesa dizem que as Forças Armadas “não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

O fato é que os militares da ativa e da reserva hoje no governo pleiteiam o melhor dos dois mundos: querem o bônus do poder sem o ônus do escrutínio democrático. E, com ambições diversas, se deixam usar por Bolsonaro para chantagear os brasileiros, o que é, isso sim, fator de risco à democracia e à liberdade que os militares dizem defender.

Na nota em que pretendeu negar as informações publicadas pelo Estado a respeito de suas ameaças, o ministro Braga Netto reiterou a defesa do tal voto impresso. “Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes”, disse Braga Netto na mensagem, sem explicar, no entanto, o que o Ministério da Defesa tem a ver com o sistema de votação.

O fato, incontornável, é que Bolsonaro investe na crise do voto “auditável”, enredando os militares, para tentar esconder a extrema fragilidade de seu governo. Não parece ser por acaso que o atrito protagonizado pelo ministro da Defesa, tendo os comandantes das Forças Armadas como coadjuvantes, tenha ocorrido na semana em que Bolsonaro deu a Casa Civil, centro nervoso do governo, ao líder mais relevante do Centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Com isso, o Centrão, que já colonizava o governo, passa efetivamente a comandá-lo.

Ao Centrão, que agora dispõe de dedos e anéis, não interessa a crônica baderna bolsonarista, razão pela qual o presidente da Câmara, Arthur Lira, depois de receber o recado ameaçador do ministro Braga Netto, disse a Bolsonaro que continua disposto a apoiá-lo, mas avisou que não dará aval a nenhuma aventura golpista.

No entanto, a natureza de Bolsonaro sempre fala mais alto, e o presidente voltou a dizer que não aceitará o resultado da eleição se for mantido o atual sistema de votação, sugerindo que a Justiça Eleitoral opera fraudes em segredo. “Não posso admitir que meia dúzia de pessoas tenha a chave criptográfica de tudo e, de forma secreta, conte votos numa sala secreta lá no Tribunal Superior Eleitoral”, declarou o presidente à Rádio Banda B, de Curitiba.

Ao reiterar suas ameaças, Bolsonaro apenas confirma seu definhamento político, algo que nenhum arreganho travestido de advertência militar é capaz de reverter.

A nomeação do procurador-geral

O Estado de S. Paulo

Não é possível ignorar o que Augusto Aras fez – e o que deixou de fazer – à frente da PGR

Na indicação do procurador-geral da República, o presidente da República não precisa seguir lista elaborada por associação ou entidade de classe. 

A Constituição previu expressamente o procedimento para a nomeação do procurador-geral da República. “O Ministério Público da União tem por chefe o procurador-geral da República, nomeado pelo presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, diz o art. 128. Sua função é defender a ordem jurídica e o regime democrático.

Não há nenhum sentido, portanto, que procuradores, por meio de entidade privada, queiram impor novas regras para a escolha do procurador-geral da República. A lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) não tem rigorosamente nenhum valor jurídico.

A pressão da ANPR para que a escolha do presidente da República recaia sobre algum nome da preferência da entidade, como se isso pudesse representar fortalecimento institucional do Ministério Público, mostra a confusão que ainda persiste entre instituição e corporação, entre obrigação legal e pretensão particular. “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, diz a Constituição.

Ou seja, a indicação do procurador-geral da República não deve ser submissa às vontades da ANPR ou de qualquer outra associação privada. Até porque, mesmo que o nome indicado integre eventualmente alguma lista tríplice, o presidente da República sempre terá a prerrogativa constitucional de não indicá-lo e o Senado de não aprová-lo.

O papel do Senado na nomeação do procurador-geral da República revela também outro importante aspecto. A prerrogativa do presidente da República de indicar o chefe do Ministério Público da União não pode ser usada para diminuir a independência da Procuradoria-Geral da República (PGR). Qualquer pretensão de subjugar a PGR ao Palácio do Planalto deve ser rejeitada pelo Senado.

No dia 21 de julho, o presidente Jair Bolsonaro propôs a recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. O atual mandato termina em setembro. O Senado não deve aprovar a recondução não porque Augusto Aras não esteja na lista tríplice de alguma entidade privada, mas porque os seus quase dois anos à frente da PGR são uma cabal demonstração de falta de independência em relação ao Palácio do Planalto.

Foram muitos os episódios de submissão de Augusto Aras aos interesses de Jair Bolsonaro. O procurador-geral da República defendeu a abertura de templos na pandemia, foi contrário à apreensão do celular do presidente no inquérito sobre interferência política na Polícia Federal, apoiou a pretensão de Flávio Bolsonaro a respeito do foro competente no caso das rachadinhas, defendeu a possibilidade de o governo federal divulgar medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid, relativizou a gravidade de dossiês produzidos pelo Ministério da Justiça contra críticos do governo, entre outros casos.

Recentemente, Augusto Aras opôs-se à abertura de inquérito para investigar o presidente Bolsonaro por crime de prevaricação no caso envolvendo a compra da vacina Covaxin. A PGR só concordou com a investigação depois de a ministra Rosa Weber lembrar que, “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.

Noutro episódio de alinhamento ao Palácio do Planalto, não obstante a Polícia Federal ter relatado indícios de crimes, Augusto Aras pediu o arquivamento de inquérito sobre a organização e o financiamento dos atos antidemocráticos. A investigação atingia diretamente parlamentares bolsonaristas.

Não é possível ignorar o que Augusto Aras fez – e o que deixou de fazer – à frente da PGR. O cargo de procurador-geral da República exige a capacidade de atuar em defesa da lei.

Festa cara e inoportuna

O Estado de S. Paulo

Não é hora de afrouxar a gestão orçamentária, mesmo com algum aumento de receita

A festa com o dinheiro público vai continuar, animada pelos interesses eleitorais e pelas manobras políticas do presidente Jair Bolsonaro. A liberação total das verbas para os Ministérios – ainda havia R$ 4,5 bilhões bloqueados – foi por ele anunciada na quarta-feira passada, antes de qualquer manifestação oficial do ministro da Economia, Paulo Guedes. A decisão presidencial simplesmente reforçou, nos cidadãos informados, a descrença diante de qualquer encenação de austeridade. Confirmada no mesmo dia, a entrega da Casa Civil ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), uma das principais figuras do Centrão, deixou mais evidente, para quem tivesse alguma dúvida, a disposição de vincular o governo ao bloco mais oportunista e mais insaciável na negociação de votos.

A última encenação de seriedade, a anunciada intenção de vetar o escandaloso aumento do fundão eleitoral, nunca foi levada a sério por quem acompanha a vida política. Ainda há muito tempo para negociação. No final, esse fundo poderá ser inferior aos R$ 5,7 bilhões aprovados no Congresso. Mas haverá enorme surpresa se o valor inicial tiver sido mantido ou apenas corrigido pela inflação.

A liberação total das verbas orçamentárias foi justificada, oficialmente, com base no aumento da arrecadação de tributos federais. O valor arrecadado em junho, R$ 137,1 bilhões, foi 46,77% maior que o de um ano antes, descontada a inflação oficial. A soma recolhida no primeiro semestre, de R$ 881,9 bilhões, superou por 24% a de um ano antes, pelo mesmo critério. Nos dois casos, a correção foi baseada no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O ministro Paulo Guedes apontou esses números como provas de uma recuperação em V. Mas os números ficam menos impressionantes – e menos compatíveis com um relaxamento orçamentário – quando os dados são vistos com maior cuidado.

Segundo nota da Receita Federal, “o resultado pode ser explicado principalmente pelos fatores não recorrentes”. Exemplo: a base de comparação é muito baixa, porque no ano passado tributos foram diferidos, como forma de atenuar os efeitos econômicos da pandemia. Mas é preciso levar em conta a inflação. O governo corrigiu os dados pelo IPCA, mas convém levar em conta a variação dos preços por atacado, que também se refletem na receita tributária.

Nos 12 meses até maio, esses preços aumentaram 45,59%, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Para uma correção mais precisa seria necessário levar em conta esse dado. O crescimento real da arrecadação deve ter sido, portanto, bem menor que aquele apontado pelas autoridades do Ministério da Economia.

Não se justifica relaxar a execução orçamentária por causa de um ganho fiscal derivado em parte dos tais fatores não recorrentes e, além disso, engordado pela inflação. Se quisesse agir seriamente, o governo estaria preocupado com a contenção da alta de preços e com a mitigação de seus piores efeitos. As autoridades se dispõem, no entanto, a afrouxar a gestão financeira em benefício dos interesses do presidente.

Não se trata apenas, no entanto, de usar de forma inadequada uma receita favorecida, em parte, por fatores ocasionais e por um grave desarranjo dos preços. Ao cuidar da administração orçamentária, o presidente e seus auxiliares deveriam levar em conta as limitações e prioridades de uma situação excepcional. A pandemia pode recrudescer, falta vacinar muita gente, o desemprego é alto, milhões empobreceram e, além disso, convém pensar no endividamento oficial. A dívida pública tem evoluído menos perigosamente do que se temia, mas é muito grande para uma economia emergente.

Apesar da arrecadação maior, a situação fiscal continua frágil. A inflação tem favorecido a arrecadação, mas também ameaça o consumo e a retomada econômica e pode tornar inevitável um aperto monetário muito mais severo pelo Banco Central. Se isso ocorrer, juros mais altos complicarão seriamente as finanças públicas. Se o ministro da Economia quiser cumprir seu papel, pelo menos tentará explicar esses pontos ao presidente.

Desmentidos a ameaças à eleição foram insuficientes

O Globo

É absolutamente inaceitável, numa democracia, que o ministro da Defesa tente influir de qualquer forma no processo eleitoral. É preocupante, portanto, a reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmando que, no dia 8 de julho, o general Walter Braga Netto enviou ao presidente da Câmara, Arthur Lira, o seguinte recado “por meio de um importante interlocutor político”: não haveria eleições em 2022 sem o “voto impresso e auditável” — a conhecida quimera bolsonarista usada para questionar, sem nenhuma base em fatos, a lisura das eleições brasileiras, de modo a poder justificar acusações infundadas de fraude em caso de derrota nas urnas.

Braga Netto e Lira foram rápidos em emitir seus desmentidos. Em que pesem as manifestações de ambos, há fatos a estranhar. O primeiro é o presidente da Câmara ter negado o teor da reportagem pelo telefone a jornalistas e, em vez de deixar gravar, ter preferido divulgar uma nota nada enfática numa rede social, em que se limita a dizer o óbvio. “O brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”, escreveu. Deixou de lado a questão essencial: recebeu o recado absurdo ou não? Teria sido melhor uma nota oficial com uma defesa veemente da autonomia do Parlamento, deixando claro que ele é imune a pressões, venham de onde vierem.

Mais insólita foi a postura do ministro da Defesa. Ele afirmou que “não se comunica com os presidentes dos Poderes por meio de interlocutores” e disse que a reportagem era desinformação. Mas Braga Netto ultrapassou o limite do bom senso ao comentar temas que deveriam ser estranhos a quem comanda as Forças Armadas. Disse que todo cidadão deseja “maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes”, como se não fosse transparente o processo em vigor, que permitiu a alternância de poder por duas vezes em nível presidencial e incontáveis vezes noutras instâncias. E voltou a falar em voto impresso, como tem se tornado frequente nas manifestações do presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo que tenha acrescentado que a decisão final cabe ao Congresso — novamente o óbvio —, a nota em si, ao se estender em comentários sobre o processo eleitoral brasileiro, pode ser interpretada como forma de pressão. Onze partidos já se manifestaram contra o voto impresso, o suficiente para derrotar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) que tramita na Câmara na tentativa de instaurá-lo. A questão já teria sido encerrada não fosse a manobra, interpretada como antirregimental, do presidente da Comissão Especial que analisa o tema, o bolsonarista Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), para adiar a votação.

Apesar dos desmentidos, o Estado de S. Paulo, um jornal de respeito, informou que mantém os termos da reportagem, o que torna tudo ainda mais nublado. A Câmara e a Comissão Especial prestarão enorme serviço ao país se, no início de agosto, puserem um fim a essa discussão estapafúrdia derrotando a PEC descabida. Mostrarão, assim, que a democracia brasileira mantém seu vigor e que não é retórica vazia a frase, sempre repetida, de que no Brasil as instituições são fortes e funcionam.

O desafio de fazer uma Olimpíada competindo com o novo coronavírus

O Globo

Começa hoje em Tóquio uma Olimpíada ímpar. Não só por ser realizada num extemporâneo 2021, embora conserve no nome o 2020, mas por desafiar uma das mais letais pandemias da história. O Comitê Olímpico Internacional (COI), o Comitê Organizador e o primeiro-ministro Yoshihide Suga, cada um com seus interesses — não necessariamente os mesmos da população, em sua maioria contrária aos Jogos —, fizeram uma aposta de risco. Decidiram manter a competição mesmo diante do aumento de casos do novo coronavírus, que levou a capital japonesa a decretar estado de emergência pela quarta vez.

Na terça-feira, a três dias da abertura, o chefe do Comitê Organizador, Toshiro Muto, causou perplexidade ao dizer que o cancelamento dos Jogos não estava descartado caso houvesse uma explosão de infectados. O comitê teve de correr para apagar o incêndio. Evidentemente, a hipótese fora cogitada após o adiamento em março de 2020, mas calculadamente abandonada. Com um orçamento de US$ 15,4 bilhões (cerca de R$ 80 bilhões), a Olimpíada de Tóquio já acumula prejuízos colossais com o atraso, o veto a turistas estrangeiros, a fuga de patrocinadores e a decisão de manter as arenas sem público na capital. Cancelar os Jogos causaria um abalo sísmico nas finanças locais e nas pretensões políticas de Suga.

A despeito dos negócios que giram em torno do maior evento esportivo do planeta, o cenário é pouco amigável para uma competição que reúne cerca de 11 mil atletas de 205 países, sem contar o pessoal que trabalhará nos Jogos. O Japão já soma mais de 15 mil mortes pela Covid-19. Diariamente, são cerca de 3.500 novos casos e em torno de 15 óbitos. Situação menos catastrófica que em países como o Brasil, mas a gestão da pandemia tem sido criticada pela população. A vacinação, que começou tardiamente, avançou pouco: apenas 35% foram imunizados parcialmente (primeira dose), e 23% completamente.

Na tentativa de superar adversidades, foram criados protocolos rígidos, não só para os atletas, que precisam se submeter a testes diários de Covid-19 e não podem sair da “bolha olímpica”, mas para todos os envolvidos com os Jogos. O próprio presidente do COI, Thomas Bach, teve de cumprir quarentena ao desembarcar em Tóquio. Mesmo assim, casos de infecção têm surgido — mais de 90 já foram confirmados entre atletas, integrantes de delegações e pessoal da organização —, aumentando a preocupação.

Estrelas como os americanos Simone Biles, da ginástica, Caeleb Dressel, da natação, Sue Bird, do basquete, o maratonista queniano Eliud Kipchoge, a velocista jamaicana Shelly-Ann Fraser-Pryce, além de tantos outros atletas de destaque, dividirão com o ignóbil Sars-Cov-2 o protagonismo de uma Olimpíada que já entrou para a história antes de começar. Será preciso esperar até 8 de agosto, quando a pira se apaga, para saber se foi acertada a decisão de manter a competição em plena pandemia. Até lá, é torcer pelos recordes dos atletas e contra o novo coronavírus.

Aposta dobrada

Folha de S. Paulo

Bolsonaro reforça aliança com centrão no ministério e insiste em ataque a urnas

Ao reforçar seus laços com o centrão, o grupo político que dá as cartas no Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro dobrou a aposta feita no ano passado para garantir sua sobrevivência no cargo até as próximas eleições.

Ele confirmou nesta quinta (22) a escolha do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para chefiar a Casa Civil, entregando o coração de seu governo a um dos próceres do bloco partidário que até outro dia repudiava.

O atual ocupante do cargo, Luiz Eduardo Ramos, general da reserva que é amigo do presidente desde a academia militar, será transferido para a Secretaria-Geral da Presidência, posição figurativa hoje.

Para dar novo abrigo ao chefe da pasta, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o mandatário pretende recriar o Ministério do Trabalho, cujas funções estão sob controle do ministro da Economia, Paulo Guedes, desde o início do governo.

A dança das cadeiras ocorre num momento delicado, em que Bolsonaro vê sua popularidade em queda e se encontra acossado por opositores em várias frentes —das manifestações pelo impeachment às investigações sobre sua negligência durante a pandemia.

Não surpreende que o mandatário corra em busca de proteção e se disponha a pagar caro por ela, alijando antigos aliados e mexendo até em áreas que prometera manter longe das barganhas políticas.

Bolsonaro parece até despreocupado com o custo crescente das demandas dos aliados, e Paulo Guedes dá corda a seu entusiasmo ao acenar com a liberação do dinheiro obtido com o inesperado aumento da arrecadação tributária nos últimos meses.

A aliança com o presidente deu ao centrão maior controle sobre a distribuição de cargos na máquina federal e verbas destinadas a projetos paroquiais, recursos cobiçados pelos congressistas que buscarão a reeleição no ano que vem.

Líderes do bloco partidário como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), parecem confiar em sua capacidade de assegurar estabilidade às instituições democráticas e conter os instintos autoritários de Bolsonaro.

O presidente não para de investir no descrédito do processo eleitoral, como voltou a fazer nesta quinta ao repetir suas lorotas sobre as urnas eletrônicas, endossadas no mesmo dia pela inapropriada manifestação de seu ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto.

Bolsonaro e militares que aderiram a seu projeto de poder sentem-se à vontade para continuar desafiando a Constituição à luz do dia com suas bravatas. Estar associado a tais condutas degradantes é um dos riscos que o centrão também corre enquanto extrai os benefícios de sua aliança de ocasião com o mandatário.

Economia menor

Folha de S. Paulo

Guedes se desgasta não por corte na pasta, mas por falta de endosso do Planalto

Houve muito empenho, no início do governo, em apresentar Paulo Guedes, da Economia, como um superministro. Jair Bolsonaro já declarava na campanha que todas as questões da área deveriam ser tratadas com seu “posto Ipiranga”; a nova pasta uniu estruturas e funções antes distribuídas entre ao menos quatro ministérios.

Essa imagem de poder já havia se desfeito bem antes da decisão recém-anunciada de reduzir o feudo de Guedes na Esplanada, com a recriação do Ministério do Trabalho e da Previdência —a ser entregue à ala política da administração.

Bolsonaro mantém o casamento de conveniência com a agenda liberal de seu ministro, o que provê alguma racionalidade ao governo. Entretanto as possibilidades de avanço da pauta econômica passam por estreitamento contínuo.

Em parte, devido aos tropeços de Guedes, um neófito no setor público às voltas com o gigantismo da burocracia e as armadilhas da negociação parlamentar, além de useiro em declarações infelizes e apegado a projetos inglórios como a ressurreição da CPMF.

Sua dificuldade em tirar ideias e promessas do papel ganhou nova gravidade na pandemia, com a demora na renovação do auxílio emergencial. Mais recentemente, a parcela de responsabilidade de sua pasta no atraso da vacinação entrou na mira da CPI da Covid.

É Bolsonaro, no entanto, quem impõe as maiores derrotas ao ministro —em nome de sua vocação corporativista e, sobretudo, na busca pela reeleição que vai consumindo todas as energias do governo.

Insatisfeito com o encarecimento dos combustíveis, o presidente pôs um general no comando da Petrobras; para não desagradar os servidores, freou a reforma administrativa; por apoio congressual, afrouxou os controles do Orçamento; nesta semana, criticou publicamente a mudança do Imposto de Renda proposta pelo ministério.

Pode-se argumentar que concessões políticas são inevitáveis na condução de qualquer programa reformista —e que no período houve conquistas como o redesenho da Previdência, a autonomia formal do Banco Central e o novo marco legal do saneamento.

Tudo considerado, porém, ainda resta evidente a perda de credibilidade da política econômica, por falta de respaldo do Palácio do Planalto. É o endosso do presidente que faz um superministro, não uma coleção de repartições públicas sob sua jurisdição.

É preciso seguir estimulando os leilões de saneamento

Valor Econômico

Questionamento abre espaço para embates, que desestimulam investidores

Completou um ano o novo marco legal do saneamento, que o ex-presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, qualificou de ponto positivo em um cenário marcado pela incerteza crescente, causada pelas expectativas com as eleições presidenciais de 2022. As novas regras já estimularam investimentos na área, com bem-sucedidos leilões de concessão, mas ainda precisam ser finalizadas de modo a eliminar as inseguranças jurídicas.

Realizado em 30 de abril, o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) é um dos principais exemplos. O valor levantado com a concessão foi o dobro do estimado, em clima de intensa disputa pelo serviço de saneamento em um dos Estados mais importantes do país e o terceiro em população. Foram arrecadados R$ 22,6 bilhões com a concessão de três dos quatro blocos ofertados, dois deles arrematados pelo Consórcio Aegea, e o terceiro pelo Consórcio Iguá, do qual participa o fundo de pensão canadense Canada Pension Plan Investment Board. O bloco mais barato, que reunia bairros da Zona Oeste da cidade do Rio e seis municípios, não recebeu oferta e será novamente licitado.

Os investimentos também impressionam. Para universalizar o atendimento da população atendida até 2033, como determina o novo marco regulatório do saneamento, e ainda garantir a manutenção da infraestrutura, serão investidos R$ 27,1 bilhões em 20 municípios ao longo de 35 anos, a maior parte nos primeiros 12 anos. Nos últimos dez anos, o investimento médio anual nessa rede não chegava a 1% desse total.

O quarto bloco, que não teve oferta em abril, deverá ir a leilão novamente, em novembro, com mais atrativos. O sucesso dos outros blocos provocou a adesão de uma leva de cidades que inicialmente não haviam se interessado em conceder à iniciativa privada serviços de saneamento básico hoje prestados pela Cedae. Agora já são quase 20 municípios no bloco e a previsão de arrecadação, que antes era de R$ 900 milhões, pode chegar perto de R$ 3 bilhões.

A expectativa é que, quanto mais exemplos bem-sucedidos, mais Estados e municípios ainda relutantes podem aderir às novas regras. A Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) encabeça a resistência. A Aesbe questiona junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da própria lei, e se movimenta para abrir um novo processo contra a regulamentação do marco legal. O principal alvo das críticas é o decreto que definiu os critérios de comprovação econômico-financeira das empresas para atingirem a meta de universalização dos serviços. Se não tiverem capacidade para investir, terão que abrir mão de contratos.

Levantamento realizado pelo Valor Data, com base nas demonstrações contábeis de 25 empresas públicas e dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) constatou que ao menos dez delas não se enquadram nos requisitos da nova lei (Valor 14/7). No âmbito dos governos estaduais também há problemas (Estadão 20/7). Pelo menos nove deles permitiram a regionalização do serviço de água e esgoto com brecha à atuação das empresas estaduais públicas sem licitação, como exige a nova lei.

As companhias estaduais alegam não combater o estabelecimento de metas e exigências, mas sim pontos específicos como o prazo para a entrega dos documentos e a restrição para formação de Parcerias Público Privadas (PPPs). As companhias também questionam a formação de blocos regionais para a constituição das redes de atendimento.

O ritmo de implementação da lei tem igualmente deixado a desejar. Se os Estados demoram a realizar a regionalização das redes, há atrasos também em outras frentes, como a regulamentação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que passou a ser o órgão regulador federal do setor, exigindo reforço e capacitação do quadro técnico.

Até agora, as decisões da Justiça têm sido favoráveis à lei do saneamento. Mas o questionamento abre espaço para embates, que dificultam a implementação das regras e desestimulam investidores. Não há dúvida de que será necessário recorrer ao capital privado para atender os requisitos da universalização. Atualmente, 46 % da população não é atendida por rede de esgoto e somente 49,1% dele é tratado; e 16,3% não têm água encanada. A International Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial, calcula que será necessário investir US$ 750 bilhões para a universalização do atendimento à população.

 

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