sexta-feira, 23 de julho de 2021

Reinaldo Azevedo - Se Aras se calar, que Senado o rejeite

Folha de S. Paulo

Se PGR não fizer nada sobre falas de Braga Netto, então a Casa precisa fazer alguma coisa

Braga Netto, ministro da Defesa, ameaçou as eleições. Se Augusto Aras, procurador-geral da República, não fizer nada, então o Senado tem de fazer alguma coisa com Augusto Aras. Haverá uma votação em breve para decidir a sua recondução ao cargo. Se estiver em silêncio até lá, seu nome tem de ser rejeitado. A revelação ilumina uma ocorrência que vinha sendo mal compreendida: a passagem do comando político do governo para o centrão, com a ida do senador Ciro Nogueira para a Casa Civil.

Os desmentidos em curso não mudam o fato. Buscam salvar as aparências, o que serve para manter em estado de latência a tutela que os militares julgam ter sobre a sociedade brasileira. Parte considerável dos fardados não se vê como força regulada pela democracia e pela Constituição. Entende o regime de liberdade como uma concessão das Armas.

Braga Netto nega que tenha feito o que fez —até porque, como eles mesmos diriam lá no ambiente da caserna, golpe se dá sem aviso prévio. Não lhe resta outra coisa a dizer. Roberto Barroso, presidente do TSE, sustenta no Twitter que tanto o ministro da Defesa como o presidente da Câmara "desmentiram enfaticamente qualquer episódio de ameaça às eleições". Pode contribuir para esfriar um tantinho os ânimos, mas não resolve a questão.

Até porque convém prestar atenção ao que escreveu o próprio Lira: "A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano. As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o País avançar".

Não há, como se percebe, nenhum desmentido aí. Episódios recentes se esclarecem. Luiz Fux, presidente do Supremo, chamou Bolsonaro para uma conversa no dia 12 e acertaram, então, uma tal "reunião entre os Três Poderes". Deveria ter acontecido no dia 14, mas o presidente internou-se e posou de "Cristo Morto", logo ressuscitado nas dependências do hospital Vila Nova Star, passeando, no dia seguinte, serelepe, pelos corredores.

Fora do hospital, depois de um novo "milagre", como chamou —mais um!—, Bolsonaro voltou à rotina de ataque ao voto eletrônico, o que fez de novo nesta quinta. Fato: se a eleição fosse hoje, Lula seria eleito presidente. Alguns levantamentos apontam que isso poderia acontecer no primeiro turno. Bolsonaro, Braga Netto e alguns outros fardados não concordam com a vontade ora expressa pelo povo, o que nos devolve à questão da tutela. O presidente, com efeito, critica há muito o sistema de votação, elemento ausente da pauta dos militares até o petista se tornar elegível.

Se as pesquisas apontassem para a vitória de um outro qualquer, a turma de uniforme ou de pijama deixaria Bolsonaro falando sozinho. O que incomoda uma parte da caserna não é o modo de votar, mas o eventual resultado. E então se apela a uma interpretação delinquente do artigo 142 da Constituição, que faria das Forças Armadas uma espécie de Poder Moderador-Interventor.

O país enfrenta a maior tragédia de sua história. À frente do Ministério da Saúde, estava um general da ativa. Não há chance de mea-culpa ou contrição pelo desempenho desastroso. Ao contrário: Braga Netto —que centralizava os esforços contra a Covid-19— reage aos desatinos acenando com tropas nas ruas porque discorda da vontade do eleitor. O conjunto da obra deve enterrar de vez o voto impresso. E Lula, por sua vez, não poderia contar com cabos eleitorais mais eficazes.

Lira e o núcleo duro do PP —e, pois, do centrão— prometeram ir com Bolsonaro até o fim, mas sem golpismo. Para tanto, reivindicaram, e levaram, o controle político do governo. Ciro Nogueira, por ora, ajuda a conter a desordem nos quarteis inaugurada em abril de 2018 pelo general Villas Bôas. Em dois tuítes, exigiu que Lula fosse mantido na prisão contra o que dispõe a Constituição.

Afinal, sabem como é... Os golpistas têm um padrão moral pelo qual zelar: aquele que vigorou no Ministério da Saúde na era do Grande Morticínio.

E aí, doutor Aras, vai ser o quê?

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