Folha de S. Paulo
Se PGR não fizer nada sobre falas de Braga
Netto, então a Casa precisa fazer alguma coisa
Braga
Netto, ministro da Defesa, ameaçou as eleições. Se Augusto Aras,
procurador-geral da República, não fizer nada, então o Senado tem de fazer
alguma coisa com Augusto Aras. Haverá uma votação em breve para decidir a sua
recondução ao cargo. Se estiver em silêncio até lá, seu nome tem de ser
rejeitado. A revelação ilumina uma ocorrência que vinha sendo mal compreendida:
a passagem do comando político do governo para o centrão, com a ida do
senador Ciro
Nogueira para a Casa Civil.
Os desmentidos em curso não mudam o fato.
Buscam salvar as aparências, o que serve para manter em estado de latência a
tutela que os militares julgam ter sobre a sociedade brasileira. Parte
considerável dos fardados não se vê como força regulada pela democracia e pela
Constituição. Entende o regime de liberdade como uma concessão das Armas.
Braga Netto nega que tenha feito o que fez —até porque, como eles mesmos diriam lá no ambiente da caserna, golpe se dá sem aviso prévio. Não lhe resta outra coisa a dizer. Roberto Barroso, presidente do TSE, sustenta no Twitter que tanto o ministro da Defesa como o presidente da Câmara "desmentiram enfaticamente qualquer episódio de ameaça às eleições". Pode contribuir para esfriar um tantinho os ânimos, mas não resolve a questão.
Até porque convém prestar atenção ao que
escreveu o próprio Lira: "A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato
é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em
outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano. As últimas
decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como
único meio de fazer o País avançar".
Não há, como se percebe, nenhum desmentido
aí. Episódios recentes se esclarecem. Luiz
Fux, presidente do Supremo, chamou Bolsonaro para uma conversa no dia 12 e
acertaram, então, uma tal "reunião entre os Três Poderes". Deveria
ter acontecido no dia 14, mas o presidente internou-se e posou de "Cristo
Morto", logo ressuscitado nas dependências do hospital Vila Nova Star, passeando,
no dia seguinte, serelepe, pelos corredores.
Fora do hospital, depois de um novo
"milagre", como chamou —mais um!—, Bolsonaro voltou à rotina de
ataque ao voto eletrônico, o que fez de novo nesta quinta. Fato: se a eleição
fosse hoje, Lula seria eleito presidente. Alguns levantamentos apontam que isso
poderia acontecer no primeiro turno. Bolsonaro, Braga Netto e alguns outros
fardados não concordam com a vontade ora expressa pelo povo, o que nos devolve
à questão da tutela. O presidente, com efeito, critica há muito o sistema de
votação, elemento ausente da pauta dos militares até o petista se tornar
elegível.
Se as pesquisas apontassem para a vitória
de um outro qualquer, a turma de uniforme ou de pijama deixaria Bolsonaro
falando sozinho. O que incomoda uma parte da caserna não é o modo de votar, mas
o eventual resultado. E então se apela a uma interpretação delinquente do
artigo 142 da Constituição, que faria das Forças Armadas uma espécie de Poder
Moderador-Interventor.
O país enfrenta a maior tragédia de sua
história. À frente do Ministério da Saúde, estava um general da ativa. Não há
chance de mea-culpa ou contrição pelo desempenho desastroso. Ao contrário:
Braga Netto —que centralizava os esforços contra a Covid-19— reage aos
desatinos acenando com tropas nas ruas porque discorda da vontade do eleitor. O
conjunto da obra deve enterrar de vez o voto impresso. E Lula, por sua vez, não
poderia contar com cabos eleitorais mais eficazes.
Lira
e o núcleo duro do PP —e, pois, do centrão— prometeram ir com
Bolsonaro até o fim, mas sem golpismo. Para tanto, reivindicaram, e levaram, o
controle político do governo. Ciro Nogueira, por ora, ajuda a conter a desordem
nos quarteis inaugurada em abril de 2018 pelo general Villas Bôas. Em dois
tuítes, exigiu que Lula fosse mantido na prisão contra o que dispõe a
Constituição.
Afinal, sabem como é... Os golpistas têm um
padrão moral pelo qual zelar: aquele que vigorou no Ministério da Saúde
na era
do Grande Morticínio.
E aí, doutor Aras, vai ser o quê?
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