Correio Braziliense
Braga Netto assumiu a Defesa
para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as
instituições. O que consegue, porém, é desgastar as Forças Armadas
Desde que assumiu o Ministério da Defesa, o
general Braga Netto tem atuado para alinhar as Forças Armadas aos objetivos
políticos do presidente Jair Bolsonaro. Extrapola, porém, as atribuições do
cargo, ao se pronunciar sobre temas políticos que não dizem respeito nem
demandam o posicionamento do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Como na
desequilibrada nota contra a CPI da Covid, que foi emitida em nome dos
comandantes militares, sem que saio menos um deles, com certeza, tenha sido
consultado. Mesmo quando nega ter pressionado o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), a aprovar a proposta de voto impresso, sob risco de as eleições
não serem realizadas, Braga Netto se manifesta sobre o assunto de forma inapropriada,
pois é prerrogativa do Congresso decidir a questão sem se submeter a
chantagens. Na prática, a nota reverbera de forma ambígua as suspeitas e
ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao pleito.
Pode ser que Braga Netto esteja confundindo os papéis de antigo ministro da Casa Civil, no qual desempenhava importantes missões políticas, e de ministro da Defesa, que não deve se imiscuir nas relações entre os Poderes. Em vez de se espelhar no figurino dos ex-ministros da Defesa Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a ocupar um cargo criado para ser exercido por civis, e de seu antecessor Fernando Azevedo e Silva, que se recusou a desempenhar esse papel, Braga Netto vestiu a fantasia dos generais linha-dura que pontificaram durante o regime militar — até o presidente Ernesto Geisel demitir o general Sílvio Frota, seu ministro do Exército.
Apesar dos desmentidos à matéria publicada
pelo jornal O Estado de S. Paulo, de autoria das jornalistas Vera Rosa e
Andreza Matais, houve a conversa do interlocutor de Braga Netto com o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não desmentiu a informação,
tergiversou. Nos bastidores do Congresso, comenta-se que o portador do recado
fora ninguém menos do que o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que assumirá a Casa
Civil no lugar do general Luiz Ramos. Mente-se muito na política, embora a
mentira acabe quase sempre desnudada. Mente-se muito mais nos jogos de guerra.
Os militares chamam isso de contrainformação, cujo objetivo é impedir ou
dificultar o acesso à informação verdadeira, mediante, principalmente, a
divulgação de informações diversionistas. O Palácio do Planalto trabalha nessa
linha, não preza a transparência nem a informação de interesse público.
Por exemplo, o YouTube acaba de retirar do
ar 15 lives do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia da covid-19, por
conterem informações falsas. O general Braga Netto, como chefe da Casa Civil e
coordenador do governo no combate à pandemia, foi um dos construtores da
narrativa negacionista e das desastradas ações do Executivo que defendiam o uso
maciço da cloroquina e outros medicamentos ineficazes no combate ao
coronavírus. Essa narrativa, até hoje, está presente nas redes sociais e
somente fracassou porque o Brasil já registra 546 mil mortes pela doença. Mais
cedo ou mais tarde, Braga Netto será chamado a depor na CPI do Senado, que
investiga a atuação do Ministério da Saúde na pandemia, por sua atuação na Casa
Civil.
Melar as eleições
A polêmica sobre o voto impresso é um case de contrainformação. A narrativa de
Bolsonaro falseia a realidade com objetivo de melar as eleições de 2022, caso
seja derrotado, como tentou o ex- presidente dos Estados Unidos Donald Trump,
em quem se espelhou, ano ser derrotado pelo presidente Joe Biden. Quanto maior
o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de
opinião e a desaprovação do governo, mais recrudescem os ataques de Bolsonaro à
urna eletrônica, em que pese nunca ter apresentado provas de fraude na apuração
das eleições de 2018, que afirma, fantasiosamente, ter ganhado no primeiro
turno.
Braga Netto substituiu o general Fernando
Azevedo para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as
instituições republicanas. O que vem conseguindo, porém, é desgastar as Forças
Armadas, como no episódio da não-punição do exministro da Saúde Eduardo
Pazuello por ter participado e se manifestando no desfile de motociclistas
bolsonaristas no Rio de Janeiro, mesmo estando na ativa. A politização das
Forças Armadas e seu envolvimento na política em si é uma ameaça à
democracia. O presidente Bolsonaro tenta cooptar militares da ativa para
seu projeto autoritário ao requisitá-los para exercer funções civis no governo;
de igual maneira, ao estimular pronunciamentos como o do ministro da
Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista.
Entretanto, não existe um ambiente
favorável a um golpe de Estado no país, muito pelo contrário, cresce a campanha
pelo impeachment. Por isso, a retórica do presidente da República contra a
segurança da urna eletrônica e as pressões de Braga Netto para aprovação do
voto impresso soam como uma espécie de déjà-vu político. Esse morde-assopra é
uma tática conhecida de contrainformação, que os militares utilizam em tempos
de guerra, para testar suas cadeias de comando e a capacidade de resistência do
inimigo. Por essa razão, tanto o Judiciário quanto Congresso precisam exercer
com firmeza suas prerrogativas constitucionais, entre as quais, decidir sobre o
sistema de votação e limitar a presença de militares da ativa em cargos civis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário