Valor Econômico
Perdas na educação, na saúde e na economia
preocupam
Preocupado com sequelas da pandemia que vão
estar presentes na economia, na educação e na saúde por várias décadas, o
secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida,
quer tornar essa uma discussão nacional a partir de um grande evento que
pretende promover em novembro. Trata-se de debater os custos de longo prazo da
pandemia da covid-19 e desenhar políticas públicas para lidar com eles.
Na educação, esses custos são gritantes,
sobretudo para os mais pobres. Segundo o economista Ricardo Paes de Barros,
todas as crianças que estão no sistema educacional estão perdendo seu
aprendizado.
Esse é um universo de 30 milhões a 40
milhões de crianças e jovens. A maneira de calcular as perdas ocorridas é
comparando o que o aluno teria aprendido sem a pandemia com o que aprendeu,
diante da pandemia.
Em um projeto do Insper com o Instituto
Unibanco, Paes de Barros estimou que a perda para cada jovem no ensino médio,
em 2020, foi de 10 pontos de aprendizado na escala Saeb (Sistema de Avaliação
da Educação Básica). E, tudo o mais constante, eles chegarão ao fim de 2021 com
cerca de 20 pontos de perda.
Para se ter uma ideia do que isso representa, um aluno aprende no ensino médio 20 pontos na escala Saeb em língua portuguesa. “Perder 20 pontos quer dizer que você perdeu tudo o que você aprenderia no ensino médio. Então, essa perda é gigantesca”, disse ele quando da divulgação do projeto.
Um jovem de 14 anos que perdeu dois anos de
estudos dificilmente retornará para a escola. Segundo o economista, cerca de 16
mil jovens por dia vão perder o direito ao ensino médio. Para esses jovens o
governo promete a instituição de uma bolsa para que ele trabalhe pela manhã em
alguma empresa e, à tarde, frequente um curso do sistema “S” (Sesc, Senai,
dentre outros) por duas horas. O resultado dessa situação é que os indicadores
de evasão escolar tendem a subir bastante.
Já uma criança de seis a oito anos, de
família de baixa renda, que perdeu dois anos escolares e cujo potencial de
aprendizado em matemática, por exemplo, diminui com o passar dos anos, não
recuperará esses anos perdidos. Esses são alguns dos danos definitivos que
estão sendo imputados ao capital humano do país.
O governo pretende criar o programa de
renda mínima e iniciativas de incentivo ao trabalho dos jovens que deverá ser
uma conjunção do BIP (Bônus de Inclusão Produtiva) com o BIQ (Bolsa de
Incentivo de Qualificação) para minimizar um pouco o impacto de quem ficou dois
anos sem frequentar escolas e vão engrossar a lista de evasão. BIP e BIQ estão
em negociação no Congresso e o programa Renda Brasil está em fase de ajustes
finais no Ministério da Cidadania.
Os aspectos que deverão ser discutidos
daqui por diante são os impactos da pandemia na saúde pública, no capital
humano, na pobreza e no elevado nível de endividamento (do Estado, das empresas
e das famílias).
Saúde é uma outra fonte de grande
inquietação. “O problema é que durante a pandemia não conseguimos atender às
doenças crônicas. Cirurgias cardíacas e cirurgias oncológicas não puderam ser
feitas e, agora, o que estamos vendo é a piora dos diagnósticos avançados da
doença. Muitos pacientes que tinham doenças precoces hoje as têm de forma
avançada”, avalia Ulysses Ribeiro, médico professor da USP e coordenador
cirúrgico do Instituto do Câncer.
No caso do câncer, Ribeiro estima que serão
necessários de dois a três anos para equacionar o represamento dos exames e do
tratamento da doença.
Estudo realizado pelo Hospital
Sírio-Libanês com a Organização Mundial da Saúde revela que, no mundo todo, e
no Brasil não foi diferente, do início da pandemia para cá, 52,6% dos pacientes
com câncer atrasaram cirurgias ou tratamentos com quimioterapia e radioterapia;
77,5% interromperam o tratamento e houve queda de 77% de novos diagnósticos -
ou seja, pessoas que têm a doença mas ainda não sabem.
O estudo retrata uma situação dramática: o
grande atraso na detecção e no início do tratamento da doença são determinantes
para o sucesso ou não do tratamento e não se sabe, de antemão, o resultado
disso no controle e nos indicadores de sobrevida do câncer.
Em relação ao elevado grau de
endividamento, o governo está avaliando a situação das garantias das empresas
na contratação de operações de crédito. Houve uma “queima” de garantias das
empresas durante o auge da pandemia e agora, quando chega a recuperação da
economia, elas estão com dificuldades de acesso ao crédito.
O Ministério da Economia está estudando
medidas para melhorar a eficiência alocativa das garantias e, assim, manter o
canal de crédito funcionando. Isso vai evitar que a empresa feche suas portas e
agrave ainda mais o desemprego no país.
O modelo que serve de inspiração para
melhorar as garantias é o do Fiagro - um fundo de investimentos na área do
agronegócios que foi criado em março e que deve antecipar recursos para as
diversas cadeias de produção envolvidas tendo os títulos como garantia da
operação.
Uma das formas que o governo pretende
expandir é a do fracionamento das garantias, para melhor aproveitá-las. Por
exemplo, se o tomador de crédito tem um automóvel que vale R$ 50 mil ele pode querer
usá-lo para tomar um empréstimo de R$ 5 mil. Se for permitido o fracionamento,
o mesmo sujeito poderá ir a dez bancos diferentes e levantar os mesmos recursos
em cada um deles, tomando um crédito total de R$ 50 mil.
O futuro do país está ligado à forma como o governo vai lidar com as sequelas da covid-19 nos próximos anos. Uma criança de seis anos hoje em cinco décadas terá 56 anos e estará, portanto, ainda em idade ativa. As soluções não são óbvias, não estão dadas e o país vai precisar deslocar parte da sua inteligência para concebê-las.
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