Governador aposta na economia e na ampliação da vacinação para recuperar popularidade
Por César Felício e Cristiano Romero /
Valor Econômico
SÃO PAULO - O governador de São Paulo, João
Doria (PSDB), um dos quatro tucanos que concorrem nas eleições prévias do
partido que escolherão, em novembro, o candidato da sigla à Presidência da
República, conta com o papel que desempenhou na vacinação contra a pandemia e o
crescimento da economia no Estado para melhorar sua avaliação nas pesquisas de
opinião.
Responsável por mais de 30% do Produto
Interno Bruto (PIB) do país, a economia de São Paulo foi a primeira a se
recuperar da crise provocada pela crise sanitária e tem crescido, nos últimos
meses, a taxas mais elevadas que a do Brasil. “São Paulo vai crescer este ano
7,8%, segundo a Fundação Seade, muito acima dos 5,3% que é a previsão de
crescimento do Brasil”, disse Doria em entrevista ao Valor.
As últimas pesquisas mostram que Doria já
saiu do ponto mais fundo do vale: há registros que mostram o aumento da
avaliação boa/ótima e a queda da ruim/péssima. O Estado de São Paulo é um dos
que estão com a vacinação contra a covid-19 mais avançada, o que colabora para
uma queda no registro de casos, internações e mortes. Isso permitiu
flexibilizar a quarentena, um dos fatores decisivos para a queda de
popularidade do governador no ano passado.
O ajuste fiscal promovido, por outro lado,
com corte de vantagens do funcionalismo público e de incentivos fiscais de
empresas, abriu folga no caixa de R$ 23 bilhões, dinheiro que o governador
pretende investir em infraestrutura e programas de proteção social até o fim do
mandato.
O governador disse que existe um pacto
entre ele, o governador gaúcho Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati (CE) e
o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio de apoio ao vencedor do processo de
seleção interna do candidato presidencial. Ele prometeu diálogo com os demais
partidos do que chama de “melhor via” e não terceira via, a partir do ano que
vem.
“Não haverá cristianização”, aposta. Para
Doria, “o PSDB não é um partido que tem um dono que mande e todos obedeçam. É
um partido onde todos têm a possibilidade de expressarem suas opiniões, suas
vocações”.
O governador aposta em um segundo turno
contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não contra Bolsonaro. Para ele, o
presidente é “o maior produtor de fatos contra ele mesmo”. “Este aspecto
precisa ser levado em consideração. Não estamos diante de um presidente
normal.”
Eis os principais trechos da entrevista por videoconferência, uma vez que o governador está isolado devido ao fato de ter contraído, pela segunda vez, o vírus da covid-19:
Valor: O senhor tem divergências com o deputado Aécio
Neves (MG), que ainda possui conexões e peso dentro do PSDB. Se porventura
ganhar as prévias para a escolha do candidato presidencial do partido, não tem
medo de ser “cristianizado” pela bancada de deputados tucanos?
João Doria: A resposta é
não. Venci duas eleições pelo PSDB na cidade de São Paulo e no maior colégio
eleitoral do país, que é o Estado de São Paulo. Enfrentando prévias, agreguei
todos e fomos vitoriosos juntos. Não desqualifiquei nenhum dos meus
adversários. Entendo que disputa das prévias é um processo democrático, que o
PSDB volta a fazer agora e, no plano nacional, pela primeira vez. Isso é bom e saudável.
O candidato do PSDB vitorioso nas prévias sai fortalecido para ampliar o
diálogo com outros partidos do chamado polo democrático, e isso vai fortalecer
aquilo que tenho classificado como a “melhor via” e não a terceira via.
Portanto, não haverá cristianização, mas, sim, o fortalecimento do PSDB. Alguns
poucos, se é que existirão, que pensam com mediocridade, fiquem com seus
pensamentos medíocres porque nós ficaremos com os pensamentos grandes.
Bolsonaro é o maior produtor de fatos
contra ele. Não estamos diante de um presidente normal, que às vezes erra”
Valor: Não seria necessário estabelecer pacto entre os
pré-candidatos do partido para apoio mútuo depois da prévia?
Doria: Já temos e
isso foi patrocinado pelo presidente nacional do partido [Bruno Araújo (PE)].
Estabelecemos entendimento respeitoso e faremos cinco grandes debates, um em
cada região do país. Decidimos claramente que o objetivo não é nos destruirmos,
mas, sim, construir alternativa viável para o Brasil. Todos disputarão, o que é
normal. A prévia é uma pré-eleição, precisa ser disputada e temos quatro bons
candidatos. Aquele que vencer terá o apoio dos que perderam. Somos um só
partido numa só direção.
Valor: Em São Paulo há a perspectiva de o
ex-governador Geraldo Alckmin sair do partido por contestar as regras das
prévias regionais. O senhor o criticou por isso. Ainda há negociação possível?
Doria: Sim. Tem
espaço aberto para o Alckmin. Primeiro porque ele merece, é fundador do PSDB.
Portas abertas para analisar alternativas que possam conciliar o seu interesse
com aquilo que seja possível. Ele tem estirpe, prestígio, força e meu respeito.
Manifestei certa estranheza porque quem me ensinou o valor das prévias foi ele.
Valor: Por que estranhou?
Doria: Alckmin me
contou uma história, lembrando que Barack Obama jamais teria sido presidente
dos Estados Unidos se não houvesse primárias para escolher os candidatos à
presidência. Obama venceu as primárias e, depois, fortalecido por essa razão,
ganhou as eleições. Então, estranhei o fato de Alckmin negar participação nas
prévias do PSDB aqui em São Paulo. Mas, dando tempo ao tempo, muitas vezes a
reflexão ajuda na mudança de opinião, para posições mais bem pensadas, mais bem
articuladas, então, portas estão abertas ao ex-governador Alckmin para que
continue no PSDB. Tenho certeza de que podemos encontrar um caminho adequado
que atenda às suas expectativas, mas mantenha o processo do PSDB como partido
da renovação, abrindo espaço para os mais jovens e os novos também, sem deixar
de agradecer e de manter os sábios, aqueles mais experientes.
Valor: O PSDB se mostra o mais dividido agora e
sempre, não?
Doria: Não é um
partido dividido, é participativo. Sempre foi assim. Façam uma retrospectiva
histórica e verão que foi assim com Fernando Henrique Cardoso, José Serra,
Alckmin, Aécio, todos os que disputaram a Presidência. Nunca houve unanimidade.
O PSDB é um partido democrático, pela sua grandeza, dimensão, e por ter grandes
valores. Tem o privilégio de ter muitos bons nomes. Não é um partido que tem um
dono que mande e todos obedeçam. É um partido onde todos têm a possibilidade de
expressar suas opiniões, vocações e também divergências. Isso se chama
democracia.
Valor: Por que o senhor acredita que Lula estará no
segundo turno da eleição e que a questão é saber quem vai enfrentá-lo em 2022?
Doria: A meu ver, a
cada dia que passa o presidente Bolsonaro perde um degrau na escada que poderia
conduzi-lo ao segundo turno. Ele está se distanciando do segundo turno. O
ex-presidente Lula mantém-se equilibrado e numa linha de estabilidade que
poderá levá-lo ao segundo turno com outro candidato que não Bolsonaro, e esse
outro candidato poderá ser exatamente um candidato da “melhor via”, que seja
capaz de, fortalecido, por exemplo, pelas prévias, no caso do PSDB, dialogar
com consistência com outros partidos e trabalhar para um projeto pelo Brasil.
Não será um projeto do PSDB, mas um projeto do Brasil para os brasileiros.
Valor: Lula e Bolsonaro, segundo pesquisas, têm de 20%
e 25% de eleitorado cativo e vão disputar a massa de votos que decide o pleito.
Há chances para a terceira via?
Doria: É por isso
que falo em “melhor via”, em vez de terceira via. O partido [PSDB] que criou o
Plano Real foi o que trouxe a vacina também. Bolsonaro hoje tem entre 20% e 25%
e Lula também tem algo entre 20% e 25%, nas pesquisas espontâneas. Temos 50%
desse universo que não é nem Bolsonaro nem Lula. Esse universo, neste momento,
não está preocupado com eleição. Está preocupado com a vacinação e a retomada
de seus negócios, da renda que se perdeu. Esse eleitor vai começar a se
preocupar com eleições a partir de janeiro. Esse eleitorado poderá até subir de
patamar, dado o fato de que, mês a mês, Bolsonaro tem perdido apoio. Lula,
neste momento, tem mais chances de ir ao segundo turno do que Bolsonaro e o
PSDB terá candidato fortalecido pelas prévias e com capacidade de dialogar com
outras legendas.
Parte considerável da população não ficou
feliz em receber determinações para não sair de casa”
Valor: Governo elevará em 60% recursos do Bolsa
Família, economia deve crescer perto de 6% neste ano e mais 4% no ano
eleitoral, todos os brasileiros estarão vacinados no ano que vem. Tudo isso
deve fortalecer Bolsonaro, não?
Doria: É cedo para
prever. Pode acontecer, mas o fato é que não aconteceu. Lembrem-se de que a
família Bolsonaro, tão brilhante, competente e séria, vinculada às “rachadinhas
do bem”, dizia que a volta do auxílio emergencial proporcionaria rápida
recuperação da imagem de Bolsonaro. E o que aconteceu? Nada. Já temos três
meses de auxílio emergencial concedido. Isso não se reproduziu em força
político-eleitoral. Qual é a razão?
Valor: O Brasil deve ter no fim do ano o melhor Natal
em dez anos. A situação é ruim para Bolsonaro agora, mas pode melhorar.
Doria: Entendo essas
ponderações, mas temos um psicopata, e um psicopata não toma decisões normais,
não raciocina com normalidade, não costuma ouvir nem aceitar conselhos, que
trabalha por instinto, um instinto belicoso, fracionado, criador de problemas.
Cada vez que fala gera uma onda contra ele. Bolsonaro É o maior produtor de
fatos contra ele. Não estamos diante de um presidente normal, que às vezes
erra. Estamos diante de um anormal, que comete sucessivos equívocos. Alguém
deve ter dito a ele “destrua o Brasil”. E ele está destruindo.
Valor: Mas, governador, a economia pode ajudar o
presidente.
Doria: Sobre a
questão econômica, São Paulo roda 36% da economia do Brasil. Se São Paulo
cresce, o Brasil cresce, e São Paulo vai crescer este ano 7,8%, segundo a
Fundação Seade, muito acima dos 5,3% que é a previsão de crescimento do Brasil.
Estamos em São Paulo com capacidade arrecadatória maior que a do Brasil. Isso é
fato. Desde janeiro, temos aumentado a arrecadação.
Valor: Em quanto?
Doria: O governo de
São Paulo tem hoje R$ 23 bilhões líquidos, já descontado o custeio da máquina
pública, para realizar investimentos diretos em obras de infraestrutura,
saneamento, educação, saúde, segurança pública e proteção social. O governo
federal inteiro, com o ministro Tarcísio Gomes de Freitas à frente do
Ministério da Infraestrutura, está investindo em 1,5 mil quilômetros de novas
rodovias ou de asfaltamento ou duplicação. São Paulo está fazendo, apenas em
rodovias vicinais, 3 mil quilômetros e mais 1,2 mil quilômetros nas estradas
estaduais. São R$ 7 bilhões somente em infraestrutura rodoviária, com mais de
3,5 mil empregos diretos gerados pelo investimento do Estado. Isto, sem contar
as concessões.
Valor: No fim de 2020, sua administração era muito mal
avaliada e agora a avaliação está melhorando. O que o levou para o fundo do
vale?
Doria: Foram dois
fatores. Primeiro, as quarentenas. São Paulo foi o primeiro a decretar
quarentena e o uso de máscaras. Obviamente, parte considerável da população não
ficou feliz em receber determinações para não sair de casa, para manter seu
negócio fechado, ter menos pessoas nas ruas, com menos circulação de dinheiro.
Tudo isso trouxe um efeito negativo, mas preservou vidas.
Valor: Qual foi o outro fator?
Doria: A reforma
administrativa [que reduziu vantagens do funcionalismo do Estado e incentivos
fiscais de empresas]. Tivemos que suspender pelo prazo de dois anos vantagens
fiscais que vinham sendo praticadas há 20 anos. Isso também gerou impacto no
setor empresarial e provocou queda de popularidade, mas manteve a nossa
credibilidade. Isso é que é importante, mesmo para os que se tornaram
adversários circunstanciais. Graças à reforma administrativa, hoje São Paulo
tem R$ 23 bilhões em caixa para investir. Só no primeiro trimestre deste ano
foram gerados 310 mil novos empregos em São Paulo e, no segundo, provavelmente
mais 350 mil, ou seja, quase 700 mil novos empregos em seis meses. Tudo isso
permite o resgate da popularidade.
Valor: O que mais estaria ajudando a melhorar a
popularidade?
Doria: As vacinas. Ampliamos a vacinação. São Paulo é o Estado que mais vacinou até o presente momento. Isso faz a diferença porque permitiu a queda de casos, de internações e de óbitos. Isso levou à retomada da economia através da flexibilização da quarentena, que já está sendo praticada neste mês e será ampliada em agosto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário