O Globo
Preço da comida é drama concreto na vida
brasileira, e global, nos últimos anos
Convém a Luiz Inácio Lula da
Silva lembrar que foi levado, pela terceira vez, ao Palácio do Planalto pelos
votos, predominantemente, de mulheres, negros, nordestinos, população de baixa
renda — frequentemente, com características combinadas, porque eleitores,
eleitoras não são unidimensionais. É bem-vinda — e algo tardia — a preocupação
do mandatário com a inflação dos alimentos. Trata-se de mazela que preocupa,
perturba, ameaça as famílias brasileiras, sobretudo as que o escolheram nas
urnas. Desde a virada do ano, o presidente reuniu — e espremeu — um punhado de
ministros (Casa Civil, Fazenda, Agricultura, Desenvolvimento Agrário), todos
homens, em busca de solução. Tal qual laranja fora de época, extraiu, em vez de
suco, bagaço.
O presidente da República, em discursos de improviso, gosta de lembrar as lições de economia doméstica que aprendeu com a mãe, dona Lindu. Pois, se nela pensasse na hora de falar da carestia da comida, acertaria mais do que repetindo os jargões de macroeconomia que absorveu das conversas com o titular da Fazenda, o presidente do Banco Central, os empresários do agro, os financistas da Faria Lima, os criadores de bonés.
A inflação dos alimentos é drama concreto na
vida brasileira — e global — nos últimos anos. Por causa dos preços altos nos
supermercados e nas feiras, incumbentes, mundo afora, perderam popularidade e
seus eleitores, a esperança. Aconteceu com Jair
Bolsonaro no Brasil — ele perdeu para Lula não só, mas também pelo
Bolsocaro; e com Joe Biden nos Estados Unidos. Está acontecendo na França, no Canadá, no Reino Unido,
na Alemanha...
A comida encareceu na pandemia, seguiu pressionada com os efeitos da
guerra Rússia-Ucrânia no
mercado de fertilizantes e, agora, sofre com fenômenos climáticos que afetam a
produção agrícola do Brasil à Indonésia —
é o caso do café.
Inflação dos alimentos é drama de mulheres e
negros e nordestinos e da baixa renda. É gente que vai rir amarelo — ou soltar
um palavrão — se ouvir do presidente que a comida está cara por causa do dólar,
da Selic (verdadeiramente escorchante do BC), da agropecuária exportadora, da
seca infinita, da chuvarada fora de hora. São pessoas que se lembrarão de ter
ouvido de Delfim Netto ou
de José
Sarney que o jeito de enfrentar a inflação é trocar uma loja por
outra, substituir um produto por outro. É pouco. Trocar produto, pechinchar no
concorrente, comprar na xepa são artifícios que donas de casa do Brasil usam há
tempos. Dona Lindu, presidente, certamente fazia; dona Anna, minha mãe, também.
O papel do governo é apontar soluções. Não
falta gente habilitada para isso fora da rodinha de cinco engravatados com
crachá de ministro. O Brasil — inclusive sob seu comando e com imensa
contribuição de uma sociedade civil organizada, incansável e sempre disposta a
inovar — já desenvolveu soluções de excelência. Tanto é que o documento final
da última reunião do G20, em novembro passado, no Rio de Janeiro, ratificou o
alerta do país sobre a escassez e o preço dos alimentos, além de recomendar
troca de experiências e conhecimento entre as nações.
Daqui brotaram experiências como a Ação da
Cidadania, via distribuição em escala de cestas básicas; o Bolsa Família;
o vale-gás; as cozinhas comunitárias; os restaurantes populares. A merenda
escolar com alimentos oriundos da agricultura familiar é política pública que,
ao mesmo tempo, estimula a produção e garante a segurança nutricional de
crianças país afora. Ainda nesta semana, o governo reduziu, acertadamente, de
20% para 15% a proporção de comida ultraprocessada ofertada nas escolas. Também
acertou no anúncio de R$ 7,1 bilhões para melhorar a infraestrutura de
escoamento da safra recorde que se avizinha. Falta anabolizar o crédito e a
assistência técnica aos pequenos produtores. Não é possível que a soja, ano
após ano, engula 70% do Plano Safra.
De Gabriel
Galípolo, não adianta cobrar. O BC tem receita única para lidar com a
inflação. De nada adianta avisar que o café e o azeite e a laranja e a carne
não vão parar de subir se os juros básicos voltarem a 15%, patamar de uma
década atrás. Melhor empoderar e exigir do Ministério do Desenvolvimento
Agrário medidas de estímulo à produção dos alimentos essenciais à dieta
brasileira para que a área plantada de arroz e feijão não sucumba diante da
cotação da soja e do milho lá fora.
A Companhia Nacional de Abastecimento e
o IBGE pesquisam
permanentemente produção e preço dos produtos agrícolas. O governo sabe
exatamente da safra e da entressafra, o que ficou mais caro e mais barato,
quando a oferta aumentará e os preços cairão. Dona Lindu, presidente, e minha
mãe, se vivas fossem, gostariam de ser informadas sobre isso. Chefes de
família, mulheres e homens, Brasil afora, precisam saber, em português claro, o
que o governo está fazendo estruturalmente para aumentar a oferta e diminuir o
preço da comida. Pode ser útil usar os dados de que órgãos públicos já dispõem
para torná-los bem informados. Nesta semana, segundo o Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada (Cepea-USP), a carne suína ficou mais barata,
bem como o arroz produzido no Rio Grande do
Sul e o melão, no Vale do São Francisco. Tal como “O Brasil é dos
brasileiros”, “Arroz e melão mais baratos” tem 22 caracteres. Cabe num boné.
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