sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Balneário Camboriú na Faixa de Gaza? - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Por bravatas que possam ser, declarações do presidente são transparentes no rumo das intenções

Donald Trump não dá sossego. Expressão de um capitalismo desenfreado, o falastrão da Casa Branca investe contra a ordem liberal e o Estado republicano ao entregar a gestão pública a bilionários alucinados, como Elon Musk, promover o terrorismo tarifário para assombrar adversários e expor ideias estapafúrdias para solucionar problemas complexos, como o conflito entre Israel e Palestina.

A dúvida que paira no ar é até que ponto os descalabros em série que Trump vem anunciando devem ser encaixados na categoria de bravatas intencionais com vistas a obter vantagem em negociações, se são distrações ou se é melhor levá-los a sério. É o dilema que desnorteia analistas e agentes políticos.

O autor de "A Arte da Negociação" já deu pistas sobre o uso de hipérboles como estratégia para surpreender, intimidar e conquistar o objetivo.

É difícil deixar de levar em conta as palavras do presidente da maior potência econômica e militar do mundo. Não seria prudente simplesmente tratá-las como exageros que não serão consumados porque as instituições funcionam.

Vivemos no Brasil situação análoga nos anos sombrios de Jair Bolsonaro, quando houve quem descartasse a possibilidade de o capitão reformado e seu entorno conspirarem contra a democracia e orquestrarem um golpe de Estado, trama que terminou por vir à tona.

Soa delirante (além de ser revoltante) Trump falar em retirar 2 milhões de palestinos de Gaza e criar naquele território uma espécie de Balneário Camboriú do Oriente Médio. Parece pouco provável que venha a fazê-lo. Não porque a ONU consideraria a remoção ilegal, já que ele não dá a menor bola para regras de organizações internacionais, mas declarações contrárias de aliados árabes e a reação de nações ricas armadas com bombas nucleares já ressaltaram as dificuldades práticas e políticas da ideia. A própria Casa Branca deu um passinho atrás —e o factoide vai rendendo.

O fato é que há certa transparência nas declarações de Trump. Sem que se levantem obstáculos consideráveis, elas acabam tendo aquele "fundo de verdade" e poderiam prevalecer como o que ele idealmente gostaria de fazer. Embora saiba das dificuldades para a "limpeza" e a criação de sua Riviera em Gaza, é essa a direção, em sentido mais amplo, que ele de fato tem em mente.

Não faz um mês, no Fórum Econômico Mundial de Davos, um economista de um grande banco brasileiro disse à imprensa que o valor "justo" da cotação do dólar estaria na casa dos R$ 5,70, mas, para isso acontecer, seria preciso que o governo tomasse medidas fiscais adicionais. Por exemplo, o arcabouço aprovado pelo Congresso deveria ser reforçado com um limite de crescimento de 1,5%, e não de 2,5%.

Não se pode negar a existência de desajustes nas contas públicas, embora o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, tenha dito na mesma ocasião que não vê "nenhum grande desequilíbrio macroeconômico, só precisamos ser um pouco mais disciplinados".

De qualquer modo, o "fiscal" se transformou na chave que tudo explica e na panaceia para os males do país, da enxaqueca à inflação de alimentos, como sugeriu um apresentador de telejornal.

O fato é que, quando escrevia essas linhas, a taxa de câmbio oscilava pelo patamar "justo". Mas e o fiscal? Não era o mesmo?

 

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