Folha de S. Paulo
Por bravatas que possam ser, declarações do
presidente são transparentes no rumo das intenções
Donald Trump não
dá sossego. Expressão de um capitalismo desenfreado, o falastrão da Casa Branca
investe contra a ordem liberal e o Estado republicano ao entregar a gestão
pública a bilionários alucinados, como Elon Musk,
promover o terrorismo
tarifário para assombrar adversários e expor ideias estapafúrdias para
solucionar problemas complexos, como o conflito entre Israel e Palestina.
A dúvida que paira no ar é até que ponto os descalabros em série que Trump vem anunciando devem ser encaixados na categoria de bravatas intencionais com vistas a obter vantagem em negociações, se são distrações ou se é melhor levá-los a sério. É o dilema que desnorteia analistas e agentes políticos.
O autor de "A Arte da Negociação"
já deu pistas sobre o uso de hipérboles como estratégia para surpreender,
intimidar e conquistar o objetivo.
É difícil deixar de levar em conta as
palavras do presidente da maior potência econômica e militar do mundo. Não
seria prudente simplesmente tratá-las como exageros que não serão consumados
porque as instituições funcionam.
Vivemos no Brasil situação análoga nos anos
sombrios de Jair
Bolsonaro, quando houve quem descartasse a possibilidade de o capitão
reformado e seu entorno conspirarem contra a democracia e orquestrarem um golpe
de Estado, trama
que terminou por vir à tona.
Soa delirante (além de ser revoltante) Trump
falar em retirar 2 milhões de palestinos de Gaza e criar naquele território uma
espécie de Balneário
Camboriú do Oriente Médio.
Parece pouco provável que venha a fazê-lo. Não porque a ONU consideraria
a remoção ilegal, já que ele não dá a menor bola para regras de organizações
internacionais, mas declarações contrárias de aliados árabes e a reação de
nações ricas armadas com bombas nucleares já ressaltaram as dificuldades
práticas e políticas da ideia. A própria Casa Branca deu um passinho atrás —e o
factoide vai rendendo.
O fato é que há certa transparência nas
declarações de Trump. Sem que se levantem obstáculos consideráveis, elas acabam
tendo aquele "fundo de verdade" e poderiam prevalecer como o
que ele idealmente gostaria de fazer. Embora saiba das dificuldades para a
"limpeza" e a criação de sua Riviera em Gaza, é essa a direção, em
sentido mais amplo, que ele de fato tem em mente.
Não faz um mês, no Fórum
Econômico Mundial de Davos, um
economista de um grande banco brasileiro disse à imprensa que o valor
"justo" da cotação do dólar estaria na casa dos R$ 5,70, mas,
para isso acontecer, seria preciso que o governo tomasse medidas fiscais
adicionais. Por exemplo, o arcabouço aprovado pelo Congresso deveria ser
reforçado com um limite de crescimento de 1,5%, e não de 2,5%.
Não se pode negar a existência de desajustes
nas contas públicas, embora o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, tenha
dito na mesma ocasião que não
vê "nenhum grande desequilíbrio macroeconômico, só precisamos ser um
pouco mais disciplinados".
De qualquer modo, o "fiscal" se
transformou na chave que tudo explica e na panaceia para os males do país, da
enxaqueca à inflação de alimentos, como sugeriu um apresentador de telejornal.
O fato é que, quando escrevia essas linhas, a
taxa de câmbio oscilava pelo patamar "justo". Mas e o fiscal? Não era
o mesmo?
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