O Estado de S. Paulo
O que Trump propõe é um mundo onde as instituições são descartáveis
Nesta semana, colegas economistas calcularam o
impacto das tarifas impostas pelo governo Trump a alguns parceiros comerciais
dos Estados Unidos. Os números são, claro, alarmantes. Trump voltou atrás, e
muitos comemoraram. Mas a conta ignora o mais importante. O discurso de Trump vai
além de um mundo menos livre e interconectado. Não se trata apenas de um
retrocesso ao liberalismo econômico. É uma ameaça à soberania das nações.
Trump tem adotado uma postura expansionista em relação a outros territórios. Já sugeriu anexar o Canadá, comprara Groenlândia e agora fala abertamente sobre os Estados Unidos “assumirem o controle” da Faixa de Gaza. São declarações que desafiam não apenas normas diplomáticas, mas a própria lógica da soberania como princípio organizador da política internacional.
A soberania, nesse caso, não é só sobre
fronteiras. É sobre a capacidade de um país manter as regras do jogo político e
econômico. O que está em risco não é apenas a autonomia territorial, mas uma
credibilidade institucional.
Momentos de crise como o que vivemos em 2008
e com a pandemia deixam sociedades mais vulneráveis. Quando as instituições
falham em estabilizar um país, os efeitos não se limitam a alguns pontos a
menos no PIB. Criam um ambiente de incerteza que não passa quando a crise
fiscal ou comercial é resolvida. Trump sabe disso e usa a instabilidade como
método.
O uso do governo como arma política, a
corrosão das regras democráticas e a disposição de desafiar limites antes
considerados inquebráveis fazem parte de um projeto maior: um país onde o poder
se impõe pela força, não pelas instituições. Martin Wolf fez uma análise
interessante. Os Estados Unidos, sob Trump, podem caminhar para um modelo em
que a soberania deixa de ser um pacto entre governo e sociedade e se torna um
exercício de dominação.
Larry Summers, ex-secretário do Tesouro, faz
um alerta semelhante: a agenda econômica de Trump não apenas ameaça o
crescimento no curto prazo, mas pode reverter décadas de credibilidade dos EUA
no cenário global. Ele sugere que o desmonte institucional promovido por Trump
tornaria os EUA não apenas um país economicamente mais frágil, mas
politicamente menos confiável – um golpe na soberania entendida como
estabilidade e previsibilidade.
O impacto econômico das tarifas é mensurável.
Já as consequências de relativizar a soberania alheia são menos visíveis, mas
potencialmente mais profundas e ameaçam o próprio posicionamento americano no
mundo. O que Trump propõe é um mundo onde as instituições são descartáveis,
onde o caos é um recurso e onde a soberania, como conceito, perde significado.
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