Correio Braziliense
O Brasil é tão grande e tão sensato que não
tem planos de construir muros com ninguém, principalmente com a Argentina, com
quem desejamos, cada vez mais, fortalecer nossa amizade fraternal com o seu
povo, como já começamos a fazer com a criação do Mercosul
Estamos num tempo de guerras sem tiros, sem
lenço e sem documento. Refiro-me à guerra econômica, de taxas protecionistas,
alfandegárias, de um lado para o outro, entre os Estados Unidos e a China, o
Canadá, o México e a Colômbia. E nós, no Brasil, aqui, encolhidos, esperando
que sobrem para nós algumas taxas em nossos sapatos, aço, sucos e outras coisas
mais. Como o Brasil tem com os Estados Unidos uma troca de
exportação-importação equilibrada, não dá para entender nada daquela frase do
presidente Trump de que "eles precisam mais de nós do que nós,
deles."
Recordo com saudade as iniciativas políticas para a América Latina do presidente Roosevelt, a "Política de boa vizinhança" (Good Neighbor Policy), e a do presidente Kennedy, "Aliança para o Progresso" (Alliance for Progress), tão queridos de todos nós.
Não é que no Brasil também iniciamos uma
guerra bem brasileira, a "guerra dos bonés", para mostrar a
preferência pelos dois lados políticos, direita e esquerda?! É bem verdade que
a origem dessas expressões está, na realidade, na divisão, na Assembleia
Nacional francesa, entre os a favor — esquerda — e os contra — direita — à
Constituinte de 1789.
Nessa guerra de tarifas, creio que o
presidente Trump não está sendo sincero ao optar pela guerra comercial. Na
verdade, desconfio de que o que ele tem é o "vírus do muro", o antigo
vírus da civilização humana de construção de muros para proteção das cidades.
Os portugueses levaram um susto danado quando chegaram a Benim, em 1485:
ficaram estarrecidos com a existência de uma muralha de quase 20 metros de
altura. Estudos mostraram que possuía 16 mil km de comprimento de cerca,
abrangendo 6.500 mil km², com fossos profundos. No passado, considerada a
segunda maior estrutura feita pelo homem depois da Grande Muralha da China, foi
devastada pelos britânicos, em 1897. Aliás, os muros não têm uma tradição de
vitória. Todos eles, sem tempo ou com mais tempo, foram destruídos ou
ultrapassados.
Mas creio que a Muralha da China é, no fundo,
a obsessão do presidente dos Estados Unidos. Essa muralha, construída nos
tempos antes de Cristo, possui 21.196 km de comprimento. Entre rios e
montanhas, foi erigida para conter os povos bárbaros, principalmente os
mongóis, que não conseguiram ultrapassá-la.
O presidente Trump, nessa disputa entre os
Estados Unidos e a China, não possuindo uma muralha para confrontá-la e ser uma
das 10 maravilhas do mundo, escolheu fazer um muro na divisa com o México, de
aço, e guardá-lo pelo Exército americano. Nem assim conseguirá entrar no
Guinness World Records (antigo Guinness Book of Records).
E agora, o senhor Milei, presidente da
Argentina, que esteve na posse do Trump e com ele se abraçou, contraiu também o
"vírus do muro" e resolveu construir um na divisa da Argentina com a
Bolívia. A senhora Patricia Bullrich, ministra de Segurança, anunciou que vai
construir, na fronteira com a Bolívia, um muro de 200 metros de comprimento,
com 2,8 metros de altura. Como não tinha dinheiro para fazê-lo de aço ou
cimento, ela o fará com arame farpado no topo. Isso, sem dúvida, ficará como
símbolo dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, de como poderão
manifestar sua solidariedade ao presidente Trump construindo muros de arame
farpado.
Não temos espaço para tratar do Muro de
Berlim. Criado, em 1961, pelos russos, para evitar a saída dos cidadãos da
Alemanha Oriental do "paraíso comunista", foi derrubado, em 1989,
pelo povo, com o fim da União Soviética. Israel tem o seu muro com a
Cisjordânia e uma barreira fronteiriça, com cercas de arame farpado, sensores e
zonas-tampão, muros e paredes de concreto e aço, isolando a Faixa de Gaza:
muros intransponíveis, mas não evitaram a guerra cruel a que estamos
assistindo.
Graças a Deus, o Brasil é tão grande e tão
sensato que não tem planos de construir muros com ninguém, principalmente com a
Argentina, com quem desejamos, cada vez mais, fortalecer nossa amizade
fraternal com o seu povo, como já começamos a fazer com a criação do Mercosul.
A leva de argentinos que recebemos vem ao Brasil para mergulhar nas águas
quentes de nossas praias, e a nossa, para a Argentina, para apreciar a beleza
de Buenos Aires e dos pampas, passar uma noitada na Recoleta e, indo até o Sul,
visitar as geleiras da Antártida.
Dos presidentes do Brasil, creio que fui o
que mais amizade teve (e tenho) pela Argentina, pelo seu povo, pela sua
cultura, sua história, reconhecendo a necessidade, imposta pela geografia de
territórios contínuos, de sermos irmãos — nenhum muro poderá nos separar.
Lembremos Sáenz Penna, presidente argentino,
para repetir sua frase, que diz tudo: "Tudo nos une, nada nos
separa."
Assim, essa "guerra de bonés", de
muros e muralhas, de amores e rivalidades, vai desaparecer, será derrubada como
o são todos os muros para encontrarmos a Paz e a solidariedade entre todos os
povos.
Que desapareçam da cabeça do Presidente dos
Estados Unidos essa inveja da Muralha da China, esse erro do muro com o México,
da extinção da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional; em inglês, United States Agency for International Development),
da saída da OMS (Organização Mundial da Saúde) e agora essa decisão de ocupar o
território de Gaza, expulsando os palestinos de sua terra, com a reação até dos
seus aliados e amigos, como nós.
*Ex-presidente da República, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras
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