Valor Econômico
A incapacidade de qualquer grupo político ser
hegemônico no Brasil protege e preserva a democracia no País. Esta é a
explicação que a cientista política chilena Marta Lagos, diretora da Corporação
Latinobarometro, encontra para explicar a resiliência da democracia brasileira,
que completa 40 anos em março.
Momentos de perigo não faltaram: morte de um presidente que não chegou a tomar posse, dois processos de impeachment, uma hiperinflação, um ex-presidente condenado por corrupção, e, para arrematar, um complô para um golpe de Estado tramado dentro da sede do governo. O apreço à democracia entre os brasileiros oscila, mas está entre os mais baixos do Continente. A violência perpassa todo o tecido social. Está nas ruas, está no Estado, está dentro das casas. O Brasil, contudo, está longe de ser o país latino-americano com a maior ameaça ao sistema.
A Latinobarometro realiza desde 1995 estudos
comparativos anuais sobre a solidez democrática na América Latina. por meio de
pesquisas quantitativas. Foram 20 mil entrevistas em 17 países no ano passado.
O estudo mostrou a democracia ganhando força no conjunto de países como um
todo, mas Marta Lagos considera certo que o novo presidente americano, Donald
Trump, irá impulsionar a extrema-direita não somente no subcontinente mais em
todo o mundo.
Marta Lagos vê riscos na Argentina, em função
da volatilidade política; Peru, Guatemala e Bolívia, pela instabilidade; e no
Paraguai, pelo conservadorismo social. No Brasil, para ela, o risco é menor. “O
Brasil demonstrou que tem mais capacidade de ter contrapesos, porque é
tremendamente heterogêneo”, comentou. Ela se refere à existência de campos
eleitorais bastante definidos que impediram, por exemplo, o livre curso de um
pretendente a autocrata circunstancialmente no poder, como foi o caso de Jair
Bolsonaro. Não teve ele lastro nem no Judiciário, nem no Congresso e nem no
eleitorado para uma conversão do País ao autoritarismo.
O Estudo mostra um quadro pouco alentador no
Brasil, contudo. Ao longo dos 30 anos cobertos pelas pesquisas, a maior
satisfação com a democracia foi registrada em 2009, no primeiro governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e não passou de 48%.
A taxa de apoio à democracia, indicador menos
sujeito às circunstâncias de avaliação de governo, teve seu recorde também este
ano, de 55%.
De lá para cá caiu dez pontos percentuais. Na
relação de 17 países pesquisados, o Brasil está em 12° lugar.
Dos 139 presidentes eleitos na América Latina
desde a primeira redemocratização, a do Equador, em 1979, 27 não terminaram o
mandato. Destes, dois do Brasil ( Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em
2016). os campeões de instabilidade são Peru, Bolívia e Equador, com cinco
quedas cada um.
A confiança dos brasileiros nas instituições
é baixa, exceto em relação a Igrejas. Entre os seis maiores países
latino-americanos pesquisados, apenas na Venezuela a credibilidade
institucional é consistentemente menor. É grande o percentual de brasileiros
que confiam nas Forças Armadas (47%), mas este indicador caiu de forma
importante em relação ao levantamento de 2021 (57%), o que mostra o dano
reputacional provocado pelo governo Bolsonaro na imagem militar. O resultado
sugere que o brasileiro não vê no governo ou no Congresso soluções para seus
problemas.
Um dado revelador do levantamento, que
corrobora a percepção de Marta Lagos, é o resultado comparado do Brasil em
relação a outros países em resposta à questão “Quem tem mais poder?”.
Na Venezuela o conjunto de respostas é
bastante claro: o governo obtém 82% das menções e os militares, 64% (era
possível fazer até três escolhas). O resto mal é citado. A Venezuela é uma
democracia que se converteu em ditadura, ainda que o regime permita competição
eleitoral, mesmo sem respeitar os resultados. O Chile é um país em que a
população vê o poder econômico como o dominante, com 68% das menções para “as
empresas”.Sindicatos só são mencionados com destaque na Argentina (34%), sinal
da herança peronista.
No Brasil ganha destaque o Congresso , que
recebeu 48% das menções. É o mais alto índice registrado entre os 17 países
pesquisados. A média do subcontinente é 32%. O brasileiro percebe, e percebe
corretamente, o Poder Legislativo como determinante. Chama a atenção ainda o
Brasil liderar em percepção das redes sociais como fonte de poder (24%).
Existem fraturas na base da sociedade
brasileira que dificultam a convivência democrática. Violência contra a mulher
foi o tipo de agressão apontado como o mais comum por 40%, o maior percentual
entre os 17 países pesquisados. A violência policial é a segunda mais alta,
atrás da Bolívia. A parcela da população que disse ter sido vítima de alguma
agressão ou assalto no último ano ficou em 32%, superior a do México, Colômbia
e Venezuela, abaixo da Argentina.
Mas o dado mais chocante é que, de certo
forma, os pesquisados chegam à conclusão que o pior do Brasil é o brasileiro. O
nível de confiança interpessoal, ou seja, o percentual dos que dizem que se
pode confiar na maioria das pessoas que conhece, é de apenas 5%, o menor de
toda a pesquisa. Na Argentina é quase cinco vezes maior.
Um dos propósitos da democracia é o de
solução pacífica de controvérsias. Se essa não é a realidade que o cidadão vive
em seu cotidiano, mais difícil será apostar no mecanismo como solução para o
País.
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