terça-feira, 15 de julho de 2025

Extorsão, azáfama, mendacidade... - Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

O mundo mostrará a Trump que a convivência internacional exige um mínimo de respeito a regras aplicáveis a todas as nações

Serão poucas – muito poucas, na verdade – as pessoas familiarizadas com o mundo diplomático e as modernas relações entre as nações em tempos de paz que já tenham visto algo tão rasteiro e vulgar como a carta que o presidente norteamericano, Donald Trump, pretendeu ter enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, a carta não foi endereçada por um chefe de governo a outro, como costuma ocorrer quando padrões de respeito são obedecidos. Foi postada por Trump em sua rede social, chamada Truth Social.

Talvez pior do que o método de endereçamento de uma carta com tantas implicações políticas, diplomáticas e comerciais seja sua forma. Obviamente deselegante, é mal estruturada e de estilo claudicante. Um bom redator se envergonharia de precisar usar maiúsculas para enfatizar alguma coisa. Mais ainda, a carta é mendaz.

Tudo isso parece reproduzir traços essenciais do missivista. Trump é a prova mais clara de que o fato de uma pessoa ser milionária não lhe retira vulgaridade nem lhe confere qualidades. Embora disponha de capacidade política para vencer duas disputas presidenciais na nação mais poderosa do mundo, Trump está longe de ser um estadista. É uma figura tosca, grosseira, autoritária, que não hesita em mentir se a mentira o beneficia.

Sua carta mente. Pior, tem avisos e ameaças graves, como a imposição de taxação de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil.

Tudo isso porque, como é necessário para a defesa da democracia, as autoridades judiciais brasileiras estão prestes a julgar os responsáveis pelo golpe de Estado articulado logo após conhecidos os resultados da eleição presidencial de 2022 para manter no poder o candidato derrotado Jair Messias Bolsonaro. Para Trump, o que o Brasil faz com Bolsonaro é uma “caça às bruxas”, que deve acabar “imediatamente”. Esse tema é o começo da carta. Mais abaixo, Trump anuncia a taxa extra sobre produtos originários do Brasil e mente quando diz que o Brasil tem vantagem no comércio com os Estados Unidos.

Um dos idealizadores do movimento Make America Great Again ( Maga) e conselheiro de Trump, Steve Bannon deixou claro o que se pretende com a taxação: “Derrubem o processo contra Bolsonaro e derrubamos a taxação”. É extorsão explícita. Daí, corretamente, o editorial de quinta-feira passada do Estadão dizer (10/7, A3): “Trata-se de coisa de mafiosos”.

Serenamente, o presidente Lula disse que o Brasil poderá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), aplicar o princípio da reciprocidade (impor tarifas iguais sobre os produtos dos Estados Unidos que entram no Brasil), ou adotar outras medidas. Mas não agirá sob tensão. O presidente disse que poderá conversar com Trump, embora não veja necessidade disso. No dia seguinte, Trump disse a mesma coisa.

Ao ficar claro que Bolsonaro foi o principal motivo para o gesto diplomaticamente disparatado do presidente norteamericano, os seguidores do candidato derrotado em 2022 começaram a se preocupar.

Tentaram justificar a decisão de Trump como resposta a alguma coisa que o governo brasileiro tenha feito e desagradado à Casa Branca. Mas parecem ter entendido que o fato tende a ser-lhes politicamente nocivo.

Quem mais agudamente percebeu esse impacto, e avaliou que deve ser o mais prejudicado do ponto de vista eleitoral, foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. No dia do anúncio das medidas de Trump, Tarcísio parecia ainda sentir-se do lado dos vitoriosos. Subserviente, como se mostrou em janeiro ao usar o boné do Maga quando seu ídolo tomou posse na Casa Branca, Tarcísio elogiou a taxação e culpou Lula. Ouviu do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que um candidato a presidente da República (como Tarcísio pretende ser) não pode ser vassalo.

Mas Tarcísio entendeu que o maior impacto da taxação será sobre a economia paulista. E que o responsável por tudo isso, na verdade, é Bolsonaro. Começou a movimentar-se.

O azafamado governador foi a Brasília, ouviu Bolsonaro, conversou com o chefe da representação diplomática americana dispondo-se a discutir tarifas e, pelo que se noticiou, procurou ministros do Supremo Tribunal Federal em busca de autorização para Bolsonaro viajar aos Estados Unidos e negociar com o governo Trump. Tudo errado. Não compete a governo estadual negociar tarifas internacionais, nem a um cidadão comum, sem direito a passaporte e sob o risco de ser preso, como Bolsonaro, falar em nome do Brasil.

A depender do governo brasileiro, essa poeira artificialmente levantada por Trump e pelos bolsonaristas vai baixar. Em algum momento, o mundo mostrará a Trump que a convivência internacional exige um mínimo de respeito a regras aplicáveis a todas as nações.

O País, então, voltará a pensar no que precisa fazer, a começar pela definição de meios para o ajuste fiscal, como a taxação dos que podem muito e pagam pouco imposto. Essa é uma discussão que não pode mais ser ignorada.

 

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