O Estado de S. Paulo
O mundo mostrará a Trump que a convivência internacional exige um mínimo de respeito a regras aplicáveis a todas as nações
Serão poucas – muito poucas, na verdade – as pessoas familiarizadas com o mundo diplomático e as modernas relações entre as nações em tempos de paz que já tenham visto algo tão rasteiro e vulgar como a carta que o presidente norteamericano, Donald Trump, pretendeu ter enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, a carta não foi endereçada por um chefe de governo a outro, como costuma ocorrer quando padrões de respeito são obedecidos. Foi postada por Trump em sua rede social, chamada Truth Social.
Talvez pior do que o método de endereçamento
de uma carta com tantas implicações políticas, diplomáticas e comerciais seja
sua forma. Obviamente deselegante, é mal estruturada e de estilo claudicante.
Um bom redator se envergonharia de precisar usar maiúsculas para enfatizar
alguma coisa. Mais ainda, a carta é mendaz.
Tudo isso parece reproduzir traços essenciais
do missivista. Trump é a prova mais clara de que o fato de uma pessoa ser
milionária não lhe retira vulgaridade nem lhe confere qualidades. Embora
disponha de capacidade política para vencer duas disputas presidenciais na
nação mais poderosa do mundo, Trump está longe de ser um estadista. É uma
figura tosca, grosseira, autoritária, que não hesita em mentir se a mentira o
beneficia.
Sua carta mente. Pior, tem avisos e ameaças
graves, como a imposição de taxação de 50% sobre todos os produtos importados
do Brasil.
Tudo isso porque, como é necessário para a
defesa da democracia, as autoridades judiciais brasileiras estão prestes a
julgar os responsáveis pelo golpe de Estado articulado logo após conhecidos os
resultados da eleição presidencial de 2022 para manter no poder o candidato
derrotado Jair Messias Bolsonaro. Para Trump, o que o Brasil faz com Bolsonaro
é uma “caça às bruxas”, que deve acabar “imediatamente”. Esse tema é o começo
da carta. Mais abaixo, Trump anuncia a taxa extra sobre produtos originários do
Brasil e mente quando diz que o Brasil tem vantagem no comércio com os Estados
Unidos.
Um dos idealizadores do movimento Make
America Great Again ( Maga) e conselheiro de Trump, Steve Bannon deixou claro o
que se pretende com a taxação: “Derrubem o processo contra Bolsonaro e
derrubamos a taxação”. É extorsão explícita. Daí, corretamente, o editorial de
quinta-feira passada do Estadão dizer (10/7, A3): “Trata-se de coisa de
mafiosos”.
Serenamente, o presidente Lula disse que o
Brasil poderá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), aplicar o
princípio da reciprocidade (impor tarifas iguais sobre os produtos dos Estados
Unidos que entram no Brasil), ou adotar outras medidas. Mas não agirá sob
tensão. O presidente disse que poderá conversar com Trump, embora não veja
necessidade disso. No dia seguinte, Trump disse a mesma coisa.
Ao ficar claro que Bolsonaro foi o principal
motivo para o gesto diplomaticamente disparatado do presidente norteamericano,
os seguidores do candidato derrotado em 2022 começaram a se preocupar.
Tentaram justificar a decisão de Trump como
resposta a alguma coisa que o governo brasileiro tenha feito e desagradado à
Casa Branca. Mas parecem ter entendido que o fato tende a ser-lhes
politicamente nocivo.
Quem mais agudamente percebeu esse impacto, e
avaliou que deve ser o mais prejudicado do ponto de vista eleitoral, foi o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. No dia do anúncio das medidas de
Trump, Tarcísio parecia ainda sentir-se do lado dos vitoriosos. Subserviente,
como se mostrou em janeiro ao usar o boné do Maga quando seu ídolo tomou posse
na Casa Branca, Tarcísio elogiou a taxação e culpou Lula. Ouviu do ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, que um candidato a presidente da República (como Tarcísio
pretende ser) não pode ser vassalo.
Mas Tarcísio entendeu que o maior impacto da
taxação será sobre a economia paulista. E que o responsável por tudo isso, na
verdade, é Bolsonaro. Começou a movimentar-se.
O azafamado governador foi a Brasília, ouviu
Bolsonaro, conversou com o chefe da representação diplomática americana
dispondo-se a discutir tarifas e, pelo que se noticiou, procurou ministros do
Supremo Tribunal Federal em busca de autorização para Bolsonaro viajar aos
Estados Unidos e negociar com o governo Trump. Tudo errado. Não compete a
governo estadual negociar tarifas internacionais, nem a um cidadão comum, sem
direito a passaporte e sob o risco de ser preso, como Bolsonaro, falar em nome
do Brasil.
A depender do governo brasileiro, essa poeira
artificialmente levantada por Trump e pelos bolsonaristas vai baixar. Em algum
momento, o mundo mostrará a Trump que a convivência internacional exige um
mínimo de respeito a regras aplicáveis a todas as nações.
O País, então, voltará a pensar no que
precisa fazer, a começar pela definição de meios para o ajuste fiscal, como a
taxação dos que podem muito e pagam pouco imposto. Essa é uma discussão que não
pode mais ser ignorada.
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