terça-feira, 15 de julho de 2025

O patriotismo e a canalhice - Merval Pereira

 Globo

Nada justifica uma intervenção de Trump: chantagem barata na forma e cara nas consequências

É temerário afirmar em política que fulano está perdido ou que beltrano não tem mais chance de recuperar a popularidade. Faltando pouco mais de um ano para as eleições presidenciais, é difícil prever quem vencerá, ou até quais serão as alianças políticas. Mas o momento político não é nada bom para fulano e ajuda beltrano a se recuperar. No caso, fulano pode ser o ex-presidente Bolsonaro ou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Beltrano é, sem dúvida, Lula, que até há pouco tempo estava no desvio e hoje voltou à trilha principal.

Erros políticos crassos como os cometidos por Bolsonaro e seus filhos são previsíveis, mas reforçam a ideia de que são arrivistas políticos e se meteram em enrascada na tentativa de escalar alturas não compatíveis com seus talentos. Unir-se a Trump é uma jogada abusada, que foi além de suas capacidades. Intuir que a intervenção dele seria capaz de dobrar a espinha institucional brasileira, um erro crucial.

Não se trata de patriotada afirmar que a soberania nacional foi afrontada, mesmo que não se concorde com a política externa de viés esquerdista do governo brasileiro. A de viés direitista de Bolsonaro também merecia críticas contundentes, pois nos transformou em párias por vontade própria. Nada, porém, justifica uma intervenção de Trump: chantagem barata na forma e cara nas consequências.

Não falar em soberania num caso como esse seria alienação indesculpável. Como já disse Samuel Johnson, pensador inglês do século XVIII, “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. Johnson se referia aos canalhas que se valem do sentimento nobre do patriotismo para tirar proveito político. Foi assim com Bolsonaro, que se enrolou na camisa amarela da seleção brasileira para vender seu pretenso patriotismo. Agora, os petistas são acusados de se aproveitar do patriotismo para revigorar a popularidade de Lula, que estava em baixa. Pode ser que o uso político como mote de campanha seja um tiro no pé do próprio Lula, dependendo do abuso do sentimento.

Mas a decisão de Trump de ligar as sanções econômicas ao bolsonarismo, aceita no primeiro momento como grande trunfo pelos bolsonaristas, acabou se revelando um tiro pela culatra. A não ser o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, que vive numa realidade paralela nos Estados Unidos, ninguém pode dizer que deu certo. Não há possibilidade de achar que ajudou Bolsonaro de alguma maneira; pelo contrário, ajudou Lula e os adversários do bolsonarismo.

O erro de avaliação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi brutal. Ele terá de fazer muita força para recuperar a condição de candidato viável à Presidência no ano que vem. A reação dele foi absurda, pois prejudicou sua condição de se candidatar à Presidência e até a governador de São Paulo, pois o principal atingido pelas sanções é o estado que governa. A avaliação distorcida dos Bolsonaros de que Trump poderia interferir no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) foi um erro crasso, primário, de avaliação política.

Até o projeto de anistia que está no Congresso morreu. Seria um ato de submissão vergonhoso a uma intervenção estrangeira. Trump usa sanções financeiras com objetivos políticos, seja como reação à existência do Brics, aproveitando-se do pretexto do julgamento de Bolsonaro, seja na pressão contra a Rússia para pôr fim à guerra com a Ucrânia. Mesmo que o objetivo final seja elogiável, como no caso da guerra, o uso e abuso da força econômica dos Estados Unidos transforma-se em instrumento de desequilíbrio internacional perigoso para todos.

 

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