Globo
Nada justifica uma intervenção de Trump:
chantagem barata na forma e cara nas consequências
É temerário afirmar em política que fulano
está perdido ou que beltrano não tem mais chance de recuperar a popularidade.
Faltando pouco mais de um ano para as eleições presidenciais, é difícil prever
quem vencerá, ou até quais serão as alianças políticas. Mas o momento político
não é nada bom para fulano e ajuda beltrano a se recuperar. No caso, fulano
pode ser o ex-presidente Bolsonaro ou o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas. Beltrano é, sem dúvida, Lula, que até há pouco tempo estava no desvio
e hoje voltou à trilha principal.
Erros políticos crassos como os cometidos por Bolsonaro e seus filhos são previsíveis, mas reforçam a ideia de que são arrivistas políticos e se meteram em enrascada na tentativa de escalar alturas não compatíveis com seus talentos. Unir-se a Trump é uma jogada abusada, que foi além de suas capacidades. Intuir que a intervenção dele seria capaz de dobrar a espinha institucional brasileira, um erro crucial.
Não se trata de patriotada afirmar que a
soberania nacional foi afrontada, mesmo que não se concorde com a política
externa de viés esquerdista do governo brasileiro. A de viés direitista de
Bolsonaro também merecia críticas contundentes, pois nos transformou em párias
por vontade própria. Nada, porém, justifica uma intervenção de Trump: chantagem
barata na forma e cara nas consequências.
Não falar em soberania num caso como esse
seria alienação indesculpável. Como já disse Samuel Johnson, pensador inglês do
século XVIII, “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. Johnson se
referia aos canalhas que se valem do sentimento nobre do patriotismo para tirar
proveito político. Foi assim com Bolsonaro, que se enrolou na camisa amarela da
seleção brasileira para vender seu pretenso patriotismo. Agora, os petistas são
acusados de se aproveitar do patriotismo para revigorar a popularidade de Lula,
que estava em baixa. Pode ser que o uso político como mote de campanha seja um
tiro no pé do próprio Lula, dependendo do abuso do sentimento.
Mas a decisão de Trump de ligar as sanções
econômicas ao bolsonarismo, aceita no primeiro momento como grande trunfo pelos
bolsonaristas, acabou se revelando um tiro pela culatra. A não ser o deputado
licenciado Eduardo Bolsonaro, que vive numa realidade paralela nos Estados
Unidos, ninguém pode dizer que deu certo. Não há possibilidade de achar que
ajudou Bolsonaro de alguma maneira; pelo contrário, ajudou Lula e os
adversários do bolsonarismo.
O erro de avaliação do governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, foi brutal. Ele terá de fazer muita força para
recuperar a condição de candidato viável à Presidência no ano que vem. A reação
dele foi absurda, pois prejudicou sua condição de se candidatar à Presidência e
até a governador de São Paulo, pois o principal atingido pelas sanções é o
estado que governa. A avaliação distorcida dos Bolsonaros de que Trump poderia
interferir no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) foi um erro crasso,
primário, de avaliação política.
Até o projeto de anistia que está no
Congresso morreu. Seria um ato de submissão vergonhoso a uma intervenção
estrangeira. Trump usa sanções financeiras com objetivos políticos, seja como
reação à existência do Brics, aproveitando-se do pretexto do julgamento de
Bolsonaro, seja na pressão contra a Rússia para pôr fim à guerra com a Ucrânia.
Mesmo que o objetivo final seja elogiável, como no caso da guerra, o uso e
abuso da força econômica dos Estados Unidos transforma-se em instrumento de
desequilíbrio internacional perigoso para todos.
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