Correio Braziliense
O presidente da Câmara foi demonizado, não
teve musculatura para enfrentar um adversário carismático e cascudo como Lula,
que já disputou sete campanhas presidenciais
Nos meios sindicais, a expressão “chumbo
trocado não dói” é um jargão que sinaliza a disposição de diálogo depois de uma
acirrada disputa entre as partes. No Congresso, onde não existe o interesse
comum classista, não é bem assim que coisa funciona: dói e deixa ressentimentos
que vão comprometer os entendimentos entre as partes e gerar desconfianças
insuperáveis.
É mais ou menos o que aconteceu entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que derrubou o decreto que aumentava as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e submeteu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma derrota acachapante no Congresso.
A ruptura entre Haddad e Motta, que
conversavam bastante, ocorreu depois de uma reunião do grupo Prerrogativas, na
qual o ministro participou e teria chamado o presidente da Câmara de infantil.
Haddad nega, mas a intriga já estava feita e Motta passou a não atender
ligações do petista. Com o rompimento do acordo entre os dois sobre a aprovação
do IOF, veio a derrota humilhante imposta ao governo. A votação desnudou a
fraqueza da base de Lula na Câmara e mostrou que o Palácio do Planalto também
já não pode confiar no Senado. O dono da bola é o Centrão.
Parecia um xeque-mate no presidente Lula, mas
a guerra é sempre um risco. “Numa batalha, não encurrale o inimigo. Deixe
sempre uma saída. Senão, não restará alternativa a não ser lutar pela própria
vida. Então, cada soldado inimigo valerá por dez dos seus”, dizia o lendário
general chinês Sun Tzu, em “A Arte da Guerra (Garnier). Foi o que aconteceu. O
PT reagiu com a sua velha “cultura do rechaço”. Uma campanha de memes e vídeos
viralizou e demonizou Motta.
Político jovem, com base eleitoral num velho
reduto eleitoral familiar do interior da Paraíba, o presidente da Câmara foi
eleito quase por unanimidade, apenas o Novo e o Psol não o apoiaram.
Entretanto, é um político de bastidor, articulador do baixo clero, que nunca
havia passado por uma situação de hiperexposição numa disputa política nacional
aberta, ainda mais contra um presidente da República com o carisma de Lula.
Numa semana de chumbo trocado entre o governo
e a oposição nas redes sociais, Motta virou marisco. Segundo análise da
Ativaweb, que monitora redes sociais, se tornou o símbolo dos privilégios
institucionais e da desconexão com o sentimento popular. Foram analisadas
2.567.934 de interações públicas nas redes, com base no Facebook, Instagram, X
(Twitter) e TikTok, nas quais houve uma indignação transversal que uniu
direita, esquerda e, principalmente, usuários sem filiação política contra o
Congresso.
Pelourinho
Vídeos com estética popular e narrativa de
exploração de pobres pelos ricos viralizaram. Motta foi associado aos
privilégios e gastos excessivos. A maioria dos perfis era de cidadãos sem
identidade partidária, mas identificados com temas como justiça social e custo
de vida. A análise semântica revelou a associação de sua imagem a expressões
como “inimigo do povo”, “amigo dos ricos”, Eduardo Cunha 2.0”, “mamata 2.0”,
“vergonha nacional”, “quem paga é o povo”, “quer mais deputados pra mamar”.
Foram 68% de menções emocionais que revelavam
sentimentos como raiva, indignação e ironia; 22%, críticas racionais, com
argumentos, dados e justificativas; e apenas 10% neutros ou informativos. Um
desastre imagético para Motta, que tem muito poder, porém, não teve musculatura
para enfrentar um adversário carismático e cascudo como Lula, que já disputou
sete campanhas presidenciais.
Nos bastidores de Brasília, sabe-se que uma
das razões da tensão no Congresso são as investigações da Polícia Federal sobre
desvios de recursos de emendas parlamentares, principalmente as emendas do
chamado orçamento secreto, que envolvem dezenas de deputados. Isso cria um
ambiente da animosidade. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio
Dino, responsável pela regulamentação da execução das emendas e por algumas
dessas investigações, foi indicado para a Corte pelo presidente Lula.
Entretanto, foi no Supremo que apareceu uma
luz no fim do túnel para o impasse do IOF: a decisão salomônica do ministro
Alexandre de Moraes, que sustou tanto o decreto de Lula, por desvio de
finalidade, quanto a decisão do Congresso, por invasão de competência do
Executivo, abriu caminho para uma negociação. Moraes convocou uma audiência de
conciliação para o dia 15 de julho.
Moraes reconheceu que o Congresso extrapolou
ao manter a desoneração sem indicar fonte de compensação, o que viola a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Emenda Constitucional 109/2021 (do “novo
regime fiscal”), isso deu legitimidade à iniciativa do Executivo de buscar
compensação via aumento do IOF. Embora reconheça a iniciativa do Executivo
válida, Moraes entendeu que o Congresso também tem legitimidade para sustar
atos do Executivo, como fez ao derrubar o decreto que aumentava o IOF. Por
isso, o aumento do IOF valeu entre a edição do decreto e a derrubada pelo
Congresso. Ou seja, não houve anulação retroativa, o que preserva a arrecadação
feita no período.
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