domingo, 6 de julho de 2025

A culpa da crise entre o Planalto e o Congresso é de Lula? - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Presidencialismo de coalizão parou de funcionar sem coalizão com emendas e com crise de identidade do centrão

Em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo de 2 de julho de 2025, o cientista político Carlos Pereira argumentou que a responsabilidade da crise entre o Planalto e o Congresso é de Lula. Em suas palavras, "quem falha hoje é o Executivo, ao não saber jogar o jogo do presidencialismo de coalizão".

É sempre esclarecedor debater com Carlos, um dos grandes cientistas políticos brasileiros. Mas ele está errado: o presidencialismo brasileiro está em crise. Não está muito claro se o jogo ainda tem regras, ou, ao menos, as mesmas regras.

Em discussões anteriores que tivemos nas páginas desta Folha, quando a crise política de dez anos ainda começava, argumentei que o modelo de Carlos subestimava o papel da ideologia na gestão das coalizões presidenciais. Não por acaso, ele só confere notas altas em gestão de coalizão para presidentes de direita.

Ora, o Congresso brasileiro na Nova República sempre foi de direita, por projeto; nossa democracia começou com a classe política da ditadura, da qual a esquerda havia sido praticamente banida. E é inteiramente de se esperar que presidentes de direita aprovem mais coisas em um Congresso de direita.

Mas esses eram os problemas da esquerda quando o presidencialismo de coalizão funcionava. Depois que parou de funcionar, piorou muito.

Em sua obra clássica "Making Brazil Work" (Palgrave, 2013), Carlos e seu coautor Marcus Melo (colunista desta Folha) escreveram, na página 51, que "em termos de impacto político direto e imediato, a principal ferramenta (primary tool) disponível para o Executivo brasileiro é a capacidade de executar emendas orçamentárias para legisladores individuais" (tradução minha).

Bem, foi exatamente esse "principal instrumento" que perdeu tração na última década, à medida que o Congresso passou a controlar uma fatia muito maior do orçamento sem depender do Poder Executivo.
Carlos também argumenta que o presidencialismo de coalizão "nunca foi vertebrado por ideologia" e que era justamente isso que permitia ao presidente montar sua coalizão com emendas, cargos e outras ferramentas. De fato, foi assim que Lula conseguiu o apoio de partidos como o PP e o PL em seus primeiros governos.

Isso também mudou. O bolsonarismo radicalizou o eleitorado de direita, e agora muitos deputados do centrão relutam em se aproximar de um governo de esquerda.

Carlos supõe que a redução do número de partidos deveria ajudar Lula, mas tem acontecido o contrário. Há grandes partidos de direita em formação que ainda não decidiram se querem continuar vendendo apoio a qualquer presidente ou, de maneira mais ambiciosa, disputar a Presidência. No segundo caso, precisam preservar ao menos algumas credenciais ideológicas de direita. Essa crise de identidade do centrão dificulta enormemente a vida de Lula.

É possível que, no sempre incerto longo prazo, tudo isso tenha um final feliz. A política brasileira talvez se organize em grandes máquinas de direita e de esquerda que, pela própria dinâmica eleitoral, moderem umas às outras. Essas máquinas talvez tenham força para devolver o poder da Presidência ou estabelecer algum outro arranjo estável.

Mas, para quem tem que governar nessa transição, como é o caso de Lula 3, a vida é dura.

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