domingo, 6 de julho de 2025

País a reiventar - Merval Pereira

O Globo

Estamos chegando a um ponto de saturação em que provavelmente o próximo presidente encontrará condições propícias para enfrentar uma reforma administrativa de verdade, que coloque as finanças públicas nos trilhos

Ir para a cadeia é o maior temor de Bolsonaro. Fará tudo para negociar uma prisão domiciliar, e mesmo sabedor de que um indulto presidencial não o tornará elegível, quer ser livre para poder continuar fazendo política. Do ponto de vista jurídico, o futuro presidente da República, a ser eleito ano que vem, não perderá nada indultando-o, pois não poderá se candidatar tão cedo. Como, para ser indultado, o candidato que apoiar precisa vencer a eleição, é provável que Bolsonaro já tenha se convencido de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é o melhor candidato da direita que se pode encontrar.

Mas, para ganhar a eleição, terá que ser mais que isso. Terá que ampliar o eleitorado da direita para o centro, contra Lula ou quem o atual presidente indicar. Não há nenhum nome à vista dentro do partido, mas há um juiz em Brasília que está sendo visto como uma boa solução para a esquerda: Flávio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que enfrenta a questão das emendas parlamentares com grande êxito, deixando marcada sua atuação ao lado da transparência e da responsabilidade nos gastos públicos.

Embora tenha sido talvez o mais importante ministro político do terceiro governo Lula (ou talvez por isso mesmo), com uma oratória capaz de enfrentar com sucesso a oposição nas audiências do Congresso, Dino não conta com o apoio do PT, mesmo sendo do PSB, um partido da esquerda que apoia os governos petistas desde sempre. Como o partido de Lula não tem outro candidato que não seja ele mesmo para tentar continuar no poder, talvez ele seja forçado a disputar, mesmo em condições desvantajosas.

Vai ser difícil chegar à campanha eleitoral em condições de vencer, e por isso já existe quem, no seu entorno, veja como quase certo que Lula não disputará a reeleição, para não chegar ao fim da vida pública com uma derrota. Outro grande líder da esquerda, o único que até hoje rivalizou em importância com Lula, sofreu essa desdita. Brizola perdeu eleição para Lula, aceitou ser vice dele, e terminou em quarto lugar numa disputa presidencial. A derrota que o governo sofreu agora com a decisão do Supremo de rejeitar a ação contra a derrubada do decreto que aumenta a a IOF foi meio combinada, mas não deixa de ser uma derrota.

Nada indica que seja possível achar uma solução para a questão fiscal sem aumentar impostos, pois nenhum dos poderes da República aceita reduzir seus próprios custos. Estamos chegando a um ponto de saturação em que provavelmente o próximo presidente encontrará condições propícias para enfrentar uma reforma administrativa de verdade, que coloque as finanças públicas nos trilhos. No Brasil sempre acontece assim, vamos levando aos trancos e barrancos nossas mazelas, até que um dia a corda arrebenta. Já não há condições de deixar para os mais pobres as consequências da crise, como se fazia na época da hiperinflação. Quem tinha condições, se protegia da inflação com aplicações diárias, a maioria perdia dinheiro sem ter como escapar. Mas mesmo os beneficiados pelas manobras econômicas perdiam alguma coisa, pois a economia não conseguia crescer com equilíbrio.

O Plano Real veio com o apoio nacional, depois de árias tentativas frustradas. Assim como virá uma reforma que acabará com os supersalários, com as emendas parlamentares abusivas e sem controle, com a desarmonia entre os Poderes da República, com privilégios inaceitáveis de várias castas. Para isso, não será preciso entrar em convulsão nacional, nem jogar ricos contra pobres, nem ameaçar uma guerra social. Bastará que seja eleito em 2026 um presidente da República que aproveite os primeiros meses de seu governo para apresentar ao país um projeto de reforma que ataque todas as disfuncionalidades de nosso atual sistema de governo. Encontrará o país ansioso por se reinventar.

 

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