O Globo
Estamos chegando a um ponto de saturação em
que provavelmente o próximo presidente encontrará condições propícias para
enfrentar uma reforma administrativa de verdade, que coloque as finanças
públicas nos trilhos
Ir para a cadeia é o maior temor de Bolsonaro. Fará tudo para negociar uma prisão domiciliar, e mesmo sabedor de que um indulto presidencial não o tornará elegível, quer ser livre para poder continuar fazendo política. Do ponto de vista jurídico, o futuro presidente da República, a ser eleito ano que vem, não perderá nada indultando-o, pois não poderá se candidatar tão cedo. Como, para ser indultado, o candidato que apoiar precisa vencer a eleição, é provável que Bolsonaro já tenha se convencido de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é o melhor candidato da direita que se pode encontrar.
Mas, para ganhar a eleição, terá que ser mais
que isso. Terá que ampliar o eleitorado da direita para o centro, contra Lula
ou quem o atual presidente indicar. Não há nenhum nome à vista dentro do
partido, mas há um juiz em Brasília que está sendo visto como uma boa solução
para a esquerda: Flávio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que
enfrenta a questão das emendas parlamentares com grande êxito, deixando marcada
sua atuação ao lado da transparência e da responsabilidade nos gastos públicos.
Embora tenha sido talvez o mais importante
ministro político do terceiro governo Lula (ou talvez por isso mesmo), com uma
oratória capaz de enfrentar com sucesso a oposição nas audiências do Congresso,
Dino não conta com o apoio do PT, mesmo sendo do PSB, um partido da esquerda
que apoia os governos petistas desde sempre. Como o partido de Lula não tem
outro candidato que não seja ele mesmo para tentar continuar no poder, talvez
ele seja forçado a disputar, mesmo em condições desvantajosas.
Vai ser difícil chegar à campanha eleitoral
em condições de vencer, e por isso já existe quem, no seu entorno, veja como
quase certo que Lula não disputará a reeleição, para não chegar ao fim da vida
pública com uma derrota. Outro grande líder da esquerda, o único que até hoje
rivalizou em importância com Lula, sofreu essa desdita. Brizola perdeu eleição
para Lula, aceitou ser vice dele, e terminou em quarto lugar numa disputa
presidencial. A derrota que o governo sofreu agora com a decisão do Supremo de
rejeitar a ação contra a derrubada do decreto que aumenta a a IOF foi meio
combinada, mas não deixa de ser uma derrota.
Nada indica que seja possível achar uma
solução para a questão fiscal sem aumentar impostos, pois nenhum dos poderes da
República aceita reduzir seus próprios custos. Estamos chegando a um ponto de
saturação em que provavelmente o próximo presidente encontrará condições
propícias para enfrentar uma reforma administrativa de verdade, que coloque as
finanças públicas nos trilhos. No Brasil sempre acontece assim, vamos levando
aos trancos e barrancos nossas mazelas, até que um dia a corda arrebenta. Já
não há condições de deixar para os mais pobres as consequências da crise, como
se fazia na época da hiperinflação. Quem tinha condições, se protegia da
inflação com aplicações diárias, a maioria perdia dinheiro sem ter como
escapar. Mas mesmo os beneficiados pelas manobras econômicas perdiam alguma
coisa, pois a economia não conseguia crescer com equilíbrio.
O Plano Real veio com o apoio nacional,
depois de árias tentativas frustradas. Assim como virá uma reforma que acabará
com os supersalários, com as emendas parlamentares abusivas e sem controle, com
a desarmonia entre os Poderes da República, com privilégios inaceitáveis de
várias castas. Para isso, não será preciso entrar em convulsão nacional, nem
jogar ricos contra pobres, nem ameaçar uma guerra social. Bastará que seja
eleito em 2026 um presidente da República que aproveite os primeiros meses de
seu governo para apresentar ao país um projeto de reforma que ataque todas as
disfuncionalidades de nosso atual sistema de governo. Encontrará o país ansioso
por se reinventar.
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