O Globo
Na visão da oposição, o governo ir ao STF
sobre o IOF é um ato radical. Já a ameaça golpista contra o Supremo não provoca
reação alguma
Há quase dois meses, o senador Flávio Bolsonaro avisou ao país que o bolsonarismo ainda pensa em golpe de Estado. Ele foi enfático ao dizer que o grupo só dará apoio ao candidato que se comprometer a impor ao STF a aceitação do indulto ao seu pai. Quando as repórteres que fizeram a entrevista perguntaram como seria essa imposição ao Supremo, o senador não deixou dúvidas: “a gente está falando do uso da força”. Passaram-se as semanas, desde o domingo 15 de junho, e não houve repúdio de qualquer político da direita a essa fala. O mais cotado dos pré-candidatos conservadores, o governador Tarcísio de Freitas, não apenas silenciou como apareceu em palanques com o ex-presidente depois disso. Dos outros também, o mesmo silêncio.
Jair
Bolsonaro sempre fez apologia da ditadura. No poder, várias vezes
ameaçou o país com medidas autoritárias. A ação penal que responde mostra as
muitas conspirações nas quais se envolveu para realizar seu sonho. Bolsonaro
disse o que faria e tentou seriamente fazer. Eduardo, o terceiro filho do
ex-presidente, também falou, antes da eleição do pai, que a intenção era fechar
o STF, bastando para isso um soldado e um cabo. Por que mesmo o país não deve
levar a sério a declaração de Flávio Bolsonaro?
Ele desenhou como seria o golpe 2.0 durante
essa entrevista concedida a Thaísa Oliveira, Marianna Holanda e Gabriela Biló.
O jornal apresentou o material no estilo de pergunta e resposta, o que afasta o
risco de que o senador não tenha sido bem entendido. “Ele ( Bolsonaro) está
inelegível, vai ter que apoiar alguém. Não só vai querer apoiar alguém que
banque a anistia ou o indulto, mas que seja cumprido”, disse o senador.
Acrescentou que, quando fosse dado o indulto, certamente o PT entraria no
Supremo alegando ser inconstitucional. Nesse caso, diz, “tem que ser alguém na
presidência que tenha comprometimento, não sei de que forma, de que isso seja
cumprido.”
As repórteres perguntaram como seria isso. E
o senador então tornou bem exato o que estava querendo dizer. “É uma hipótese
muito ruim, porque a gente está falando da possibilidade do uso da força. A
gente está falando da possibilidade de interferência direta entre os poderes.”
Disse que não falava em tom de ameaça, se referia a “algo real que pode
acontecer”. Repetiu que o apoio de Bolsonaro será a quem se comprometer com
isso.
Semana passada, houve uma revolta de diversos
parlamentares. O líder da oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS)
pronunciou frases fortes: “a resposta será firme. O Congresso saberá reagir à
altura. É uma tentativa autoritária. A democracia exige respeito entre os
poderes”. Rodrigo Valadares (União-SE) afirmou que “o que está acontecendo é
muito grave. Um desrespeito institucional e uma ameaça à harmonia entre os
poderes”. O deputado Sóstenes Cavalcante, líder do PL, disse que é uma “afronta
ao Congresso”. O deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) deixou claro que “estamos
diante de um grave atentado à democracia”. O presidente da Câmara, Hugo Motta,
definiu como “radicalização social”.
Eles não estavam falando do senador, filho do
ex-presidente, informando que o plano eleitoral do grupo é apoiar alguém que
use a força contra a Corte. Estavam se referindo ao ato do governo de ir ao
Supremo com um instrumento legal pedindo uma decisão a respeito de um ponto
sobre o qual há dúvida constitucional. Noves fora o fato de que o
ministro Alexandre
de Moraes decidiu não decidir sobre a querela do IOF, o que importa
aqui é concluir que, para a direita brasileira, “radical” é ir ao STF com uma
ação declaratória de constitucionalidade, e normal é ameaçar o STF.
O problema político central do Brasil é esse.
O fato de que grande parte dos políticos, incluindo pré-candidatos com chance
de chegar à presidência, reage com indiferença diante de ameaças concretas à
democracia, mesmo depois que um golpe foi tentado à luz do dia. Poderia ter
havido um movimento de separação entre a extrema direita golpista e um
pensamento conservador, mas democrático.
Pode haver debate, acalorado ou não, sobre a
melhor forma de fazer ajuste fiscal. Não é isso que ameaça as instituições. A
distorção de valores revelada na comparação entre esses dois momentos mostra
que continuamos a correr os mesmos riscos. O golpismo está vivo e manda
recados.
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