Cúpula consolida Brics como veículo do poder da China
O Globo
Expansão do bloco tem se dado em direção à
Ásia, ampliando esfera de influência chinesa
A cúpula do Brics,
que ocorre hoje e amanhã no Rio, tende a consagrar o viés antiocidental que
acompanha o bloco desde a criação por Brasil, Rússia, Índia e China, em 2009. A
ausência de Xi Jinping em nada muda o uso que os chineses têm feito dele como
veículo e plataforma para exercer liderança sobre outros países, em contraponto
a americanos e europeus. Sinal disso tem sido a contínua expansão do Brics na
Ásia, ampliando a esfera de influência chinesa. Xi — representado pelo
primeiro-ministro Li Qiang — não precisa estar no Rio para que o Brics continue
a ser útil a Pequim.
Depois do acréscimo do “s”, com a entrada da África do Sul em 2011, o Brics foi ampliado em 2024, com a chegada de Irã, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, afastando-se das pretensões de defender as liberdades e valores democráticos. Em janeiro, a Indonésia também aderiu ao bloco. Malásia, Tailândia e Vietnã acabam de decidir tornar-se associados, primeiro passo para ser membros titulares. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) é fator de atração no Sudeste Asiático, assim como o mecanismo que oferece a bancos centrais do bloco acesso a fundos de emergência.
Com as novas adesões, o peso do Brics
crescerá para 40% do PIB mundial, mais que os 30% do G7, grupo que reúne as
democracias ocidentais mais ricas. Mas a importância desses blocos não se mede
pela soma de PIBs. O Brics tem pretensões de desenvolver políticas concretas
para ampliar comércio e investimentos entre seus membros e de conquistar peso
relevante na geopolítica global. Por ora, tem prevalecido o antiamericanismo
atávico de alguns integrantes. “A expansão fortaleceu o Brics como plataforma
para responder aos desafios da atualidade e do futuro, entre eles a defesa da
diplomacia e do multilateralismo, cuja reforma e fortalecimento já não podem
mais esperar”, escreveu recentemente o chanceler Mauro Vieira. “Somente uma
ação coletiva rápida e eficaz pode reverter o atual quadro de debilidade das
instituições internacionais.”
Da agenda da cúpula no Rio, consta o
lançamento do Fundo de Garantia Multilateral, criado pelo NDB. Há também
discussões sobre fortalecimento do comércio e transações financeiras usando
moedas nacionais. Saiu da pauta a ideia de uma moeda comum como alternativa ao
dólar (Donald Trump prometeu taxar as exportações do Brics para os Estados
Unidos em 100% se a proposta fosse adiante). De resto, retomam-se discussões
sem efeito prático, como “governança global e cooperação no Sul global” ou
“governança responsável” da inteligência artificial pelo ângulo do
“desenvolvimento digital inclusivo”. Em temas essenciais, como clima, saúde,
segurança ou combate ao terrorismo, é duvidoso que o Brics possa adquirir
relevância.
Para o Planalto, ele é um instrumento de
contenção do poderio americano. Pela heterogeneidade dos integrantes que passou
a abrigar, de certa forma lembra o Grupo dos 77, criado em 1964 por países em
desenvolvimento como contraponto aos ricos, sem jamais alcançar nenhum vulto.
Enfrenta também a mesma dificuldade: articular consenso entre interesses
múltiplos, nem sempre alinhados. Apesar disso, o chanceler Vieira insiste que
“o Brics continuará a falar com uma só voz, a partir de agora reforçada pelo
peso ampliado de seus 21 integrantes”. Pelo que se tem visto nas reuniões
recentes, se isso acontecer, será a voz da China.
Visita de Lula a Cristina Kirchner contamina
diplomacia com ideologia
O Globo
Presidente extrapolou necessária cautela com
gesto de rejeição a decisão do Judiciário argentino
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva misturou os papéis de chefe de Estado e militante político ao aproveitar
sua estadia em Buenos Aires para a reunião de cúpula do Mercosul — paga pelo
contribuinte e a serviço dos cidadãos — para condenar a prisão da
ex-presidente argentina Cristina
Kirchner por corrupção. Não cabe ao presidente, não importa de que
partido, interferir em assuntos internos de outro país ou questionar suas
decisões judiciais movido por afinidades ideológicas.
A ideia de visitar Cristina não foi bem
recebida pelo Itamaraty, mas prevaleceu a vontade de Lula. Pelo que se dizia, a
visita não passaria de um gesto de solidariedade sem declarações. Já seria
ruim, mas não foi o que aconteceu. Tudo parecia ocorrer dentro dos limites até
Lula recepcionar, na residência do embaixador brasileiro, o Prêmio Nobel da Paz
Adolfo Pérez Esquivel, e posar com ele para uma foto ao lado do cartaz
“Cristina Livre”. Segundo Pérez Esquivel, Lula disse acreditar na inocência
dela. O estrago estava feito. Ficou óbvio que Lula extrapolou a necessária
cautela diplomática com o gesto de rejeição à decisão do Judiciário argentino.
Ele ainda deixou registrado numa rede social:
“Pude sentir nas ruas o apoio popular que [Cristina] tem recebido e sei bem
quanto é importante esse reconhecimento nos momentos mais difíceis”. Apesar de
implícita, é evidente a referência à condenação, também por corrupção, que o
manteve 580 dias preso até o processo ser anulado.
O processo que condenou Cristina tramitou por
todas as instâncias da Justiça argentina durante nove anos, com pleno direito
de defesa. Ao analisar o caso, os três juízes da Corte Suprema a condenaram por
unanimidade a seis anos de prisão, em virtude do que chamaram “profusão de
provas” (a sentença é cumprida em domicílio, pois Cristina tem mais de 70
anos). Ela foi condenada por beneficiar Lázaro Báez, empreiteiro e sócio da
família Kirchner, com obras públicas. Na Casa Rosada, Cristina referendou pessoalmente
o sobrepreço cobrado pelo empreiteiro amigo em 51 contratos. Segundo as provas,
o prejuízo ao Tesouro argentino alcançou US$ 500 milhões.
Não é a primeira vez em que relações pessoais
e relações de Estado entre Brasil e Argentina se confundem. Em 2019, o então
presidente argentino, Alberto Fernández, peronista como Cristina, visitou Lula
na prisão, em gesto também impróprio. Mas o caso se torna mais grave quando há
contestação a decisões judiciais de um país soberano. E nisso também há
reincidência. Em abril, Lula concedeu asilo político a Nadine Heredia, mulher
do ex-presidente peruano Ollanta Humala, condenada com o marido a 15 anos de prisão
por lavagem de dinheiro. Ainda mandou um avião buscá-la antes de ser detida.
Não há justificativa para esse tipo de
deferência, assim como no caso de Cristina. Lula pode ter a opinião que quiser
sobre a Justiça de qualquer país, mas não pode usar seu papel de chefe de
Estado para provocações ou gestos pessoais. Não ajuda a relação entre Brasil e
Argentina. Não serve ao interesse nacional. Não faz bem a ninguém.
Velhas ideias rondam a eleição do PT
Folha de S. Paulo
Disputa tem moderado como favorito, mas é
Lula quem ensaia retomar confronto; campanhas rivais atacam política econômica
Ao surgir em 1980, o Partido dos
Trabalhadores distinguiu-se das agremiações tradicionais da história
brasileira, em particular da oposição consentida pela ditadura militar
agônica de então. De saída, fez da disputa interna entre correntes diversas,
ainda que sempre à esquerda, uma marca.
A democracia partidária, todavia,
subordinou-se à realidade do poder. Em seu primeiro grande teste, a prefeitura
paulistana conquistada em 1988, o assembleísmo petista resultou em balbúrdia
administrativa.
Figura de proa da legenda desde a origem,
Luiz Inácio Lula da
Silva sempre buscou impor sua vontade aos correligionários. Ao chegar à
Presidência da República, vencendo o pleito de 2002, sacramentou seu
"diktat" —do qual decorreram cismas, como aquele em que foi criado
o PSOL.
No maior revés de sua história, o processo
que levou ao impeachment de Dilma
Rousseff, o PT se
viu ainda mais dependente do comandante. O período em que Lula ficou preso
aprofundou o caráter messiânico de sua liderança.
De 2017 até março deste ano, o PT foi
presidido por Gleisi
Hoffmann, sob a bênção lulista. Hoje ministra das Relações Institucionais,
ela dava vazão às insatisfações do partido com a política econômica de Fernando
Haddad —nada que seja estranho ao estilo do presidente em terceiro
mandato de gerir partido e governo.
Com a vacância no comando petista, foi aberta
a campanha que acaba com o pleito deste domingo (6). Lula
ungiu Edinho Silva para o cargo, com algum dissenso na forma da candidatura
do ex-chefe da sigla Rui Falcão.
Demais nomes na disputa, Romênio Pereira e
Valter Pomar, são a concessão usual às alas radicais. A disputa interna, como
não poderia deixar de ser, foi
tomada por ataques à política econômica.
Na semana derradeira da refrega, os
adversários de Edinho assinaram carta conjunta pedindo mobilização popular
contra os juros do Banco Central e
a maioria conservadora do Congresso
Nacional.
O favorito na eleição tem a reputação de
moderado, pelos padrões petistas. É Lula, no entanto, quem hoje ensaia tomar o
rumo da radicalização.
Acossado pela impopularidade e pela
dificuldade de governar, expressa
na crise do IOF, o cacique petista recorreu ao usual "nós contra
eles", desta vez propagando que a culpa pelos problemas do país é de um
conluio entre parlamentares à direita e super-ricos avessos a impostos.
Edinho, até aqui, não deu sinais de adesão ao
confronto, seja com outras forças políticas, seja com a política de Haddad
—quando muito, defendeu corretamente a revisão de isenções tributárias e fez
uma proposta exótica de novo cálculo da inflação para
permitir a queda dos juros.
Se não será capaz de renovar o ideário do PT,
sua gestão poderia, na melhor hipótese, contribuir para a pacificação de
relações com os demais partidos. Será preciso, entretanto, combinar primeiro
com Lula.
Congresso linha dura
Folha de S. Paulo
Avançam projetos populistas em segurança para
vender solução mágica a problema complexo; debate carece de racionalidade
O Congresso
Nacional mostra uma esperada inclinação à linha dura no combate à
criminalidade, como indicam dois projetos recém-aprovados por comissões
parlamentares
A segurança pública tende a figurar, com
razão, como prioridade para os eleitores. A resposta do Legislativo, no
entanto, se dá com medidas populistas que apresentam poucos resultados
efetivos.
Na terça (1º), a comissão do Senado responsável
pelo setor votou texto que amplia
o conceito de legítima defesa, autorizando o uso de arma de fogo ou outros
meios letais para impedir invasões a propriedades ou veículos.
De autoria do senador Wilder Morais (PL-GO) e relatado
por Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), o projeto também permitirá armadilhas e cães de
guarda, isentando o proprietário de responsabilidade civil ou criminal.
Ora, é evidente que um cidadão tem o direito
de se proteger, valendo-se de meios proporcionais à agressão —e a legislação em
vigor já contempla tais situações.
O que o projeto faz, ao pretender uma espécie
de carta-branca para a legítima defesa, é apelar a fantasias de bangue-bangue
em que se faz justiça com as próprias mãos, ignorando políticas respaldadas por
evidências, planejamento e investimentos.
A inclinação à barbárie também se dá em outro
projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
dos Deputados, que atrela a concessão de liberdade condicional a condenados
por estupro à aceitação
de castração químico-hormonal para reduzir o desejo sexual.
Além de prever uma punição que fere a
dignidade humana, a medida tem eficácia duvidosa.
O projeto, relatado pelo deputado Capitão
Alberto Neto (PL-AM), erra ao reduzir a motivação da violência sexual
a uma questão de libido, quando o exercício do poder de subjugar a vítima é
indutor fundamental. Ademais, segundo a lei, o crime de estupro não requer a
conjunção carnal.
As duas iniciativas indicam que o governo
terá dificuldade em fazer avançar um debate equilibrado sobre políticas para o
setor, como
a proposta de emenda à constituição (PEC) que apresentou e cuja tramitação
se encontra parada. Enquanto isso, o Senado aprovou, em maio, uma PEC que
autoriza a criação de polícias a partir das guardas municipais.
A direita mais radical tem sabido explorar
temores da população com saídas fáceis e enganosas para problemas complexos,
enquanto esquerda e moderados se recolhem para não parecerem tolerantes com a
violência e a criminalidade. Faltam racionalidade e coragem aos legisladores.
STF como puxadinho do Congresso
O Estado de S. Paulo
Ações propostas por partidos ao Supremo
quadruplicaram desde 2003, revelando uma política pouco propensa a consensos e
uma Corte que se deixa capturar por embates que não lhe dizem respeito
O Estadão levantou um dado
revelador da disfuncionalidade da política partidária no País. O número de
ações propostas por partidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) quadruplicou
desde 2003, saltando de 472 entre 1989 e 2002 para 1.892 até junho deste ano.
Por um lado, resta evidente que, nas últimas duas décadas, as legendas passaram
a enxergar no STF uma espécie de puxadinho do Congresso, tratando-o como uma
extensão da arena política. Por outro, isso só aconteceu porque os próprios
ministros da Corte não apenas permitiram, como gostaram desse jogo no qual são
protagonistas.
Antes da promulgação da Constituição de 1988,
o acesso ao STF era restrito, basicamente, à Procuradoria-Geral da República
(PGR). Restabelecido o regime democrático, a nova Carta Política ampliou o rol
de autoridades e representantes da sociedade civil com legitimidade para
ingressar com ações na mais alta instância do Judiciário. É compreensível. Até
a redemocratização, a PGR, na prática, não era mais do que um braço do
Executivo, servindo aos interesses da ditadura militar. Porém, passadas quase
quatro décadas de vigência da “Constituição Cidadã”, o modelo previsto pelos
constituintes originários claramente demanda revisão.
O espírito à época, louvável, era resguardar
os interesses de minorias que passaram a ter guarida constitucional. Porém,
hoje o que se vê é a instrumentalização desse acesso por partidos com
baixíssima representatividade que, como maus perdedores, correm para as barras
da Justiça quando derrotados em votações legítimas. Com razão, o presidente do
Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou que pretende apresentar uma
medida legislativa para fixar critérios mínimos de representatividade para que
um partido seja autorizado a peticionar ao Supremo. De fato, é preciso
restabelecer alguma ordem nessa bagunça institucional.
Casos pontuais de intervenções judiciais nas
lides políticas fazem parte do sistema de freios e contrapesos. Mas o que os
números levantados por este jornal indicam é um problema estrutural: a
perversão desse sistema por legendas absolutamente despreparadas para a vida
democrática.
É claro que, como em qualquer outra
democracia, é legítimo que partidos recorram ao STF em casos de afronta
evidente à Constituição. Basta dizer que a própria Constituição prevê que as
legendas têm legitimidade para propor ações de controle concentrado de
constitucionalidade. O problema, portanto, não está na existência do
instrumento, mas em seu uso desvirtuado. Com um quadro partidário altamente
fragmentado, tíbio do ponto de vista ideológico e programático e marcado por
uma polarização infensa à construção de consensos, as siglas demonstram, a cada
nova ação judicial, sua incapacidade de dialogar, negociar e formar maiorias
legítimas em torno de propostas de interesse nacional.
Dito isso, o STF também precisa ser mais
criterioso na análise da pertinência dessas ações. A justificativa usual de que
a Corte “não pode prevaricar” esconde a falta de coragem ou interesse de alguns
ministros para desconhecer certos pedidos que lhes são feitos, devolvendo-os ao
locus apropriado: o Congresso. A simples recusa de conhecimento de determinadas
ações ajuizadas com evidente propósito político-eleitoral já seria um passo
importante para desestimular a “judicialização da política” e reafirmar o papel
técnico e institucional do Supremo.
O resultado dessa anomalia é uma sobrecarga
crescente do STF, a corrosão da autoridade do Congresso como instância política
por excelência e o aumento da tensão entre os Poderes. Como se isso não
bastasse, a excessiva exposição política do Supremo causa danos não triviais à
sua própria imagem, reforçando a percepção de que os ministros agem movidos por
interesses políticos.
Não há solução simples para essa distorção.
Mas uma providência se impõe com urgência: um necessário debate, em nível
constitucional, sobre os critérios de admissibilidade de ações propostas por
partidos ao STF. É preciso estabelecer filtros mais rigorosos para coibir o uso
abusivo da Justiça como arena política. Outra seria a autocontenção dos
próprios ministros da Corte. Mas aí é querer demais.
Conta de luz salgada é obra coletiva
O Estado de S. Paulo
Do aumento de quase 14% nas contas de luz da
Enel São Paulo, quase metade se deve a decisões do Congresso, que não hesita em
aprovar jabutis que invariavelmente chegam às tarifas de energia
A conta de luz dos moradores da região
metropolitana de São Paulo acaba de aumentar 13,94%, um índice por certo
elevado para boa parte dos paulistanos. Consumidores residenciais pagarão
13,47% a mais, e para grandes consumidores, conectados à alta tensão, como
indústrias e comércios, a elevação será ainda maior, de 15,77%.
Não há quem esteja satisfeito com um reajuste
dessa monta, mas culpar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pela
decisão é tão fácil quanto enganoso. Quem precisa ser responsabilizado nessa
hora, e raramente é lembrado, é o Congresso, autor da maioria dos jabutis que,
invariavelmente, chegam à conta de luz.
Os documentos que explicam o reajuste
autorizado pela Aneel são públicos. Neles, o consumidor interessado vai
descobrir que quase metade do aumento concedido à Enel São Paulo – o
equivalente a 6,44 pontos porcentuais – se deve a encargos setoriais, rubrica
que engloba subsídios que alcançam desde usinas que geram energia limpa àquelas
que utilizam carvão.
Entre os beneficiários estão os consumidores
que produzem eletricidade através de painéis fotovoltaicos, que elevaram a
conta de luz dos paulistanos em 1,79 ponto porcentual. De fato, a chamada
geração distribuída tem sido um ótimo negócio para as empresas que
comercializam a estrutura e um bom investimento para quem a adquire. Só é um
problema para os milhões de consumidores que não têm dinheiro ou espaço para
instalar painéis em seus telhados e, pior, são obrigados a custear o
equipamento de terceiros.
Esses e outros incentivos foram aprovados em
lei pelo Congresso, já que os poucos subsídios que haviam sido concedidos por
meio de decretos presidenciais foram revogados nos últimos anos. E ao contrário
do que muitos acreditam, não é o erário quem banca essa festa por meio de
impostos, mas o consumidor de energia diretamente na sua conta de luz.
Os parlamentares ainda acham que há espaço
para aumentar as benesses. Do contrário, não teriam aprovado a lei que criou o
marco das eólicas em alto-mar (offshore) com inúmeras emendas estranhas ao
texto. Ao sancionar a proposta, o governo Lula da Silva rejeitou os jabutis,
mas o Congresso decidiu derrubar os vetos presidenciais para reabilitar as
emendas, a um custo de R$ 197 bilhões nos próximos 25 anos, segundo dados da
consultoria de energia PSR.
Se o Congresso é o maior culpado, o governo
tampouco pode posar de defensor do consumidor. Afinal, Lula da Silva, de olho
na eleição, propôs ampliar o alcance e o desconto do Programa Tarifa Social de
Energia Elétrica, que atende a famílias de baixa renda. A exemplo de outros
subsídios, o aumento do número de famílias que terão direito à isenção, segundo
a Medida Provisória 1.300/2025, também vai onerar os demais consumidores de
energia.
É incompreensível para a maioria da população
que a conta de luz possa subir tão acima da inflação oficial registrada no
período – 5,32% no acumulado de 12 meses até maio, segundo o IPCA. Mas a
questão é que a inflação não é referência para os reajustes ordinários anuais.
O cálculo da Aneel considera vários outros componentes, entre eles o custo da
geração da energia, que subiu 3,8%, no caso da Enel São Paulo, e o de
transmissão, que, por sinal, caiu 4,61%.
Também causa alguma revolta o fato de que o
reajuste será concedido à Enel São Paulo, que deixou milhares de pessoas no
escuro por dias depois das tempestades que ocorreram no fim do ano passado. Mas
a distribuidora, além de ter recebido a maior multa já aplicada na história da
Aneel, ficará apenas com 1,02 ponto porcentual desse reajuste de quase 14%.
À agência reguladora, resta garantir que a
legislação e os contratos de concessão sejam cumpridos, embutindo nas tarifas o
peso de cada um desses itens nas tarifas – inclusive os relacionados às
controversas decisões do Congresso.
É por essas e outras que o Brasil é conhecido
como o país da energia barata e da conta cara. De nada adianta voltar a mira
contra a agência reguladora ou esperar dela uma atuação digna de um órgão de
defesa do consumidor. Nesse caso, a Aneel é apenas a portadora da má notícia.
A vitória de Trump
O Estado de S. Paulo
Pacote fiscal hipoteca o futuro para
financiar a era dourada prometida pelo presidente
Após intensa batalha política e com votações
apertadas, o Congresso americano aprovou o projeto orçamentário que o
presidente Donald Trump batizou de Big Beautiful Bill (algo como “um
grande e belo projeto de lei”). Indiscutivelmente, trata-se de um grande
triunfo político de Trump, talvez o maior de sua presidência. E também é
indiscutível que o governo americano, que contratou um déficit público no nível
do verificado após a 2.ª Guerra, hipotecou o futuro, na forma de juros altos e
dólar fraco, para alimentar os planos trumpistas de “fazer a América grande de
novo”.
Com a vitória legislativa, a primeira da
segunda passagem do republicano pela Casa Branca, Trump colhe muito daquilo que
defendeu durante a campanha: corte profundo de impostos e de investimentos
federais e aumento dos gastos militares e dos recursos para ampliar a
deportação em massa de imigrantes ilegais, além de redução drástica de
programas sociais.
No entanto, os placares apertados na Câmara e
no Senado demonstram o dilema dos republicanos que, ao contrário de Trump,
enfrentarão o escrutínio das urnas nas eleições legislativas de novembro de
2026.
Embora alguns pontos do programa tenham forte
apelo junto ao eleitorado republicano, como a intensificação do combate à
imigração e o corte de impostos, o sensível achatamento de programas sociais é
impopular entre os norte-americanos de menor renda, não importa se republicanos
ou democratas.
O programa Medicaid, que deve perder
mais de US$ 1 trilhão em recursos federais nos próximos dez anos, é exemplo de
política pública implementada pelos democratas que, ao longo dos anos,
tornou-se bastante popular entre os republicanos. Tão popular que, durante a
campanha, Trump prometeu mantê-la. Contudo, estima-se que, com o novo orçamento
federal, milhões de norte-americanos perderão cobertura médica e podem
demonstrar sua frustração nas urnas.
Já os cortes de impostos, estimados em US$
4,5 trilhões, devem aumentar em US$ 3,4 trilhões nos próximos dez anos o já
astronômico déficit fiscal dos EUA. É bem provável que a medida estimule a
economia, por meio do aumento do consumo e do investimento.
Na visão de Trump, o corte de impostos,
aliado às tarifas sobre importações, levará a um aumento robusto de postos de
trabalho, o que permitiria que os EUA retomem uma prometida “era dourada”
supostamente perdida. Economistas advertem, porém, que esse cenário de trabalho
farto é improvável, entre outras razões porque inovações tecnológicas que geram
forte crescimento do PIB não exigem número significativo de trabalhadores, numa
época em que a expansão da inteligência artificial elimina cada vez mais profissões.
Além de não necessariamente resultar em mais
empregos, o corte de impostos injeta mais dinheiro na economia, pressionando a
inflação e os juros.
Tudo somado, Trump, que nunca prezou a
prudência, certamente tem todos os motivos para celebrar não apenas por ter
vencido a batalha no Congresso, mas também porque não terá de arcar com as
consequências eleitorais caso as previsões mais sombrias dos economistas venham
a se concretizar.
Lei Afonso Arinos e o combate ao racismo
O Povo (CE)
Tida como percursora de leis contra o
racismo, a lei proposta pelo deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco foi
um passo gigante que o Brasil deu na luta pela igualdade racial
Considerada um marco na luta antirracista, a
Lei Afonso Arinos foi criada há 74 anos, no dia 3 de julho de 1951. É
indiscutível reconhecer a relevância da regulamentação, tida como percursora de
leis contra o racismo. Foi um passo gigante que o Brasil deu na luta pela
igualdade racial. A lei teve a função de trazer à tona as tensões raciais
existentes no Brasil, mostrando que o racismo existe na sociedade brasileira e
que é possível encontrar caminhos para combatê-lo.
A Lei nº 1.390/51, primeira norma contra o
racismo no Brasil, foi proposta pelo deputado federal Afonso Arinos de Melo
Franco (1905-1990), da UDN-MG, e promulgada pelo presidente Getúlio Vargas,
proibindo a discriminação racial no País. A legislação definia o crime de
racismo como a prática de qualquer ato discriminatório, preconceituoso ou
ofensivo contra grupos raciais, étnicos ou religiosos, o que reforçava o
princípio da igualdade e promovia a conscientização sobre direitos humanos.
Sabe-se, no entanto, que, apesar dos avanços
proporcionados pela lei, ainda existem desafios a serem superados na constante
busca pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
A lei foi criada depois de um episódio
racista sofrido pela dançarina e coreógrafa americana Katherine Dunham. O
gerente do Hotel Esplanada, em São Paulo, havia se recusado a hospedar a
dançarina quando descobriu que ela era uma "mulher de cor".
Katherine, que era antropóloga e ativista social nos Estados Unidos, fez a
denúncia do caso entre o intervalo entre o primeiro e segundo ato de sua turnê,
aos jornais locais. Na época, diversos veículos de comunicação noticiaram o
crime sofrido pela americana.
O deputado Afonso Arino, conforme diz em seus
escritos, contava que o que o levou a propor o projeto de lei contra a
discriminação racial foi um episódio de racismo sofrido pelo seu motorista José
Augusto, negro casado com uma catarinense de ascendência alemã. "Certa vez
procurou-me, revoltado, para dizer que o empregado espanhol de uma confeitaria
de Copacabana, após ter admitido a entrada da mulher e dos filhos, barrou-lhe a
porta com a recomendação de que ficasse esperando pela família, do lado de
fora. Era demais, sobretudo considerando-se que os agentes da injustiça eram
quase sempre gringos, ignorantes das nossas tradições e insensíveis aos nossos
velhos hábitos de fraternidade racial", descreveu.
Cerca de um ano depois, foi criada a Lei
Afonso Arinos, segundo a qual era contravenção penal o ato de recusar
atendimento em estabelecimentos públicos ou privados, como instituições de
ensino, supermercados e hotéis, por motivo de raça ou cor. A regulamentação é
considerada como a primeira lei de combate ao racismo no Brasil, criada 60 anos
após a abolição da escravidão.
É preciso reconhecer o valor e o pioneirismo
da lei, criada para eliminar problemas históricos e culturais que resistem até
hoje. No entanto, é necessário combater cotidianamente o preconceito, em todas
as suas esferas, lembrando que o racismo é um crime inafiançável e
imprescritível, mas, sobretudo, enxergando a questão racial de forma coletiva e
social.
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