domingo, 6 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Cúpula consolida Brics como veículo do poder da China

O Globo

Expansão do bloco tem se dado em direção à Ásia, ampliando esfera de influência chinesa

A cúpula do Brics, que ocorre hoje e amanhã no Rio, tende a consagrar o viés antiocidental que acompanha o bloco desde a criação por Brasil, Rússia, Índia e China, em 2009. A ausência de Xi Jinping em nada muda o uso que os chineses têm feito dele como veículo e plataforma para exercer liderança sobre outros países, em contraponto a americanos e europeus. Sinal disso tem sido a contínua expansão do Brics na Ásia, ampliando a esfera de influência chinesa. Xi — representado pelo primeiro-ministro Li Qiang — não precisa estar no Rio para que o Brics continue a ser útil a Pequim.

Depois do acréscimo do “s”, com a entrada da África do Sul em 2011, o Brics foi ampliado em 2024, com a chegada de Irã, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, afastando-se das pretensões de defender as liberdades e valores democráticos. Em janeiro, a Indonésia também aderiu ao bloco. Malásia, Tailândia e Vietnã acabam de decidir tornar-se associados, primeiro passo para ser membros titulares. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) é fator de atração no Sudeste Asiático, assim como o mecanismo que oferece a bancos centrais do bloco acesso a fundos de emergência.

Com as novas adesões, o peso do Brics crescerá para 40% do PIB mundial, mais que os 30% do G7, grupo que reúne as democracias ocidentais mais ricas. Mas a importância desses blocos não se mede pela soma de PIBs. O Brics tem pretensões de desenvolver políticas concretas para ampliar comércio e investimentos entre seus membros e de conquistar peso relevante na geopolítica global. Por ora, tem prevalecido o antiamericanismo atávico de alguns integrantes. “A expansão fortaleceu o Brics como plataforma para responder aos desafios da atualidade e do futuro, entre eles a defesa da diplomacia e do multilateralismo, cuja reforma e fortalecimento já não podem mais esperar”, escreveu recentemente o chanceler Mauro Vieira. “Somente uma ação coletiva rápida e eficaz pode reverter o atual quadro de debilidade das instituições internacionais.”

Da agenda da cúpula no Rio, consta o lançamento do Fundo de Garantia Multilateral, criado pelo NDB. Há também discussões sobre fortalecimento do comércio e transações financeiras usando moedas nacionais. Saiu da pauta a ideia de uma moeda comum como alternativa ao dólar (Donald Trump prometeu taxar as exportações do Brics para os Estados Unidos em 100% se a proposta fosse adiante). De resto, retomam-se discussões sem efeito prático, como “governança global e cooperação no Sul global” ou “governança responsável” da inteligência artificial pelo ângulo do “desenvolvimento digital inclusivo”. Em temas essenciais, como clima, saúde, segurança ou combate ao terrorismo, é duvidoso que o Brics possa adquirir relevância.

Para o Planalto, ele é um instrumento de contenção do poderio americano. Pela heterogeneidade dos integrantes que passou a abrigar, de certa forma lembra o Grupo dos 77, criado em 1964 por países em desenvolvimento como contraponto aos ricos, sem jamais alcançar nenhum vulto. Enfrenta também a mesma dificuldade: articular consenso entre interesses múltiplos, nem sempre alinhados. Apesar disso, o chanceler Vieira insiste que “o Brics continuará a falar com uma só voz, a partir de agora reforçada pelo peso ampliado de seus 21 integrantes”. Pelo que se tem visto nas reuniões recentes, se isso acontecer, será a voz da China.

Visita de Lula a Cristina Kirchner contamina diplomacia com ideologia

O Globo

Presidente extrapolou necessária cautela com gesto de rejeição a decisão do Judiciário argentino

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva misturou os papéis de chefe de Estado e militante político ao aproveitar sua estadia em Buenos Aires para a reunião de cúpula do Mercosul — paga pelo contribuinte e a serviço dos cidadãos — para condenar a prisão da ex-presidente argentina Cristina Kirchner por corrupção. Não cabe ao presidente, não importa de que partido, interferir em assuntos internos de outro país ou questionar suas decisões judiciais movido por afinidades ideológicas.

A ideia de visitar Cristina não foi bem recebida pelo Itamaraty, mas prevaleceu a vontade de Lula. Pelo que se dizia, a visita não passaria de um gesto de solidariedade sem declarações. Já seria ruim, mas não foi o que aconteceu. Tudo parecia ocorrer dentro dos limites até Lula recepcionar, na residência do embaixador brasileiro, o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, e posar com ele para uma foto ao lado do cartaz “Cristina Livre”. Segundo Pérez Esquivel, Lula disse acreditar na inocência dela. O estrago estava feito. Ficou óbvio que Lula extrapolou a necessária cautela diplomática com o gesto de rejeição à decisão do Judiciário argentino.

Ele ainda deixou registrado numa rede social: “Pude sentir nas ruas o apoio popular que [Cristina] tem recebido e sei bem quanto é importante esse reconhecimento nos momentos mais difíceis”. Apesar de implícita, é evidente a referência à condenação, também por corrupção, que o manteve 580 dias preso até o processo ser anulado.

O processo que condenou Cristina tramitou por todas as instâncias da Justiça argentina durante nove anos, com pleno direito de defesa. Ao analisar o caso, os três juízes da Corte Suprema a condenaram por unanimidade a seis anos de prisão, em virtude do que chamaram “profusão de provas” (a sentença é cumprida em domicílio, pois Cristina tem mais de 70 anos). Ela foi condenada por beneficiar Lázaro Báez, empreiteiro e sócio da família Kirchner, com obras públicas. Na Casa Rosada, Cristina referendou pessoalmente o sobrepreço cobrado pelo empreiteiro amigo em 51 contratos. Segundo as provas, o prejuízo ao Tesouro argentino alcançou US$ 500 milhões.

Não é a primeira vez em que relações pessoais e relações de Estado entre Brasil e Argentina se confundem. Em 2019, o então presidente argentino, Alberto Fernández, peronista como Cristina, visitou Lula na prisão, em gesto também impróprio. Mas o caso se torna mais grave quando há contestação a decisões judiciais de um país soberano. E nisso também há reincidência. Em abril, Lula concedeu asilo político a Nadine Heredia, mulher do ex-presidente peruano Ollanta Humala, condenada com o marido a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro. Ainda mandou um avião buscá-la antes de ser detida.

Não há justificativa para esse tipo de deferência, assim como no caso de Cristina. Lula pode ter a opinião que quiser sobre a Justiça de qualquer país, mas não pode usar seu papel de chefe de Estado para provocações ou gestos pessoais. Não ajuda a relação entre Brasil e Argentina. Não serve ao interesse nacional. Não faz bem a ninguém.

Velhas ideias rondam a eleição do PT

Folha de S. Paulo

Disputa tem moderado como favorito, mas é Lula quem ensaia retomar confronto; campanhas rivais atacam política econômica

Ao surgir em 1980, o Partido dos Trabalhadores distinguiu-se das agremiações tradicionais da história brasileira, em particular da oposição consentida pela ditadura militar agônica de então. De saída, fez da disputa interna entre correntes diversas, ainda que sempre à esquerda, uma marca.

A democracia partidária, todavia, subordinou-se à realidade do poder. Em seu primeiro grande teste, a prefeitura paulistana conquistada em 1988, o assembleísmo petista resultou em balbúrdia administrativa.

Figura de proa da legenda desde a origem, Luiz Inácio Lula da Silva sempre buscou impor sua vontade aos correligionários. Ao chegar à Presidência da República, vencendo o pleito de 2002, sacramentou seu "diktat" —do qual decorreram cismas, como aquele em que foi criado o PSOL.

No maior revés de sua história, o processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, o PT se viu ainda mais dependente do comandante. O período em que Lula ficou preso aprofundou o caráter messiânico de sua liderança.

De 2017 até março deste ano, o PT foi presidido por Gleisi Hoffmann, sob a bênção lulista. Hoje ministra das Relações Institucionais, ela dava vazão às insatisfações do partido com a política econômica de Fernando Haddad —nada que seja estranho ao estilo do presidente em terceiro mandato de gerir partido e governo.

Com a vacância no comando petista, foi aberta a campanha que acaba com o pleito deste domingo (6). Lula ungiu Edinho Silva para o cargo, com algum dissenso na forma da candidatura do ex-chefe da sigla Rui Falcão.

Demais nomes na disputa, Romênio Pereira e Valter Pomar, são a concessão usual às alas radicais. A disputa interna, como não poderia deixar de ser, foi tomada por ataques à política econômica.

Na semana derradeira da refrega, os adversários de Edinho assinaram carta conjunta pedindo mobilização popular contra os juros do Banco Central e a maioria conservadora do Congresso Nacional.

O favorito na eleição tem a reputação de moderado, pelos padrões petistas. É Lula, no entanto, quem hoje ensaia tomar o rumo da radicalização.

Acossado pela impopularidade e pela dificuldade de governar, expressa na crise do IOF, o cacique petista recorreu ao usual "nós contra eles", desta vez propagando que a culpa pelos problemas do país é de um conluio entre parlamentares à direita e super-ricos avessos a impostos.

Edinho, até aqui, não deu sinais de adesão ao confronto, seja com outras forças políticas, seja com a política de Haddad —quando muito, defendeu corretamente a revisão de isenções tributárias e fez uma proposta exótica de novo cálculo da inflação para permitir a queda dos juros.

Se não será capaz de renovar o ideário do PT, sua gestão poderia, na melhor hipótese, contribuir para a pacificação de relações com os demais partidos. Será preciso, entretanto, combinar primeiro com Lula.

Congresso linha dura

Folha de S. Paulo

Avançam projetos populistas em segurança para vender solução mágica a problema complexo; debate carece de racionalidade

Congresso Nacional mostra uma esperada inclinação à linha dura no combate à criminalidade, como indicam dois projetos recém-aprovados por comissões parlamentares

A segurança pública tende a figurar, com razão, como prioridade para os eleitores. A resposta do Legislativo, no entanto, se dá com medidas populistas que apresentam poucos resultados efetivos.

Na terça (1º), a comissão do Senado responsável pelo setor votou texto que amplia o conceito de legítima defesa, autorizando o uso de arma de fogo ou outros meios letais para impedir invasões a propriedades ou veículos.

De autoria do senador Wilder Morais (PL-GO) e relatado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o projeto também permitirá armadilhas e cães de guarda, isentando o proprietário de responsabilidade civil ou criminal.

Ora, é evidente que um cidadão tem o direito de se proteger, valendo-se de meios proporcionais à agressão —e a legislação em vigor já contempla tais situações.

O que o projeto faz, ao pretender uma espécie de carta-branca para a legítima defesa, é apelar a fantasias de bangue-bangue em que se faz justiça com as próprias mãos, ignorando políticas respaldadas por evidências, planejamento e investimentos.

A inclinação à barbárie também se dá em outro projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que atrela a concessão de liberdade condicional a condenados por estupro à aceitação de castração químico-hormonal para reduzir o desejo sexual.

Além de prever uma punição que fere a dignidade humana, a medida tem eficácia duvidosa.

O projeto, relatado pelo deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM), erra ao reduzir a motivação da violência sexual a uma questão de libido, quando o exercício do poder de subjugar a vítima é indutor fundamental. Ademais, segundo a lei, o crime de estupro não requer a conjunção carnal.

As duas iniciativas indicam que o governo terá dificuldade em fazer avançar um debate equilibrado sobre políticas para o setor, como a proposta de emenda à constituição (PEC) que apresentou e cuja tramitação se encontra parada. Enquanto isso, o Senado aprovou, em maio, uma PEC que autoriza a criação de polícias a partir das guardas municipais.

A direita mais radical tem sabido explorar temores da população com saídas fáceis e enganosas para problemas complexos, enquanto esquerda e moderados se recolhem para não parecerem tolerantes com a violência e a criminalidade. Faltam racionalidade e coragem aos legisladores.

STF como puxadinho do Congresso

O Estado de S. Paulo

Ações propostas por partidos ao Supremo quadruplicaram desde 2003, revelando uma política pouco propensa a consensos e uma Corte que se deixa capturar por embates que não lhe dizem respeito

O Estadão levantou um dado revelador da disfuncionalidade da política partidária no País. O número de ações propostas por partidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) quadruplicou desde 2003, saltando de 472 entre 1989 e 2002 para 1.892 até junho deste ano. Por um lado, resta evidente que, nas últimas duas décadas, as legendas passaram a enxergar no STF uma espécie de puxadinho do Congresso, tratando-o como uma extensão da arena política. Por outro, isso só aconteceu porque os próprios ministros da Corte não apenas permitiram, como gostaram desse jogo no qual são protagonistas.

Antes da promulgação da Constituição de 1988, o acesso ao STF era restrito, basicamente, à Procuradoria-Geral da República (PGR). Restabelecido o regime democrático, a nova Carta Política ampliou o rol de autoridades e representantes da sociedade civil com legitimidade para ingressar com ações na mais alta instância do Judiciário. É compreensível. Até a redemocratização, a PGR, na prática, não era mais do que um braço do Executivo, servindo aos interesses da ditadura militar. Porém, passadas quase quatro décadas de vigência da “Constituição Cidadã”, o modelo previsto pelos constituintes originários claramente demanda revisão.

O espírito à época, louvável, era resguardar os interesses de minorias que passaram a ter guarida constitucional. Porém, hoje o que se vê é a instrumentalização desse acesso por partidos com baixíssima representatividade que, como maus perdedores, correm para as barras da Justiça quando derrotados em votações legítimas. Com razão, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou que pretende apresentar uma medida legislativa para fixar critérios mínimos de representatividade para que um partido seja autorizado a peticionar ao Supremo. De fato, é preciso restabelecer alguma ordem nessa bagunça institucional.

Casos pontuais de intervenções judiciais nas lides políticas fazem parte do sistema de freios e contrapesos. Mas o que os números levantados por este jornal indicam é um problema estrutural: a perversão desse sistema por legendas absolutamente despreparadas para a vida democrática.

É claro que, como em qualquer outra democracia, é legítimo que partidos recorram ao STF em casos de afronta evidente à Constituição. Basta dizer que a própria Constituição prevê que as legendas têm legitimidade para propor ações de controle concentrado de constitucionalidade. O problema, portanto, não está na existência do instrumento, mas em seu uso desvirtuado. Com um quadro partidário altamente fragmentado, tíbio do ponto de vista ideológico e programático e marcado por uma polarização infensa à construção de consensos, as siglas demonstram, a cada nova ação judicial, sua incapacidade de dialogar, negociar e formar maiorias legítimas em torno de propostas de interesse nacional.

Dito isso, o STF também precisa ser mais criterioso na análise da pertinência dessas ações. A justificativa usual de que a Corte “não pode prevaricar” esconde a falta de coragem ou interesse de alguns ministros para desconhecer certos pedidos que lhes são feitos, devolvendo-os ao locus apropriado: o Congresso. A simples recusa de conhecimento de determinadas ações ajuizadas com evidente propósito político-eleitoral já seria um passo importante para desestimular a “judicialização da política” e reafirmar o papel técnico e institucional do Supremo.

O resultado dessa anomalia é uma sobrecarga crescente do STF, a corrosão da autoridade do Congresso como instância política por excelência e o aumento da tensão entre os Poderes. Como se isso não bastasse, a excessiva exposição política do Supremo causa danos não triviais à sua própria imagem, reforçando a percepção de que os ministros agem movidos por interesses políticos.

Não há solução simples para essa distorção. Mas uma providência se impõe com urgência: um necessário debate, em nível constitucional, sobre os critérios de admissibilidade de ações propostas por partidos ao STF. É preciso estabelecer filtros mais rigorosos para coibir o uso abusivo da Justiça como arena política. Outra seria a autocontenção dos próprios ministros da Corte. Mas aí é querer demais.

Conta de luz salgada é obra coletiva

O Estado de S. Paulo

Do aumento de quase 14% nas contas de luz da Enel São Paulo, quase metade se deve a decisões do Congresso, que não hesita em aprovar jabutis que invariavelmente chegam às tarifas de energia

A conta de luz dos moradores da região metropolitana de São Paulo acaba de aumentar 13,94%, um índice por certo elevado para boa parte dos paulistanos. Consumidores residenciais pagarão 13,47% a mais, e para grandes consumidores, conectados à alta tensão, como indústrias e comércios, a elevação será ainda maior, de 15,77%.

Não há quem esteja satisfeito com um reajuste dessa monta, mas culpar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pela decisão é tão fácil quanto enganoso. Quem precisa ser responsabilizado nessa hora, e raramente é lembrado, é o Congresso, autor da maioria dos jabutis que, invariavelmente, chegam à conta de luz.

Os documentos que explicam o reajuste autorizado pela Aneel são públicos. Neles, o consumidor interessado vai descobrir que quase metade do aumento concedido à Enel São Paulo – o equivalente a 6,44 pontos porcentuais – se deve a encargos setoriais, rubrica que engloba subsídios que alcançam desde usinas que geram energia limpa àquelas que utilizam carvão.

Entre os beneficiários estão os consumidores que produzem eletricidade através de painéis fotovoltaicos, que elevaram a conta de luz dos paulistanos em 1,79 ponto porcentual. De fato, a chamada geração distribuída tem sido um ótimo negócio para as empresas que comercializam a estrutura e um bom investimento para quem a adquire. Só é um problema para os milhões de consumidores que não têm dinheiro ou espaço para instalar painéis em seus telhados e, pior, são obrigados a custear o equipamento de terceiros.

Esses e outros incentivos foram aprovados em lei pelo Congresso, já que os poucos subsídios que haviam sido concedidos por meio de decretos presidenciais foram revogados nos últimos anos. E ao contrário do que muitos acreditam, não é o erário quem banca essa festa por meio de impostos, mas o consumidor de energia diretamente na sua conta de luz.

Os parlamentares ainda acham que há espaço para aumentar as benesses. Do contrário, não teriam aprovado a lei que criou o marco das eólicas em alto-mar (offshore) com inúmeras emendas estranhas ao texto. Ao sancionar a proposta, o governo Lula da Silva rejeitou os jabutis, mas o Congresso decidiu derrubar os vetos presidenciais para reabilitar as emendas, a um custo de R$ 197 bilhões nos próximos 25 anos, segundo dados da consultoria de energia PSR.

Se o Congresso é o maior culpado, o governo tampouco pode posar de defensor do consumidor. Afinal, Lula da Silva, de olho na eleição, propôs ampliar o alcance e o desconto do Programa Tarifa Social de Energia Elétrica, que atende a famílias de baixa renda. A exemplo de outros subsídios, o aumento do número de famílias que terão direito à isenção, segundo a Medida Provisória 1.300/2025, também vai onerar os demais consumidores de energia.

É incompreensível para a maioria da população que a conta de luz possa subir tão acima da inflação oficial registrada no período – 5,32% no acumulado de 12 meses até maio, segundo o IPCA. Mas a questão é que a inflação não é referência para os reajustes ordinários anuais. O cálculo da Aneel considera vários outros componentes, entre eles o custo da geração da energia, que subiu 3,8%, no caso da Enel São Paulo, e o de transmissão, que, por sinal, caiu 4,61%.

Também causa alguma revolta o fato de que o reajuste será concedido à Enel São Paulo, que deixou milhares de pessoas no escuro por dias depois das tempestades que ocorreram no fim do ano passado. Mas a distribuidora, além de ter recebido a maior multa já aplicada na história da Aneel, ficará apenas com 1,02 ponto porcentual desse reajuste de quase 14%.

À agência reguladora, resta garantir que a legislação e os contratos de concessão sejam cumpridos, embutindo nas tarifas o peso de cada um desses itens nas tarifas – inclusive os relacionados às controversas decisões do Congresso.

É por essas e outras que o Brasil é conhecido como o país da energia barata e da conta cara. De nada adianta voltar a mira contra a agência reguladora ou esperar dela uma atuação digna de um órgão de defesa do consumidor. Nesse caso, a Aneel é apenas a portadora da má notícia.

A vitória de Trump

O Estado de S. Paulo

Pacote fiscal hipoteca o futuro para financiar a era dourada prometida pelo presidente

Após intensa batalha política e com votações apertadas, o Congresso americano aprovou o projeto orçamentário que o presidente Donald Trump batizou de Big Beautiful Bill (algo como “um grande e belo projeto de lei”). Indiscutivelmente, trata-se de um grande triunfo político de Trump, talvez o maior de sua presidência. E também é indiscutível que o governo americano, que contratou um déficit público no nível do verificado após a 2.ª Guerra, hipotecou o futuro, na forma de juros altos e dólar fraco, para alimentar os planos trumpistas de “fazer a América grande de novo”.

Com a vitória legislativa, a primeira da segunda passagem do republicano pela Casa Branca, Trump colhe muito daquilo que defendeu durante a campanha: corte profundo de impostos e de investimentos federais e aumento dos gastos militares e dos recursos para ampliar a deportação em massa de imigrantes ilegais, além de redução drástica de programas sociais.

No entanto, os placares apertados na Câmara e no Senado demonstram o dilema dos republicanos que, ao contrário de Trump, enfrentarão o escrutínio das urnas nas eleições legislativas de novembro de 2026.

Embora alguns pontos do programa tenham forte apelo junto ao eleitorado republicano, como a intensificação do combate à imigração e o corte de impostos, o sensível achatamento de programas sociais é impopular entre os norte-americanos de menor renda, não importa se republicanos ou democratas.

O programa Medicaid, que deve perder mais de US$ 1 trilhão em recursos federais nos próximos dez anos, é exemplo de política pública implementada pelos democratas que, ao longo dos anos, tornou-se bastante popular entre os republicanos. Tão popular que, durante a campanha, Trump prometeu mantê-la. Contudo, estima-se que, com o novo orçamento federal, milhões de norte-americanos perderão cobertura médica e podem demonstrar sua frustração nas urnas.

Já os cortes de impostos, estimados em US$ 4,5 trilhões, devem aumentar em US$ 3,4 trilhões nos próximos dez anos o já astronômico déficit fiscal dos EUA. É bem provável que a medida estimule a economia, por meio do aumento do consumo e do investimento.

Na visão de Trump, o corte de impostos, aliado às tarifas sobre importações, levará a um aumento robusto de postos de trabalho, o que permitiria que os EUA retomem uma prometida “era dourada” supostamente perdida. Economistas advertem, porém, que esse cenário de trabalho farto é improvável, entre outras razões porque inovações tecnológicas que geram forte crescimento do PIB não exigem número significativo de trabalhadores, numa época em que a expansão da inteligência artificial elimina cada vez mais profissões.

Além de não necessariamente resultar em mais empregos, o corte de impostos injeta mais dinheiro na economia, pressionando a inflação e os juros.

Tudo somado, Trump, que nunca prezou a prudência, certamente tem todos os motivos para celebrar não apenas por ter vencido a batalha no Congresso, mas também porque não terá de arcar com as consequências eleitorais caso as previsões mais sombrias dos economistas venham a se concretizar.

Lei Afonso Arinos e o combate ao racismo

O Povo (CE)

Tida como percursora de leis contra o racismo, a lei proposta pelo deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco foi um passo gigante que o Brasil deu na luta pela igualdade racial

Considerada um marco na luta antirracista, a Lei Afonso Arinos foi criada há 74 anos, no dia 3 de julho de 1951. É indiscutível reconhecer a relevância da regulamentação, tida como percursora de leis contra o racismo. Foi um passo gigante que o Brasil deu na luta pela igualdade racial. A lei teve a função de trazer à tona as tensões raciais existentes no Brasil, mostrando que o racismo existe na sociedade brasileira e que é possível encontrar caminhos para combatê-lo.

A Lei nº 1.390/51, primeira norma contra o racismo no Brasil, foi proposta pelo deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990), da UDN-MG, e promulgada pelo presidente Getúlio Vargas, proibindo a discriminação racial no País. A legislação definia o crime de racismo como a prática de qualquer ato discriminatório, preconceituoso ou ofensivo contra grupos raciais, étnicos ou religiosos, o que reforçava o princípio da igualdade e promovia a conscientização sobre direitos humanos.

Sabe-se, no entanto, que, apesar dos avanços proporcionados pela lei, ainda existem desafios a serem superados na constante busca pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

A lei foi criada depois de um episódio racista sofrido pela dançarina e coreógrafa americana Katherine Dunham. O gerente do Hotel Esplanada, em São Paulo, havia se recusado a hospedar a dançarina quando descobriu que ela era uma "mulher de cor". Katherine, que era antropóloga e ativista social nos Estados Unidos, fez a denúncia do caso entre o intervalo entre o primeiro e segundo ato de sua turnê, aos jornais locais. Na época, diversos veículos de comunicação noticiaram o crime sofrido pela americana.

O deputado Afonso Arino, conforme diz em seus escritos, contava que o que o levou a propor o projeto de lei contra a discriminação racial foi um episódio de racismo sofrido pelo seu motorista José Augusto, negro casado com uma catarinense de ascendência alemã. "Certa vez procurou-me, revoltado, para dizer que o empregado espanhol de uma confeitaria de Copacabana, após ter admitido a entrada da mulher e dos filhos, barrou-lhe a porta com a recomendação de que ficasse esperando pela família, do lado de fora. Era demais, sobretudo considerando-se que os agentes da injustiça eram quase sempre gringos, ignorantes das nossas tradições e insensíveis aos nossos velhos hábitos de fraternidade racial", descreveu.

Cerca de um ano depois, foi criada a Lei Afonso Arinos, segundo a qual era contravenção penal o ato de recusar atendimento em estabelecimentos públicos ou privados, como instituições de ensino, supermercados e hotéis, por motivo de raça ou cor. A regulamentação é considerada como a primeira lei de combate ao racismo no Brasil, criada 60 anos após a abolição da escravidão.

É preciso reconhecer o valor e o pioneirismo da lei, criada para eliminar problemas históricos e culturais que resistem até hoje. No entanto, é necessário combater cotidianamente o preconceito, em todas as suas esferas, lembrando que o racismo é um crime inafiançável e imprescritível, mas, sobretudo, enxergando a questão racial de forma coletiva e social.

 

 


 

 

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