sábado, 26 de julho de 2025

Trump, segundo um cientista - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Diagnóstico preciso veio de um bioquímico, não de um sociólogo ou historiador: Thomas Sudhof

"A meta do governo Trump é destruir e, no fim, substituir a elite nos EUA." O diagnóstico emanou de um bioquímico, não de um sociólogo ou historiador: Thomas Sudhof, de Stanford, Nobel de Medicina em 2013. A frase, precisa, surgiu como resposta a uma pergunta sobre os ataques da Casa Branca às universidades, em entrevista a Der Spiegel.

Sudhof avalia que, no horizonte mais extenso, o resultado do conflito dependerá da sobrevivência do Estado de Direito nos EUA. "Se o império da lei for permanentemente afetado, a ciência será profundamente enfraquecida a longo prazo."

Tais conclusões representam quase um consenso na elite acadêmica. Originais, porém, são as duas pistas que ele oferece sobre as raízes político-culturais do retorno de Trump ao poder. Suspeito que suas hipóteses estendam-se para além dos EUA, iluminando também a potência da extrema direita na Europa e na América Latina.

A primeira: os equívocos dos governos na reação à pandemia de Covid propiciaram a escalada da desconfiança na ciência. Os cientistas têm culpa nesse cartório –e Sudhof inclui-se no time. "Alguns cientistas caíram numa espécie de pânico. O medo da morte de milhões conduziu a medidas nem sempre bem fundamentadas, do ponto de vista científico. Eis porque as camadas sociais vulneráveis, que sofreram mais, tornaram-se crescentemente céticas."

A radical restrição das liberdades públicas nutriu os ressentimentos contra as autoridades e as elites em geral. Trancadas em casa, as pessoas sucumbiram às redes sociais, ou seja, aos discursos conspiratórios, anticiência, do extremismo político. Os partidos democráticos emergiram mais fracos dos dois anos de trauma mundial.

A segunda: a difusão das políticas identitárias produziu uma implacável reação social. "Os democratas promoveram a DEI ['diversidade, equidade e inclusão'] nas universidades. Aparentemente, não era evidente para eles a dimensão da rejeição a esses programas na população em geral."

Os sinais aparecem à luz do dia. Trump perde popularidade quando viola direitos civis, persegue ferozmente imigrantes ou engaja-se em guerras tarifárias, mas ganha pontos ao cortar e ao penalizar as universidades que simbolizam os programas de DEI. O ritual de responsabilizar "brancos" ou "ricos" não funciona: a reação espraia-se igualmente entre latinos e negros.

A Universidade Columbia acaba de humilhar-se perante a Casa Branca, firmando uma rendição judicial. A capitulação abrange a renúncia a admissões e contratações em bases raciais, ao lado de medidas abjetas como o fornecimento de informações sobre estudantes estrangeiros à agência de imigração. Eliminando os critérios de raça, a instituição faz o certo, mas apenas sob a pressão de Trump, o que equivale a uma confissão de delinquência ideológica.

Sudhof concorda em "distribuir de modo mais justo" as oportunidades, mas pondera que a ênfase precisa recair no "componente econômico" das desigualdades. "Acho muito problemático dividir as pessoas de acordo com raças alegadas." Na sua análise, a sensação de discriminação associada às políticas identitárias provocou "repulsa" popular: "Penso que essa foi a mais importante razão pela qual as pessoas votaram em Trump".

O bioquímico Sudhof é uma figura rara. Trump tem a sorte de que, nas ciências humanas, quase ninguém aceita ouvi-lo.

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